Mosteiro de Singeverga
Monges Beneditinos

I - A cultura ajuda a fé

A cultura ajuda a fé


Podemos ser cristãos fiéis sem saber ler. Mas, é impossível compreender a doutrina da fé sem a ter estudado.
Acolher as ideias justas, rejeitar as teses erróneas: disto é capaz não a fé simples, mas a fé que amadureceu na cultura.
Até as virtudes serão alcançadas mais facilmente e mais rapidamente se tiverem a ajuda do conhecimento.
É verdade, o conhecimento não é indispensável. Como se pode viver honestamente tanto na riqueza como na miséria, podemos progredir no caminho das virtudes tanto com a cultura como sem ela.
Todavia, seria bom fazer alguns estudos e estar «habituados a distinguir o bem do mal» (Heb 5, 14).


Clemente de Alexandria, Stromata 6, 2


A loucura da cruz é poder de Deus


Todas as acções de Cristo são motivo de glória para a Igreja universal; mas o supremo
motivo de glória é a cruz. Assim o sentia e afirmava Paulo: «Longe de mim gloriar-me a não ser na cruz de Cristo» (Gal 6, 14). Foi certamente digno de admiração o facto de aquele pobre cego de nascença recuperar a vista em Siloé; mas que aproveitaram com isso os cegos do mundo inteiro?
Foi um acontecimento maravilhoso e acima da natureza a ressurreição de Lázaro, quatro dias depois de morto; mas só ele beneficiou desta graça: que lucraram com isso aqueles que em todo o mundo estavam mortos pelo pecado?
Admirável foi o prodígio dos cinco pães que se multiplicaram como fonte inexaurível, dando alimento a cinco mil homens; mas que proveito tiraram disso todos aqueles que sobre a face da terra são atormentados pela fome da ignorância?
Maravilhosa foi também a cura daquela mulher que Satanás retinha na sua prisão havia dezoito anos; mas de que nos serviu a todos nós, presos nas cadeias dos nossos pecados?
A glória da cruz iluminou todos os que estavam cegos pela ignorância, libertou todos os que estavam presos nas cadeias do pecado e redimiu os homens do mundo inteiro.
Gloriamo-nos da cruz do salvador. «A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós é poder de Deus» (1Cor 1, 18).


Cirilo de Jerusalém,
Décima terceira catequese aos iluminandos 13, 1


As acções do Espírito


No acto da criação o Espírito santo estava presente.
Por isso, a perfeição dos seres criados não é fruto do seu progresso. Eram já perfeitos no momento em que foram criados. O Espírito estava presente e deu-lhes a perfeição.
A mesma coisa se diga a propósito do desígnio da salvação, levado a efeito pelo nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, em absoluta consonância com o amor do Pai pelos homens: quem porá em causa que a perfeita realização deste desígnio dependa do Espírito?
Convido-vos a olhar para os tempos que antecederam a vinda de Cristo.
As bênçãos dadas aos patriarcas, a ajuda concedida pelo dom da lei, as prefigurações, as profecias, as maravilhosas acções de Israel, os milagres realizados pelos justos, a preparação da vinda do Senhor na carne: tudo foi realizado pelo Espírito.
O Espírito este presente no corpo do Senhor, foi a sua unção e o seu companheiro inseparável.
A própria Igreja é obra do Espírito.

Basílio, Tratado sobre o Espírito Santo


As mil línguas da única Igreja


Quando o Espírito Santo desceu do céu e encheu com a sua presença aqueles que tinham acreditado em Cristo, estes começaram a falar em todas as línguas. Naquele tempo, se alguém falava em todas as línguas, era sinal que tinha recebido o Espírito.
O que queria demonstrar o Espírito Santo com aquele prodígio? E porque não o cumpre também agora? Evidentemente, queria ensinar alguma coisa.
Queria ensinar que o Evangelho devia chegar a todas as línguas.
Por isso, eu ouso afirmar: também hoje a Igreja fala todas as línguas e em todas as línguas proclama o Evangelho.
A Igreja é como um corpo. Num corpo, o olho pode dizer: «O pé caminha por mim» e o pé pode dizer: «O olho vê por mim».
Assim, eu digo: o grego é a minha língua, o hebraico é a minha língua, o siríaco é a minha língua. Tantas línguas diferentes e uma única fé que as une a todas, um vínculo de amor que as unifica a todas.


Agostinho de Hipona,
Sermão Denis 19


A tua veste será branca como a lá

Disse Jesus: «Quando vier o Filho do Homem em sua glória, com todos os seus anjos, sentar-se-á sobre o seu trono glorioso. Diante dele serão reunidas todas as nações» (Mt 25, 31-32).
Ali estará todo o género humano. Imagina todos os que viveram ao longo dos séculos, desde Adão até hoje: uma multidão imensa. Além disso, estarão também todos os anjos.
É impossível não se encher de temor. Até prescindindo do suplício ao qual se pode estar condenado, atemoriza a ideia de que Deus nos julgue diante de tantas testemunhas.
«O Filho do homem separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos», continuou Jesus.
Como fará esta separação? Recorrerá a algum registo?
Não, julgará com base naquilo que vê. A lã caracteriza a ovelha, a pele encrespada contradistingue os cabritos.
Tu, se fores purificado dos teus pecados, vestirás uma veste de acordo com as tuas santas acções, e essa veste será branca como a lã.

Cirilo de Jerusalém, Décima quinta catequese aos iluminandos 15, 24


Tu estás para além de tudo aquilo que existe


Tu, ó Deus, estás para além de tudo o que existe.
Não contêm já estas palavras
tudo o que se pode cantar de ti?
Que hino te poderá cantar os teus louvores?
E em que coisa se apoiará a mente porque tu ultrapassas qualquer possibilidade de compreensão?
Tu és inconhecível
mas tudo o que possamos pensar provém de ti.
Todos os seres te honorificam
os que pensam e os que estão privados de pensamento.
Tudo o que existe te louva
a ti todo o ser pensante eleva um hino de silêncio.
Quem tiver uma morada mora em ti.


Quem se mover move-se em ti.
Tu és o fim de tosos os seres.
Tu és tudo
e não és nada daquilo que são os outros seres.
Tu és o único
e és a totalidade dos seres.
Tu tens todos os nomes
mas é para mim impossível chamar-te
porque és o único ao qual não se pode dar um nome.
Tem piedade, ó Deus!
Tu estás para além de tudo aquilo que existe.
Não contêm já estas palavras
tudo o que se pode cantar de ti?


Gregório de Nazianzo, Poesias 1, 1, 29

Primeiro: não imitar os vermes

Alguns têm uma língua incansável e têm muita habilidade para usar palavras rebuscadas e requintadas. Mas fariam melhor se se ocupassem do seu próprio modo de agir. Não fazem assim os sofistas?
No seu comportamento não há o mínimo espírito de fé. Interessam-se só com as dificuldades que podem evitar ou resolver. Procuram apenas impressionar os ignorantes, à procura de aplausos.
Atenção! Nem todos têm a capacidade de falar sobre Deus. Para o fazer é preciso pagar um preço muito alto, e, acima de tudo, deixar de imitar os vermes.
Nem todos podem falar sobre Deus, só aqueles que purificaram as suas almas e os seus corpos ou que, pelo menos, procuram purificar-se.

Gregório de Nazianzo, Oração 27, 1


Para além da casca da letra

A Sagrada Escritura, no seu conjunto, é como um homem. O Antigo Testamento é o corpo; o Novo é a alma, a inteligência é o espírito.
Noutra perspectiva, podemos dizer que em toda a Sagrada Escritura, Antigo e Novo Testamento, há dois aspectos: o conteúdo histórico, que corresponde ao corpo; e o sentido profundo, o objectivo que a mente deve procurar, que corresponde à alma.
Pensemos no homem: é mortal nas qualidades visíveis, imortal nas qualidades invisíveis.
Do mesmo modo é a Escritura. Ela contém a letra, o texto visível, que é passageiro. Mas, contém também o espírito escondido debaixo da letra, o qual nunca se extingue e deve ser objecto da nossa contemplação.
Pensemos outra vez no homem: se quer se perfeito, domina as paixões e mortifica a carne. Assim é a Escritura. Se for escutada espiritualmente, ela circuncida a própria letra.
Diz Paulo: «Na medida em que o homem exterior se vai deteriorando, o homem interior renova-se cada vez mais» (2Cor 4, 16). Podemos dizê-lo também da Escritura.
Quanto mais dela se for afastando a letra, mais relevo ganha o espírito. Quanto mais se retraem as sombras do sentido literal, tanto mais vai crescendo a esplendente verdade da fé. Foi por isto que se escreveu a Escritura.


Máximo Confessor,
Mistagogia 6

Quem nega que o “A” é a primeira letra do alfabeto


Ninguém fale contra a fé. Para Aristóteles a fé a critério da ciência. Epicuro considera a fé como a primeira reacção da razão. A esta reacção segue a actividade cognoscitiva e o resultado é a compreensão da verdade.
A fé exige o conhecimento, mas o conhecimento, por sua vez, tem necessidade da fé. Como não pode haver fé sem conhecimento, não pode haver conhecimento sem fé.
A fé precede o conhecimento, o conhecimento vem depois da fé. Ao conhecimento associa-se, depois, o propósito e o propósito determina a acção.
Portanto: deve-se acreditar em primeiro lugar, depois aprender. Uma vez conhecida a verdade, deve fazer-se um propósito e agir em conformidade com ele.
Nem sequer é possível conhecer as letras do alfabeto se não há fé, confiança no mestre.
Se alguém começasse subitamente a contradizer o mestre, negando que o “A” é a primeira letra do alfabeto, este jamais aprenderia ler e a escrever. Quem, pelo contrário, tem fé no mestre e acolhe o seu ensinamento, rapidamente, para além da fé, alcançará também o conhecimento.

Teodoreto, Terapia dos débeis pagãos 1, 90


Porque veneramos as imagens?

Deus nunca fora representado em imagens, uma vez que era incorpóreo e sem rosto. Mas dado que agora Deus foi visto na carne e viveu no meio dos homens, eu represento aquilo que é visível em Deus.
E, ao venerar o ícone, não venero a matéria, mas o Criador da matéria, que por mim se fez matéria e se dignou habitar na matéria e realizar a minha salvação através da matéria.
Por isso, não cessarei de venerar a matéria através da qual chegou a minha salvação. Mas não a venero de modo algum como Deus. Como poderia ser Deus, aquilo que recebeu a existência a partir do não-ser? Mas venero e respeito também todo o resto da matéria que me propiciou a salvação, enquanto plena de energias e de graças santas.
Não é por acaso matéria o madeiro da Cruz três vezes santa? E a tinta e o livro santíssimo dos Evangelhos não são matéria? O Altar salvífico que nos dispensa o pão da vida não é matéria? E, antes de tudo, não são matéria a Carne e o Sangue do meu Senhor?
Deves suprimir o carácter sagrado de tudo isto, ou deves conceder à tradição da Igreja a veneração das imagens de Deus e a dos amigos de Deus, que são santificados pelo nome que têm, e por esta razão são habitados pela graça do Espírito Santo. Portanto, não ofendas a matéria: ela não é desprezível, porque nada do que Deus fez é desprezível.
A beleza e o colorido das imagens estimulam a minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto como o espectáculo da campina impele o meu coração a dar glória a Deus.

João Damasceno, Discurso sobre as imagens 1, 10.16.27


A meta é a paz


Imitando as obras grandiosas dos nossos ilustres antepassados, corramos de novo para a meta que nos foi proposta desde o princípio, que é a paz. Fixemos atentamente o nosso olhar no Pai e Criador do universo e reconheçamos com gratidão os seus magníficos dons da paz e todos os seus incomparáveis benefícios. Contemplemo-Lo em espírito e fixemos os olhos da alma na sua vontade generosa.
Consideremos com é grande a sua benignidade para com todas as criaturas.
Os céus obedecem-Lhe em seus movimentos, com ordem e paz; o dia e a noite completam o curso por Ele estabelecido sem qualquer conflito; o Sol e a Lua bem como as constelações das estrelas mantêm-se nas órbitas por Ele assinaladas, sem qualquer erro e em perfeita harmonia. A terra fecunda, dócil à sua vontade, produz com abundância, nas estações favoráveis, o alimento para os homens, para as feras e para todos os seres vivos que nela habitam, sem transgredir nem alterar a ordem por Ele estabelecida.


Clemente Romano,
Carta aos Coríntios, 19-20


Documentos invioláveis


Fiz tudo o que pude, como homem que deseja conservar a unidade. Deus não mora onde houver divisão e cólera. Mas o Senhor perdoa a todos os que se arrependem, se esse arrependimento os levar à unidade com Deus. Exorto-vos a não fazerdes nada por espírito de querela, mas segundo os ensinamentos de Cristo. Ouvi alguns que diziam: “Se não o encontrar nos documentos antigos, não creio no Evangelho”. E quando eu lhes disse: “Está escrito”, responderam-me: “Essa é a questão”. Para mim, os meus documentos antigos são Jesus Cristo; os meus documentos invioláveis são a sua cruz, a sua morte, a sua ressurreição e a fé que nos vem Dele. Nisso é que eu desejo, pelas vossas orações, ser justificado.


Inácio de Antioquia,
Carta aos Filadelfos, 8


Culto Espiritual


O Evangelho ensina-nos o que o Senhor pede:
vai chegar a hora em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade. Deus é espírito e, por isso, deseja um culto espiritual. Nós somos os verdadeiros adoradores e os verdadeiros sacerdotes, nós que, orando em espírito, em espírito oferecemos o sacrifício da nossa oração, como vítima digna de Deus e agradável a seus olhos, vítima que Ele pede e espera. Esta vítima, oferecida de coração sincero, nascida da fé, alimentada pela verdade, coroada pelo amor, íntegra e sem mancha, inocente e casta, é a que devemos levar ao altar de Deus, acompanhada pelo solene cortejo das boas obras, no meio de samos e hinos, ela nos alcançará de Deus toda a espécie de bens.

Tertuliano, A oração, 28


A Paz é a Igreja da Tranquilidade


Tu, portanto, como pastor compadecido, cheio de amor e de ternura, que se preocupa com o seu rebanho, procura, conta as ovelhas, procura a que se perdeu, como disse o Senhor Deus, Jesus Cristo, nosso mestre e nosso bom Salvador: Deixa as noventa e nove nas montanhas e vai procurar a única que se perdeu, e, quando a encontrares, põe-na aos ombros, alegrando-te por teres encontrado a ovelha perdida; leva-a e junta-a ao rebanho. Obedece, tu também, bispo, procura aquele que pereceu, dirige aquele que erra, traz aquele que se afasta, porque tu tens o poder de perdoar os pecados àquele que caiu, uma vez que está revestido da pessoa de Cristo. Também o próprio Senhor diz àquele que pecou: Os teus pecados estão perdoados, a tua fé te salvou, vai em paz. Ora a paz é a Igreja da tranquilidade e do repouso na qual Ele introduzia aqueles que libertava dos seus pecados, cheios de saúde e sem mancha, com uma boa esperança, atentos aos trabalhos fatigantes e penosos. Como médico sábio e compadecido, Ele curava toda a gente, e sobretudo os que erravam no pecado, porque não são os que têm saúde que têm necessidade de médico, mas os doentes. E tu, bispo, foste feito médico da igreja; não deixas de oferecer o remédio para curares, com a sua ajuda, aqueles que estão doentes nos pecados; de todas as maneiras, porém, cuida, cura, e condu-los à Igreja sãos e salvos, para não incorreres nesta palavra que o Senhor disse: Vós submetei-las com violência e desprezo.

Didascália dos Apóstolos, II, 20

Os outros devem encontrar em nós a presença de Deus


Como são belos e grandiosos, irmãos caríssimos, os mistérios que nos revela a Oração do Senhor! São breves as palavras que os resumem, mas é grande o seu poder espiritual.
Devemos lembrar-nos, irmãos caríssimos, quando chamamos a Deus “nosso Pai”, que nos devemos comportar como filhos de Deus. Se nos alegramos em Deus, nosso Pai, Ele também deve poder alegrar-Se em nós. Devemos ser como templos de Deus, onde os homens possam encontrar a sua presença. Não sejam indignas do Espírito as nossas acções.

Cipriano de Cartago, A oração dominical, 9


Isto é cumprir a vontade de Deus


A vontade de Deus é aquela que Cristo fez e ensinou. Humildade no trato, firmeza na fé, discrição nas palavras; justiça nas acções, misericórdia nas obras, rectidão nos costumes; não ofender ninguém, suportar as ofensas recebidas e conservar a paz com os irmãos; amar o Senhor com todo o coração, nada recusar a Cristo, permanecer junto à cruz com fortaleza e confiança, quando está em jogo o seu nome e a sua honra; mostrar nas palavras a constância que professamos: isto é querer ser herdeiro com Cristo, isto é cumprir a vontade do Pai.


Cipriano de Cartago,
A oração dominical, 15


Paz a Israel


Cristo, Filho de Deus, é a paz. Por isso veio reunir os seus e afastá-los dos que praticam a iniquidade. Quem são os que praticam a iniquidade? São os que odiaram Jerusalém, que odiaram a paz, que querem destruir a unidade, que não crêem na Paz, que anunciam uma falsa paz ao povo e não têm paz. Quando eles disserem: A paz esteja convosco, e lhes responderem: E com o teu espírito, dir-lhes-emos que dizem uma falsidade e ouvem outra falsidade. A quem dizem: A paz esteja convosco? Àqueles que afastam da paz que existe no orbe da terra. E a quem se responde: E com o teu espírito? Àqueles que provocam dissensões e odeiam a paz. Se houvesse paz nos seus espíritos, acaso não amariam a unidade e abandonariam a discórdia? Por isso, ao dizerem o que é falso, também ouvem o que é falso. Nós anunciamos o que é verdade e ouvimos o que é verdade. Sejamos Israel e abracemos a paz, porque Jerusalém é visão de paz e nós somos Israel. Paz a Israel.

Agostinho de Hipona, Comentário ao Salmo 124, 10


Quem vos atende está dentro de vós


Não deixeis de orar, pois tendes quem vos atenda. Quem vos atende está dentro de vós. Não levanteis os olhos para qualquer monte, nem a face para as estrelas, para o sol ou para a lua. Não julgueis que sois atendidos só pelo facto de orar sobre o mar. Até deveis detestar essas orações. Simplesmente deveis purificar o santuário do coração. Onde quer que estejais e onde quer que oreis, quem atende está dentro de vós, no mais escondido recanto, a que se deu o nome de «seio». Quem vos atende, não está fora de vós. Não O procureis longe, nem vos eleveis, como se quisésseis tocá-l’O com as mãos. Se vos elevardes demasiadamente, vireis a cair, e, se vos humilhardes, Ele virá ao vosso encontro. Quem vos atende é o Senhor nosso Deus, Verbo de Deus, Verbo feito carne, Filho do Pai, Filho de Deus, Filho do homem.

Agostinho de Hipona, Tratado sobre o Evangelho de S. João, X, 1.


Restaurar a paz fraterna para poder participar na Páscoa


A cada dia e a cada tempo está ligada uma recordação da bondade divina, e não há nenhuma parte do ano que esteja privada de sagrados mistérios.
Tendo sempre diante dos olhos os auxílios da nossa salvação, nós podemos, desse modo, invocar com mais intensidade a misericórdia de Deus, que nos chama sempre.
Ninguém ouse negar o perdão aos pecados dos outros, se quiser recebê-lo para si próprio.
Ninguém julgue que irá participar na festa pascal, se tiver descurado a restauração da paz fraterna.
Os jejuns cristãos tornam-se ricos pela distribuição de esmolas e cuidados dispensados aos pobres.
Os pecados que são lavados pelas águas baptismais ou pelas lágrimas da penitência devem também ser apagados pelas esmolas.

Leão Magno, Sermões da Quaresma, Semão 11, 1.5.6


Não te tornes novamente prisioneiro


Foste resgatado: não te tornes novamente prisioneiro. Renunciaste: liga-te, sem te deixares novamente seduzir. Assinaste publicamente: ocupa-te com os lucros. Recebeste um talento em depósito: cuida de o fazeres render. Fizeste a experiência dum casamento: não cometas adultério, blasfemando. Foste posto em liberdade: não ultrajes o teu libertador, como se fosse teu escravo. Vestiste esta veste de brancura resplandecente: resplandece pela tua consciência. Modificaste a tua atitude: não contristes o Espírito, porque o mistério do baptismo e a graça sem medida do Crucificado foram proclamados do alto pelo profeta que gritava:
Ele quer a misericórdia. Quem, ó Profeta? Cristo, que Se tornou homem por misericórdia. Aquele que nasceu sem abrir as portas virginais, Ele mesmo Se voltará e terá piedade de nós. Tendo-Se voltado tornou-te estranho ao erro. Ele teve piedade de ti: com efeito, sobre a Cruz, Ele triunfou do pecado comum e submergiu as nossas injustiças, porque as águas místicas do baptismo apagam os nossos pecados nas profundidades da morte.

Basílio de Selêucia, Homilia Pascal, 1


A morte é imortalidade

Deus, com a sua palavra, destinou as espécies animais a diferentes usos sucessivos. Algumas devem ser comidas, outras devem servir. E Ele criou o homem para contemplar as suas vidas e as suas obras e para reconhecê-las e interpretá-las. Que os homens se apliquem, assim, a não morrer sem antes contemplar e entender Deus e as suas obras, como os animais desprovidos de razão. O homem deve saber que Deus tudo pode, e que nada se opõe Àquele que pode tudo. A partir do nada Ele fez, e fez tudo o que quis com a sua simples palavra, para a salvação dos homens.
O que está no Céu é imortal, por causa da bondade inerente ao que é celeste. Mas o que está na terra tornou-se mortal por causa do mal terrestre inerente que está nela. E este mal, pela negligência e pelo desconhecimento de Deus, atinge aqueles a quem falta a inteligência.
A morte, se o homem souber compreendê-la, é imortalidade. Mas para os ignorantes, que não a compreendem, ela é verdadeiramente a morte. Não é esta morte que devemos temer, mas a perdição da alma que não conhece a Deus. É isto, para a alma, que é temível.

Antão, Exortações sobre o comportamento dos homens e a vida virtuosa, 47-49

O homem não deve relaxar o seu coração


Nosso Senhor Jesus Cristo, conhecendo a grande crueldade [do demónio] e cheio de piedade dos homens, ordenou com firmeza de coração: “Estai prontos a toda hora, pois não sabeis a que horas virá o ladrão, para que ele não vos encontre adormecidos.” E também: “tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, e que esse dia não caia sobre vós subitamente,”. Domine o coração, vigiando os sentidos, e se a memória estiver em paz, capturará os ladrões que a arrebatam, pois aquele que examina rigorosamente os pensamentos reconhece aqueles que querem entrar apenas para sujar tudo. Com efeito, eles perturbam o intelecto para torná-lo distraído e preguiçoso. Mas aqueles que compreendem a sua malícia permanecem imperturbáveis, orando ao Senhor.
Enquanto viver num corpo, o homem não deve relaxar o seu coração. Pois, assim como o cultivador não pode confiar na semente que cresce no campo, pois ele não sabe o que sucederá antes de ter colhido e armazenado, também o homem não pode relaxar o coração enquanto houver um sopro em suas narinas.


Isaías, o Anacoreta,
Capítulos sobre a guarda do intelecto,12/15

Sentenças sobre a oração de Evágrio Pôntico


A prece é o fruto da alegria e da ação de graças.
Aqueles que acumulam interiormente penas e rancores [e que pensam rezar] assemelham-se a alguém que tenta encher com água um balde furado.
Não ore para que se cumpram as suas vontades, pois elas não necessariamente coincidem com a vontade de Deus. Antes, conforme o ensinamento, reze dizendo: Que a Sua vontade se cumpra em mim; do mesmo modo, em todas as coisas, reze para que se faça a vontade de Deus, pois Ele sempre quer o bem e o que for mais proveitoso para a sua alma, e nem sempre buscamos a mesma coisa.
Não se aflija se não receber imediatamente de Deus aquilo que pede; é que Ele quer ainda mais o seu bem, por sua perseverança em permanecer com Ele na oração. De fato, o que existe de mais elevado do que conversar com Deus e recolher-se à sua intimidade?
Não poderá possuir a pureza da oração se estiver sobrecarregado de coisas materiais e perturbado por preocupações contínuas, pois a oração é a supressão dos pensamentos.
Aquele que ama a Deus conversa incessantemente com Ele como com um Pai.


Evágrio Pôntico,
capítulos sobre a oração.

Comemos para viver

Qualquer que seja o alimento com o qual o ventre foi preenchido, ele engendra uma semente de prostituição. E não é somente o excesso de vinho que embriaga a razão, mas também a superabundância de água e o excesso de qualquer comida a tornam pesada e sonolenta. A ruína dos Sodomitas não foi causada pela embriaguez do vinho e o excesso de comidas variadas, mas, segundo o profeta, pela saciedade de pão.
A fraqueza do corpo não é um obstáculo à pureza do coração, quando damos ao corpo o que a fraqueza exige, não o que o prazer deseja. É preciso utilizar os alimentos na medida em que são úteis para viver e não a ponto de nos tornarmos presas dos assaltos da concupiscência. A absorção moderada e razoável de alimentos, para manter a saúde do corpo, não destrói a pureza.
Uma medida e uma regra exata da temperança nos foram transmitidas pelos Padres: quando comemos, devemos parar enquanto ainda temos apetite sem esperar estarmos saciados. Quando o Apóstolo diz que não
nos devemos preocupar com a carne no sentido de satisfazer sua concupiscência, ele não proíbe prover as necessidades da vida, mas condena a busca do prazer.


Cassiano, o Romano,
Da continência do ventre, 5

Recorda-te dos bens que foram concedidos por Deus

Os bens que recebeste desde teu nascimento até agora, sejam corporais ou espirituais, conserva-os diante dos olhos, medita sobre eles, repassa-os na memória, como foi dito: “Não esqueças nenhum de seus benefícios”, a fim de que o coração seja tranquilamente levado a temer e amar a Deus, a Ele responda, o quanto for possível, com uma vida rigorosa, uma conduta virtuosa, uma consciência pia, palavras afáveis, uma fé direita, um coração humilde, numa palavra, consagrando-se inteiramente a Ele, cheio de pudor à lembrança dos bens que lhe confiou o bom Mestre que ama os homens. Então, d’Ele próprio, ou melhor, com a ajuda e o impulso do alto, o coração abrir-se-á ferido do amor e do desejo.
Portanto, esforce-se para manter sempre na memória os bens que lhe foram concedidos por Deus. A todas as benesses que vieram de Deus, o que tem de digno para responder Àquele que atraiu a sua alma para a vida eterna? Pois daqui para diante, o que é justo, é que, não viva mais para si mesmo, mas para Cristo que morreu e ressuscitou por si, esforçando-se para alcançar todas as virtudes da justiça, a observação dos mandamentos, procurando sempre a vontade de Deus, aquilo que é bom, que o agrada, aquilo que é perfeito, com todas as suas forças.

Marcos, o Asceta, Carta ao monge Nicola.

A humildade, a atenção, a refutação e a oração


Quem sustenta o combate interior deve ter a cada instante estas quatro coisas: a humildade, uma atenção extrema, a refutação e a oração. A humildade, porque o combate se opõe aos demônios orgulhosos, e para ter a ajuda de Cristo ao alcance do coração, pois “o Senhor detesta os orgulhosos”. A atenção, a fim de manter sempre o coração puro de todo pensamento, mesmo que este pareça ser bom. A refutação, a fim de contestar o maligno imediatamente com cólera, assim que ele surgir chegando. Foi dito: “Eu responderei aos que me ultrajam: Não está minha alma submetida a Deus?” Enfim, a oração, a fim de chamar por Cristo com “gemidos inefáveis”, logo após a refutação. Então aquele que combate verá o inimigo dissipar-se perante a aparição da sua imagem, como a poeira ao vento ou a fumaça que esvanece, expulso pelo nome adorável de Jesus.

Hesíquio de Batos, Carta de Hesíquio a Teódulo, 20


Na vida espiritual não se deve começar pelo fim


De que serve a agricultura quando a guerra assola o país, se a colheita cairá nas mãos dos inimigos ao invés dos que trabalharam nela? Esta é a razão pela qual os Israelitas, na medida em que tinham que combater diversas nações no deserto, não tinham ordem para cultivar o solo, para não serem tolhidos em suas atividades guerreiras. Mas após a derrota dos inimigos, foi-lhes dito que se dedicassem à terra:
“Quando tiverem entrado na terra da promessa, nela plantem toda espécie de planta que der fruto”, de onde se subentende: antes de entrar nela, não plantem nada. Com efeito, antes da perfeição, as plantações não estão seguras, sobretudo quando os que as cultivam ainda levam uma vida errante. Na vida espiritual, como em toda atividade, existe uma ordem e um encadeamento a seguir, e desde o começo deve-se caminhar para adiante. Aqueles que, numa refeição, desdenham as entradas e se atiram às sobremesas, devem ser convencidos de que é preciso observar uma ordem; também Jacó, seduzido pela beleza de Raquel, desprezou Lia que tinha um defeito nos olhos, e, no entanto, não pôde evitar cumprir mais sete anos de serviço pela beleza daquela. Aquele que pretende avançar como se deve na vida espiritual não deve começar pelo fim, mas progredir desde o início até alcançar a perfeição.


Nilo o Asceta,
Qualidades e deveres do mestre espiritual, 32

A natureza do bem é sempre mais forte


Por natureza, só Deus é bom. Mas o homem também se torna bom pelos cuidados que toma com a sua conduta, caminhando pela via do bem, transformando-se naquilo que ele não é, quando a alma, aspirando ao bem, une-se a Deus tanto quanto lhe permitem as faculdades que ela põe em marcha. Com efeito, foi dito: “Sejam bons e compassivos, como o Pai que está nos céus”. O mal não é natural, e ninguém é mau por natureza. Pois Deus não fez nada de mau. Mas quando, por um desejo do coração, damos forma ao que na realidade não é, então começa a existir aquilo que pretende aquele que faz isto. Assim, é preciso sempre que, pelo cuidado que dedicamos à lembrança de Deus, não nos inquietemos com a experiência do mal. Pois a natureza do bem é mais forte do que a experiência do mal, porque aquela é, enquanto que esta não é, a menos que consintamos que ela exista.
Todos os homens são feitos à imagem de Deus. Mas a semelhança de Deus é própria dos poucos que, por um imenso amor, sujeitaram a Deus sua liberdade. De fato, quando nós não somos nós mesmos, é então que nos tornamos semelhantes Àquele que nos reconciliou consigo por amor. Mas ninguém alcançará esta semelhança se não persuadir sua alma a não se apaixonar pela glória desta vida fácil, [pela pobre glória humana].


Diádoco de foticéia,
Sobre o conhecimento e o discernimento espiritual, 2-4

Nem negligentes, nem presunçosos

Deus não quer que sejamos negligentes; é por isso que Ele não faz tudo sozinho. Ele também não quer que sejamos presunçosos; é por isso que Ele não deixa tudo para nós. Nos dois casos, Ele nos tira o que é nocivo e nos deixa o que é bom. O Salmista tem razão quando nos ensina que “se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores”. Pois é impossível caminhar sobre serpentes e calcar o leão e o dragão, se antes não nos purificarmos o quanto é possível a um homem, e sem recebermos a força d’Aquele que disse aos apóstolos: “dou-vos poder para pisar aos pés serpentes e escorpiões e domínio sobre todo o poderio do inimigo; nada vos poderá causar dano”. Foi-nos ordenado pedir ao Mestre na oração que não nos deixe cair em tentação e que nos livre do mal. Pois se não formos libertos das flechas inflamadas do Maligno e tornados dignos de alcançar a impassibilidade pelo poder e o auxílio de Cristo, se acreditarmos que com nosso próprio poder e nosso próprio esforço podemos obter seja lá o que for, penamos em vão. Quem quer superar e paralisar as intrigas do diabo e participar da glória divina deve, portanto, dia e noite, com lágrimas e gemidos, com um desejo insaciável e uma alma ardente, pedir a ajuda e o consolo de Deus. Quem quiser receber esta ajuda, que torna a sua alma pura de toda fruição do mundo, das paixões e dos desejos contrários. De tais almas, diz Deus: “Eu permanecerei e caminharei a seu lado”. Também o Senhor dizia aos seus discípulos: “Quem me ama seguirá meus mandamentos e meu Pai o amará. Nós viremos e faremos nele nossa morada”

Teodoro de Edessa, Cem capítulos, 69. (Filocalia)

Mesmo que caia dez mil vezes, dez mil vezes levante-se


Com todas as tuas forças, cuida de não cair. Pois cair não é digno de quem é forte e luta. Mas se caíres, levanta-te o mais depressa possível e retoma o bom combate. Mesmo que caias dez mil vezes, dez mil vezes repete este gesto: levanta-te. Até à tua morte. Pois está escrito: “Se o justo cai sete vezes, ou seja, toda a sua vida, ele se levantará sete vezes”. Enquanto possuíres a arma do santo hábito e ao mesmo tempo implorares e orares a Deus, serás contado entre os que estão em pé, mesmo que caias muitas vezes. Enquanto permaneceres entre os cristãos, como um soldado corajoso receberás no rosto todos os golpes. Será sobretudo por estes golpes que serás louvado, pois, mesmo ferido, não terás aceitado render-te ou recuar.
Desesperar é mais funesto do que pecar. Foi assim que Judas, o traidor, era fraco e não tinha experiência no combate; o inimigo atirou-se sobre ele que desesperava, e passou-lhe a corda no pescoço. Mas Pedro, esta sólida pedra, erguendo-se depois de uma queda terrível, não se deixou abater nem se abandonou ao desespero, pois ele tinha experiência no combate. Com o coração aflito e humilhado, ele derramou lágrimas amargas. Vendo isto, nosso inimigo, com os olhos queimados como por chamas vivas, recuou imediatamente e fugiu para longe lançando grandes gritos.

João Carpatos, cem capítulos de exortações, 84,85.

Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança


Como poderíamos descrever devidamente os dons de Deus? São tantos que não podem contar-se; são tão grandes e de tal qualidade que um só bastaria para merecer toda a nossa gratidão.
Deus Criou o Homem à sua semelhança, e honrou-o com o conhecimento de si mesmo, dotou-o de razão que o torna superior a todos os outros seres vivos, deu-lhes a possibilidade de gozar a magnífica beleza do paraíso terreste e, finalmente, constituiu-o rei de toda a criação. Depois que o homem, enganado pela serpente, caiu no pecado e, pelo pecado, na morte e tribulações que mereceu, nem por isso o abandonou; ao contrário, deu-lhe o auxilio da Lei, colocou-o sob a proteção e vigilância dos Anjos, enviou os profetas para corrigir os vícios e ensinar a virtude, reprimiu mediante ameaças as suas tendências par o mal e estimulou com promessas o seu esforço no caminho do bem, manifestando antecipadamente em várias ocasiões, com o exemplo concreto de diversas pessoas, qual a sorte final que espera os bons e os maus. E depois de tudo isto, apesar de perseverarmos na nossa obstinação, não se afastou de nós.
Na sua bondade, o Senhor não nos abandonou, embora a nossa insensatez nos tivesse levado a desprezar as suas honras; e não se extinguiu o seu amor por nós, apesar da insolência que mostramos para com o nosso benfeitor: “
Ele que era de condição divina não Se valeu da sua igualdade com Deus; mas aniquilou-se a Si próprio, tomando a condição de servo.”
Mais ainda: “Tomou sobre Si as nossas enfermidades, suportou as nossas dores, foi ferido por causa das nossas culpas, a fim de que pelas suas chagas fôssemos curados; salvou-nos da maldição, tornando-se maldito por nosso amor”. E não se limitou a restituir à vida os que estavam mortos, mas também os fez participantes da sua própria divindade e lhes preparou um descanso eterno e uma morada que supera toda a imaginação humana.
Que poderemos oferecer ao Senhor por tudo o que nos deu? Ele é tão bom que não nos exige retribuição; contenta-se com a gratidão do nosso amor.

Basílio de Cesareia, Regula Monastica Maior, 2

II - Prodígios e perigos das relações humanas

Prodígios e perigos das relações humanas


Ambrósio disse:

«Mais do que ser bons com os bons é importante ser bons entre os maus. Não ser bons com os bons é culpa grande, mas permanecer bons entre os maus é motivo de grande elogio.
A vida dos santos é norma de vida para os outros.
Se nos aproximamos de um homem santo, graças à sua palavra e ao seu exemplo, acende-se o amor pela verdade»

Isidoro disse:

«Se te aproximas dos bons, participarás também das suas virtudes, porque normalmente os semelhantes procuram os próprios semelhantes. Pelo contrário, é perigoso aproximar-se dos maus, aqueles que por sua vontade tendem para o mal. É melhor ser odiados por eles do que ter a sua amizade. Como a comunhão de vida com os santos traz muitas vantagens, o estar com os maus traz muitos dissabores.
Se é proveitoso que os bons vivam em paz uns com os outros, é também proveitoso que os maus nunca estejam de acordo».


Defensor Grammaticus, Livro das Sentenças, 63

Um Papagaio vale mais do que um órfão?


Alguns, em vez de aprender a governar e limpar a casa, contratam trabalhadores, cozinheiras e empregados de quarto.
Outros, sedutores das mulheres, passam o dia com elas, contando-lhes anedotas eróticas, corrompendo-as com palavras e actos mentirosos.
Outros, mais sofisticados, deliciam-se a cuidar de animais, como pássaros ou pavões. Brincam com eles, cheios de prazer.
Mas esquecem-se de cuidar da viúva, que obviamente vale muito mais do que um cãozinho de raça.
E desprezam o velhinho, que me parece muito mais digno de atenção do que os animais.
E não recebem o órfão, mas tratam de papagaios.
Ou abandonam os seus recém-nascidos, mas têm pássaros em sua casa.
Nem dão de comer a quem tem fome, apesar de ser mais belo do que os macacos e saiba dizer coisas mais interessantes do que os rouxinóis.


Clemente de Alexandria, O pedagogo 3, 4


As raízes amargas produzem fruta doce


Em todas as nossas acções e em todas as nossas vicissitudes, devemos submeter-nos a Deus.
Quando essa submissão está enraizada na alma, não só o bem-estar, as honras, a dignidade, mas também as calúnias, as injúrias, os tormentos, tudo produzirá frutos de alegria dentro de nós.
As raízes de uma árvore são amargas, mas a sua fruta é doce. Assim, se aceitarmos as aflições, como vontade de Deus, elas dar-nos-ão grande alegria. Aqueles que rezaram e choraram lágrimas de sofrimento sabem muito bem a alegria que receberam: sentiram a consciência purificada, levantaram-se com o alívio e a força da esperança.
Não é das coisas externas, mas das disposições interiores que nascem os sofrimentos e as alegrias. Para a alma, tudo depende da vontade.
Quereis, portanto, a paz interior? Não procureis as riquezas, nem a saúde, nem a alegria, nem as glórias, nem o poder, nem o luxo. Procurai a sabedoria de Deus, procurai as virtudes e nada vos entristecerá.
O que vos entristece? Aquilo que entristece os outros, em vós será motivo de alegria.

João Crisóstomo, Homilia ao povo de Antioquia, 18, 3


Uma flauta para a nossa inteligência


A divina beleza que o Criador nos deu, colocando na sua imagem e semelhança as qualidades que ele próprio possui, traz consigo outros bens com os quais Deus livremente enriqueceu a natureza humana.
A nossa inteligência, por exemplo, mais do que um dom, deve ser considerada como participação da inteligência divina. Mas ela, realidade incorpórea, não podia por si própria comunicar com os outros seres, não tinha qualquer meio para manifestar a própria vida.
Então, Deus criou um órgão, as cordas vocais, que a inteligência toca, como se tivesse uma palheta, de modo a traduzir com os vários tons o seu mundo interior.
A inteligência é como um hábil músico que fala ao público com a flauta ou com a lira. Rica de mil ideias que de outra forma ficariam escondidas, partilha-as com as inteligências dos outros de maneira sensível, através do som.
Do corpo humano sai, portanto, uma música, na qual a flauta e a lira jogam entre elas, criando uma única harmonia. Os próprios lábios, que ora se abrem e ora se fecham, assemelham-se aos dedos que velozmente percorrem os instrumentos.

Gregório de Nissa, A criação do homem, 9


Quando passar o inverno, olha para as árvores


Peço-te que uses o corpo com moderação, sabendo que ressurgirás dos mortos e serás julgado.
Talvez duvides que isso possa acontecer. Reflecte, então, com base no que já te aconteceu.
Diz-me: onde estavas há cem anos atrás? Aquele que deu a existência a quem não existia, não poderá ressuscitar quem existia e que tenha morrido?
Todos os anos Ele faz nascer o trigo que, tendo sido semeado, morreu e apodreceu. Terá, por acaso, dificuldade de nos ressuscitar, Ele que por nosso amor ressuscitou a si próprio?
Olha para as árvores. Permanecem sem fruto e sem folhas durante meses. Passado o inverno, tornam-se verdes, novas, como se se erguessem da morte. Por maior razão e com maior facilidade nós seremos chamados para uma vida nova.
Não atendas a quem afirma que este corpo não ressurgirá. Isaías atesta: «Os mortos reviverão, os cadáveres levantar-se-ão!» Segundo a palavra de Daniel, «muitos daqueles que dormem debaixo da terra acordarão, alguns para a vida eterna, outros para a eterna ruína».


Cirilo de Jerusalém, Quarta catequese aos iluminandos, 4, 30 ss.


O pão de trigo e o pão de pedra


Se alguém nos mostrar um pão verdadeiro, a palavra «pão» é usada em sentido próprio. Suponhamos, pelo contrário, que alguém nos mostra um pão de pedra, esculpido por um artista. A aparência é igual, igual é a grandeza, semelhante é a cor, quase todas as propriedades parecem idênticas. Falta, no entanto, a esse objecto o poder nutritivo. Aquela pedra, então, é chamada pão abusivamente, não em sentido próprio.
Assim acontece com a alma. A sua perfeição consiste em ser inteligente e dotada de razão. Onde esta propriedade não se verifica, a palavra «alma» pode ser usada apenas por semelhança. Trata-se, de facto, de uma energia vital que por meio do nome é colocada em paralelo com a alma. Trata-se da actividade sensitiva dos animais.
Digo isto como ensinamento para aqueles que amam as coisas carnais.
Queria persuadi-los a não se deixarem fascinar pelas aparências sensíveis, mas a consagrar a vida aos bens da alma. Só os homens têm alma, enquanto que os sentidos são comuns também aos animais.

Gregório de Nissa, A criação do homem 15


A beneficência com o dinheiro dos outros


Agostinho disse:
«Devemos ajudar os pobres não com dinheiro roubado mas com dinheiro que se ganhou. Que raça de oferta é aquele dinheiro que um recebe com alegria enquanto o outro perde com lágrimas, pelo qual um ri e outro chora?
Queres dar alguma coisa? O modo melhor é restituir ao próximo o que lhe deves. Alguns preferem perder os seus haveres, oferecendo-os, em vez de dar aos outros o que lhes pertence».
Jerónimo disse:
«A glória dos bispos é ajudar os pobres, a vergonha de todos os sacerdotes é procurar enriquecer».
Basílio disse:
«Não fiques vaidoso quando dás a um pobre e não te consideres melhor do que ele».
Gregório disse:
«Quando damos aos pobres alguma coisa que lhes é necessário, não lhe damos alguma coisa que seja nossa, mas aquilo a que têm direito»

Defensor Grammaticus, Livro das Sentenças 49


Só quem dá com alegria não humilha o pobre


Não basta ajudar os pobres. É preciso ajudá-los com generosidade e sem se lamentar.E não basta ajudá-los sem se lamentar. É preciso ajudá-los com prazer e alegria.Quando se ajudam os pobres, deve ter-se em conta estas duas condições: generosidade e contentamento.
Porque vos lamentais quando dais alguma coisa aos pobres? Porque vos mostrais de mau-humor quando usais de misericórdia? Vendo-vos naquele estado, os pobres prefeririam renunciar aos vossos bens.
Se dais com um ar carrancudo, não sois misericordiosos, mas duros e desumanos. Se a vossa face transmite um sentimento de contrariedade, não podeis confortar o irmão que vive no meio de contrariedades.Depois, ficareis contentes ao ver que ele não sente vergonha e não se sente humilhado, porque a ajudastes com alegria. Nada dá mais vergonha do que ter de receber alguma coisa dos outros.
Mostrando grande alegria, ajudareis o irmão pobre a ultrapassar a sua suscetibilidade: ele entenderá que é tão belo receber como dar.
Mostrando, pelo contrário, mau-humor, em vez de o confortar, o humilhais ainda mais.Se dais com alegria, ainda que se deres pouco, parecerá muito.Se dais contrariados, o pouco que dais ainda menos parece.

João Crisóstomo, Sobre a carta aos romanos 21, 1ss

Um mundo diferente para uma vida diferente


Algumas pessoas são tão penetrantes quando estudam as realidades físicas, mas voluntariamente cegas no que diz respeito ao conhecimento das verdades.
Elas sabem medir a distância das estrelas, elencar as que brilham nas regiões do polo ártico e aquelas que são apenas visíveis para os habitantes das zonas à volta do polo austral, e sabem observar com grande atenção o percurso de cada uma.
De todas as capacidades, uma só lhes falta: aquela que os levaria a descobrir Deus como criador do universo e como justo juiz que dará a cada uma das acções da nossa existência a recompensa que merece. Aquela que lhes permitiria ter, sobre a fim do mundo, uma ideia adequada à verdade do juízo universal.
É preciso, de facto, que o mundo se transforme, tal como as nossas almas se devem transformar noutro género de vida.
Como a vida presente tem afinidade com a natureza deste mundo, assim a maneira de existir que virá estará em conformidade com o seu novo estado.

Basílio, Hexameron 1, 4


Também a futura criação, Deus a fará para ti


Em cada parte da terra crescem plantas. É impossível conhecê-las a todas e às suas particularidades: os seus frutos, a sua utilidade, o seu perfume, o seu aspecto, a sua estrutura, as suas folhas, as suas cores, a sua forma, a sua grandeza ou pequenez, o modo de as encontrar, de as conservar e cultivar, as diferenças da casca, do caule e dos ramos, as propriedades curativas que muitas possuem.
E tudo isto é para ti, ó homem.
Assim como as artes são para ti, as cidades e os países são para ti, o sono é para ti, a morte é para ti, a vida é para ti.
Este mundo, assim tão grande, é para ti. E será para ti também o amanhã, quando este se tornar melhor. Porque sem dúvida se tornará melhor, precisamente para ti. Escuta o que diz Paulo: «a criação será libertada da escravidão da corrupção», isto é, da própria corruptibilidade. E obterá este privilégio, esta honra, por causa de ti. E assim Paulo prossegue: «Para a liberdade dos filhos de Deus» (Rom 8, 21).
A providência de Deus brilha com mais força do que a luz deste mundo.
Não dês atenção aos eventos que te superam, não procures os motivos que não podes compreender. Porque a própria existência foi-nos dada por pura bondade: Deus não tinha necessidade do nosso serviço. Admiremos, portanto, e louvemos.

João Crisóstomo, Sobre a Providência 7, 31

Cresceste sem aumentar de estatura


Ainda há pouco, estranho à vida, afastado da misericórdia e do caminho da salvação, estavas no exílio, interiormente morto. De repente, iniciado na lei de Cristo, renovado pelos mistérios da salvação, começaste a fazer parte do Corpo da Igreja, não porque o vejas, mas porque o crês, e de filho da perdição mereceste ser feito, pela purificação escondida, filho adoptivo de Deus. Permanecendo embora no teu mesmo tamanho visível, cresceste, sem aumentar visivelmente de estatura, e permanecendo o mesmo, mudaste por completo em virtude dos passos que deste no caminho da fé. Exteriormente nada foi acrescentado, e, no entanto, no interior mudaste por completo, e, deste modo, o homem tornou-se filho de Cristo, e Cristo foi formado no espírito do homem. Assim como, sem o sentires, despojado da pobreza anterior, foste, de repente, revestido de uma nova dignidade, e, assim como não podes ver com os olhos nem com os sentidos as feridas que Deus curou em ti, as chagas que lavou, as manchas que limpou, assim também, quando te aproximas do venerável altar, para te saciares com os celestes manjares, olha o Sangue e o Corpo sagrado do teu Deus. Honra-os, admira-os, toca-lhes com a mente, colhe-os com a mão do teu coração e, sobretudo, toma-os com gosto espiritual.


Fausto de Riez,
Sermão 16


O dia propício para o Baptismo


O dia mais solene para o baptismo é por excelência o dia da Páscoa, em que é consumada a paixão do Senhor, na qual somos baptizados. Em segundo lugar, o tempo antes do Pentecostes é o tempo mais favorável para conferir o baptismo. Este é o tempo em que o Senhor ressuscitado apareceu muitas vezes aos discípulos, o tempo em que lhes foi comunicada a graça do Espírito Santo e se lhes deixou entrever a esperança da segunda vinda do Senhor. Foi nesse momento, logo após a sua Ascensão aos Céus, que os Anjos disseram aos Apóstolos que o Senhor voltaria como subira aos Céus, precisamente no Pentecostes. Este tempo é propriamente um “dia da festa”. De resto, todo e qualquer dia pertence ao Senhor. Qualquer hora e qualquer tempo podem ser convenientes para o baptismo. O tempo tem a ver com a celebração, mas não muda nada à graça.

Tertuliano, De Baptismo, 19


Quaresma e Páscoa não são a mesma coisa

Páscoa e Quaresma não são a mesma coisa. A Páscoa é uma coisa, e a Quaresma é outra. A Quaresma celebra-se apenas uma vez no ano; a Páscoa, ao contrário, três vezes na semana, mas também quatro vezes, ou antes, todas as vezes que se quiser. Com efeito, a Páscoa não consiste no jejum, mas na oblação e na imolação que se faz em cada sinaxe. Para saberes que é assim, escuta Paulo que diz: Cristo, nossa Páscoa, foi imolado por nós; e também: Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor. Por isso, sempre que te aproximas de consciência pura, fazes a Páscoa: não quando jejuas, mas quando tomas parte no sacrifício. De facto, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor. A Páscoa consiste em anunciar a morte do Senhor. Por isso, o sacrifício que oferecemos hoje é aquele que foi cumprido ontem, e aquele que se faz cada dia é o mesmo sacrifício que aconteceu naquele dia da semana: em nada aquele era mais santo do que este; em nada este é menos digno do que aquele, mas único e idêntico, igualmente tremendo e salutar.

João Crisóstomo,
Homilia Contra os Judeus 3


Esta Cruz dura toda a vida


Entramos hoje na observância da Quarentena, cujo regresso solene está connosco e em cuja chegada vos devemos também, cada ano, uma exortação, para que a palavra de Deus, servida pelo nosso ministério, alimente o coração daqueles que vão jejuar corporalmente. Desta forma, fortalecido o homem interior com o seu alimento apropriado, poderá levar a cabo e manter com fortaleza de ânimo a mortificação exterior. Quando chega o momento de celebrar a Paixão do Senhor, devemos construir para nós uma cruz, dizendo não aos prazeres da carne. O cristão deve permanecer sempre pendente desta cruz durante toda a vida, que decorre no meio de tentações. Não é este o tempo de arrancar os cravos. Os cravos são os preceitos da santidade; com eles crava na carne o temor de Deus, que nos crucifica qual hóstia que Lhe é agradável. Esta é uma cruz na qual o servo de Deus, não só não se sente confundido, mas até se gloria. Esta cruz, repito, não dura só quarenta dias, mas toda esta vida, simbolizada no número místico destes quarenta dias. Vive sempre assim, cristão, neste mundo. Se não queres afundar os teus passos na lama da terra, não desças desta cruz. Mas, se isto há-de fazer-se durante toda a vida, quanto mais nestes dias da Quarentena, nos quais não só se vive, mas também se simboliza essa vida!


Agostinho de Hipona,
Sermão 205, 1


agir de boa vontade é sinal da nossa união com Deus


Não nos afastemos da santa Igreja de Deus. No santo ordenamento dos símbolos divinos que nela se celebram, estão presentes os grandes mistérios da nossa salvação, por meio dos quais a Igreja se vai formando, segundo Cristo, em cada um de nós. Quando nos comportamos do modo mais digno que nos é possível, segundo a nossa capacidade, [a Igreja] torna patente, numa vida segundo Cristo, aquela graça da filiação adoptiva que nos foi dada pelo santo baptismo no Espírito Santo. Com todas as nossas forças e diligência, tornemo-nos dignos dos dons divinos, agradando a Deus por meio de boas obras.
A prova clara desta graça é a espontânea disposição de boa vontade para com o próximo, e o efeito de tal disposição é o facto de qualquer homem que precisa da nossa ajuda, se tornar para nós um familiar como o próprio Deus, e não o deixarmos abandonado e descuidado.

Máximo Confessor, Mistagogia


A exortação é para vós que fostes baptizados


A exortação é para vós, meninos que acabais de nascer, crianças em Cristo, nova prole da Igreja, dom do Pai, fecundidade da Mãe, rebentos piedosos, enxame novo, fonte de honra paterna e fruto de fadigas, minha alegria e coroa minha. A todos vós que permaneceis no Senhor, me dirijo com as palavras do Apóstolo: Vede que a noite já vai adiantada e o dia está próximo. Rejeitai as obras das trevas e revesti-vos das armas da luz. Isto está, portanto, nas entranhas do sacramento. É, pois, sacramento de vida nova, que começa nesta vida com a remissão de todos os pecados passados, mas se completará na ressurreição dos mortos. Pelo baptismo, fostes sepultados juntamente com Cristo, na sua morte, a fim de que, tal como Cristo ressuscitou de entre os mortos, assim também vós caminheis numa vida nova. Agora caminhais pela fé, durante a peregrinação neste corpo mortal. Mas o caminho seguro por onde caminhais é o próprio Cristo Jesus, que Se dignou fazer-Se homem por nós. Ilumine-vos Aquele que vos remiu, guarde-vos Aquele que vos iluminou, para que não só vos defenda de todo o mal com a sua protecção nesta viagem da vida, mas também vos conceda a sua glória na recompensa futura, em presença da Trindade gloriosa, nosso Deus, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amen.

Ildefonso de Toledo,
O conhecimento do Baptismo, 142


Não quero ouro fingido, mas autêntico


Diz o Apóstolo:
Ó Timóteo, guarda o depósito da fé, evita as vãs conversas profanas. Quem é hoje Timóteo senão a Igreja na sua totalidade, e de modo particular o conjunto dos seus responsáveis, os quais devem possuir em si mesmos ou fazer com que outros adquiram toda a ciência do culto divino? Guarda o depósito. O que é o depósito? É o que te foi confiado, não o que tu encontraste, é o que recebeste, não o que imaginaste; não é um problema de engenho, mas de ensinamento, não de propriedade privada, mas de tradição pública. Veio até ti, mas não nasceu de ti, pelo que não deves ser autor, mas guardião; não deves ser mestre, mas discípulo; não deves ser condutor, mas seguidor. Guarda o depósito, conserva inviolável e puro o talento da fé católica. O que te foi confiado deve permanecer junto de ti e ser transmitido por ti. Tu recebeste ouro, entrega ouro; não quero que me entregues outra coisa em sua substituição. Não dês desavergonhada e fraudulentamente chumbo por ouro. Não quero ouro fingido, mas autêntico.


Vicente de Lerins,
Primeira exortação, 22


Uma só fonte, um só Espírito, uma só fé


Aqui nasce para o Céu, de uma semente pura,
um povo sagrado, que o Espírito gera fecundando as águas.
A Mãe Igreja concebe por inspiração de Deus e dá à luz pela água os que nascem de semente virginal.
Esperai o Reino dos Céus, vós que renascestes nesta fonte,
a vida feliz não é para quem nasce uma só vez.
Esta é a fonte da vida, que purifica o mundo inteiro,
brotando da chaga de Cristo.
Mergulha na água santa, ó pecador, e serás purificado:
a água recebe-te velho e devolve-te renovado.
Se desejas ser puro, purifica-te neste banho,
quer te aflija o pecado dos primeiros Pais,
quer o teu próprio pecado.
Para os que renasceram não existe discriminação nenhuma:
são uma só coisa, graças a uma só fonte,
um só Espírito, uma só fé.
A ninguém atemorize o número ou a natureza dos seus pecados: quem nasce desta água será santo.

Papa Sisto III, Inscrição no baptistério da Igreja de S. João de Latrão


Salmodiar é como semear um campo


Suplico-vos, irmãos caríssimos, e exorto-vos com benevolência paternal: no princípio de cada oração, aquele a quem uma enfermidade qualquer impede eventualmente de se ajoelhar, deve sem demora inclinar-se e baixar a cabeça. Para que te serve salmodiar fielmente se, depois de ter acabado de salmodiar, não queres suplicar a Deus? Cada um, portanto, quando acaba de salmodiar, ore e suplique ao Senhor com toda a humildade, a fim de merecer, com a ajuda de Deus, pôr por obras as palavras que pronunciou com a boca. Salmodiar, irmãos, é como semear um campo; orar é como enterrar e cobrir a semente lavrando de novo. Com efeito, quando aquele que anda a semear um campo se esquece de cobrir inteiramente a semente, vêm as aves e comem o que ele pensava ter semeado; do mesmo modo, aquele que tudo espalha no campo do seu coração as sementes da palavra de Deus, ao salmodiar e ao ler, se, em seguida, de certo modo, as não enterra orando, vêm as aves e apoderam-se daquilo que fora semeado. Por isso, ninguém pare de orar, quando acaba de salmodiar, se quiser que a sementeira da misericórdia divina seja proveitosa ao campo do seu coração.


Cesário de Arles,
Sermão 76, 1


Honrar o dia do Senhor


Reuni-vos, para falar de Deus, na igreja e nos lugares dos santos. Não desprezeis, mas observai com profundo respeito o dia do Senhor, que recebeu este nome porque o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, nesse dia ressuscitou dos mortos. No dia do Senhor não façais trabalhos servis, isto é, trabalhos nos campos, nos prados e nas vinhas, nem qualquer outro trabalho pesado, com excepção do que é preciso para alimentar o nosso pobre corpo, ou seja, para cozinhar a comida e para necessidades duma longa viagem. No dia do domingo também é permitido viajar até aos lugares mais próximos, não com más intenções, mas sobretudo com intenções boas, por exemplo, para ir até aos lugares santos, visitar um irmão ou um amigo, confortar um enfermo, levar com boa intenção conselho ou ajuda a quem está a sofrer. É assim que convém a um cristão honrar o dia do Senhor.
Não façais injúria à Ressurreição do Senhor, mas honrai-a e observai-a com grande respeito, por causa da esperança que nela temos.


Martinho de Braga, A Instrução dos Rústicos, 10

O beijo da paz

O diácono proclama: “Acolhei-vos uns aos outros e saudai-vos mutuamente”. Não suponhas que este beijo é como os que os amigos íntimos trocam entre si na praça pública. Este beijo não é assim. Ele une as almas e é para elas penhor de que todos os ressentimentos são esquecidos. Este beijo é sinal de que as almas se unem e afastam a lembrança de todo o ressentimento. Por isso Cristo disse: “Se fores apresentar uma oferta no altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois volta para apresentar a tua oferta”. Assim, este beijo é reconciliação e, por isso, é santo, como em certa passagem o proclama São Paulo: “Saudai-vos uns aos outros com um ósculo santo”, e Pedro: “Saudai-vos uns aos outros com um ósculo de irmãos que se amam”.

Cirilo de Jerusalém, Quinta catequese Mistagógica, 3.



O Bem da Morte

Diz o Apóstolo: “o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. Depois, para nos ensinar que há nesta vida uma boa morte, exorta-nos “a levar em nosso corpo a vida do Senhor Jesus”. Actue, portanto, a morte em nós, a fim de que actue também a vida. A vida boa depois da morte é a vida boa depois da vitória, a vida boa depois do combate, vida em que a lei da carne já não se opõe á vida do espirito, em que não temos de lutar contra este corpo mortal, porque o próprio corpo mortal alcançou vitória. Não sei bem dizer se esta morte tem mais poder que a vida. Sou guiado pela autoridade do Apóstolo, que afirma: “Portanto a morte actua em nós e a vida em vós”. Quantos povos alcançaram a vida pela morte de em só! Por isso ensina o Apóstolo que nesta vida devemos desejar aquela morte, afim de que resplandeça em nosso corpo a morte de Cristo, aquela bem-aventurada morte que dissolve o homem exterior “para que se renove o homem interior, e se desfaça a nossa habitação terreste” para que se abra para nós a morada celeste. Imita a morte do Senhor quem renunciou à vida segundo a carne e se liberta daquelas cadeias que te fala o Senhor por meio de Isaias: “desfaz as cadeias injustas, desta os laços da servidão, liberta os oprimidos e destrói todos os jugos”.

Ambrósio de Milão, De bono mortis, 3.

A encarnação do Verbo

O Verbo de Deus, incorpóreo, incorruptível, e imaterial, veio habitar no meio de nós, se bem que antes não estava ausente. De facto, nenhuma região do universo esteve alguma vez privada da sua presença, porque pela união com o Pai estava em todas as coisas e em toda a parte. Por amor de nós veio a este mundo, isto é, manifestou-se-nos de modo sensível. Compadecido da fragilidade do género humano, comovido pelo nosso estado de corrupção, não suportou que fôssemos vítimas da morte, tomou um corpo, um corpo semelhante ao nosso, para que não perecesse o que tinha sido criado nem se inutilizasse a obra de seu Pai ao criar o homem. Não quis simplesmente habitar num corpo, nem apenas tornar-Se visível. Se de facto quisesse apenas tornar-Se visível, teria podido escolher um corpo mais excelente; mas Ele tomou o nosso corpo. No seio da Virgem construiu para Si um templo, isto é, um corpo, e, habitando nele, fê-lo instrumento da sua manifestação. Tomou um corpo semelhante ao nosso, e, porque toda a humanidade estva sujeita à corrupção da morte, Ele, no seu amor, ofereceu-o ao Pai, aceitando a morte por todos os homens.

Atanásio de Alexandria, Oratio de Incarnatione Verbi, 8-9.


Seja feita a Vossa Vontade

Dizemos na oração dominical: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”, não para que Deus faça o que quer, mas para que façamos nós o que Deus quer. De facto, quem pode impedir que Deus faça o que quer? Nós, pelo contrário, podemos não fazer o que Deus quer, porque o diabo tenta impedir-nos de orientar os nossos sentimentos e acções segundo a vontade divina. Por isso pedimos e suplicamos que se faça em nós a vontade de Deus, e para isso precisamos da vontade de Deus, isto é, do seu poder e auxílios, porque ninguém pode confiar nas próprias forças: só na benevolência e misericórdia de Deus está a nossa segurança. Também o Senhor, manifestando a fraqueza humana que tinha assumido diz: “Pai, se é possível afasta de Mim este cálice”; e para dar o exemplo aos seus discípulos de que não se deve fazer a vontade própria mas a de Deus, acrescentou: “Todavia não se faça como eu quero, mas como Tu queres.” E noutra passagem diz: “não desci do Céu para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou”. Por isso, se o Filho obedeceu até fazer a vontade do Pai, quanto mais deve obedecer o servo para fazer a vontade do seu senhor. “Ora o mundo passa e também as suas concupiscências, mas quem faz a vontade de Deus permanece para sempre.” Se queremos permanecer para sempre, devemos fazer a vontade de Deus que é eterno.

Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 14.

Aproximam-se os Mistérios da Redenção

Em todo o tempo, irmãos caríssimos, a terra está cheia da misericórdia do Senhor... Mas, quando se aproximam estes dias que comemoram de modo especial os mistérios da redenção humana e que precedem imediatamente as festividades pascais, devemos preparar-nos com a maior diligência por meio da purificação espiritual.
Na verdade, é próprio da festa da Páscoa fazer com que toda a Igreja se alegre pelo perdão dos pecados, não só aqueles que então renascem pelo santo baptismo, mas também os que pertencem desde há muito à família dos filhos adoptivos. É, sem dúvida, o banho de regeneração que nos faz homens novos; mas todos têm necessidade de se renovar quotidianamente, para remediar a ferrugem inerente à nossa condição mortal... Portanto, irmãos caríssimos, aquilo que cada cristão deve praticar em todo o tempo, pratique-o agora com maior solicitude e devoção, para que se cumpra a santa instituição apostólica do jejum quaresmal, que consiste não só na abstenção dos alimentos, mas também e sobretudo em abster-se do pecado.
A estes santos jejuns nada virá juntar-se melhor do que a boa obra que é a esmola; sob este nome de obras de misericórdia incluem-se muitas e louváveis acções de bondade... Se verdadeiramente amamos a Deus e ao próximo, nenhum obstáculo impedirá a nossa boa vontade... embora nem todos possam ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa vontade que manifestam.

Papa Leão Magno, Sermones de Quadragesima, 6, 44

A competência do médico revela-se nos doentes

Deus mostrou a sua magnanimidade perante a queda do homem, providenciando desde então aquela vitória que havia de ser alcançada por meio do Verbo: triunfando, com o seu poder, na fraqueza humana, o verbo manifestou a bondade de Deus e a sua força maravilhosa.
A glória do homem é Deus; por sua vez, o beneficiário da actuação de Deus, de toda sabedoria e poder, é o homem. Assim como a competência do médico se revela nos doentes, assim Deus se manifesta nos homens. Por isso Paulo diz:
“Deus tudo encerrou sob o domínio do pecado para de todos ter misericórdia”. Com estas palavras, o Apóstolo não se refere aos “poderes” espirituais, mas ao homem que, por ter desobedecido a Deus, perdeu a imortalidade, mas depois alcançou misericórdia, recebendo a graça da adopção por intermédio do Filho de Deus. Se o homem acolhe, sem vaidade nem presunção, a verdadeira glória de que procede das criaturas e do criador, isto é, de Deus todo-poderoso que a todos dá a existência, e se permanece no seu amor, obediência e acção de graças, receberá d’Ele uma glória maior, progredindo sempre mais, até se tornar semelhante Àquele que por si morreu.

Ireneu de Lião, Adversus haereses, livro III, 20.

Aproxima-se a Páscoa

Vede, meus irmãos, como é admirável passar de uma festa para a outra, de uma oração para outra oração, de uma solenidade para outra solenidade. Aproxima-se agora o tempo que nos traz e dá a conhecer um novo inicio, o dia da Santa Páscoa, em que o Senhor foi imolado. Do seu alimento nos sustentamos como de um manjar de vida, e a nossa alma se delicia com o sangue precioso de Cristo como numa fonte; e, todavia, sempre temos sede desse sangue, sempre temos o desejo ardentemente. Mas o nosso Salvador está perto dos que têm sede e, na sua grande benevolência, convida todos os corações sedentos para o grande dia da festa: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” sempre que d’Ele nos aproximamos para beber, Ele nos mata a sede; e sempre que pedimos, podemos aproximarmo-nos d’Ele. O fruto espiritual desta celebração festiva não se limita apenas a um tempo determinado, nem a sua luz esplendorosa conhece ocaso, mas está sempre pronta a iluminar as almas daqueles que O procuram. Continuamente exerce a sua influência sobre todos aqueles que têm a alma já iluminada e dia e noite meditam a Sagrada Escritura.
Portanto irmãos caríssimos, aquele mesmo Deus que o desde o princípio instituiu para esta festa, nos concede a graça de a podermos celebrar cada ano; Ele que para nossa salvação entregou à morte o seu próprio Filho, pelo mesmo motivo nos proporciona o dom desta santa solenidade que não tem igual em todo o curso do ano. Esta festa nos sustenta no meio das aflições do mundo; por ela nos concede Deus a alegria da salvação e da fraternidade, reunindo-nos a todos espiritualmente na mesma assembleia festiva e na mesma comunidade de oração e acção de graças. Pela admirável bondade de Deus, reúnem-se para celebrar esta solenidade os que estão longe, e sentem-se unidos na mesma fé os que estão corporalmente distantes.
A Páscoa será manjar celestial para os que celebram a festividade com pureza. Purifiquemos então as nossas mãos, limpemos o nosso corpo e tenhamos a consciência livre de toda a fraude.

Atanásio de Alexandria, Cartas Pascais, 5, 1-2

Não se engane o homem a si mesmo

Há alguns que, durante a Quaresma, se mostram mais amantes dos prazeres que da piedade; mais que mortificar as antigas paixões, buscam novas esquisitices. Com provisões abundantes e dispendiosas de diversos frutos procuram superar os sabores e variedades de quaisquer outras comidas. Têm medo, como se fossem imundas, das panelas em que se coze carne, e não têm medo da luxúria e da gula na sua carne. Jejuam, não para moderar com a temperança a habitual voracidade, mas para aumentar o seu apetite imoderado, demorando a saciá-lo. Depois, quando chega o momento da comida, avançam sobre as mesas opíparas como os animais sobre a manjedoura. Com refeições abundantes sepultam os corações e enchem o ventre, e com estranhas e artificiosas variedades de condimentos estimulam a gula, caso a abundância a tenha afogado. Para terminar, é tal a quantidade de alimentos que tomam, que nem mesmo jejuando lhes dá tempo de fazer a digestão.
Há outros que não bebem vinho para irem atrás de outros licores extraídos do suco de outras frutas, não por razões de saúde, mas por deleite, como se a Quaresma, em vez de tempo de piedosa humilhação, fosse oportunidade de um novo prazer. No caso de uma doença de estômago impedir alguém de beber água, não seria mais honesto usar moderadamente o vinho habitual, do que buscar outros vinhos que não conhecem vindima nem lagar, não por desejo de escolher uma bebida mais pura, mas para desprezar a mais frugal? Haverá coisa mais absurda do que oferecer tantas excentricidades à carne, precisamente no tempo em que ela deve ser mortificada com mais intensidade, até ao ponto de ser a própria gula a desejar que a Quaresma não passe? Haverá atitude mais contraditória do que passar estes dias de humilhação, em que todos deviam procurar viver pobremente, de tal forma que, se isso feito todos os dias, nem sequer os ricos o poderiam suportar? Estai atentos, caríssimos; pensai no que está escrito: Não te deixes levar pelas tuas más inclinações. Se este preceito salutar se deve observar em todo o tempo, quanto mais nestes dias, em que é tão indecoroso conceder à nossa paixão prazeres tão desabituais, que até se repreende, com razão, a quem não modera os habituais.
Lembrai-vos principalmente dos pobres, e, dessa forma, depositareis no tesouro celeste aquilo de que vos privais vivendo mais sobriamente. Receba Cristo faminto, aquilo que o cristão, ao jejuar, recebe de menos. A mortificação voluntária sirva de sustento a quem nada tem. A escassez voluntária do rico seja a abundância necessária para o pobre. E habite também, no homem manso e humilde, a misericordiosa disponibilidade para o perdão. Peça perdão quem fez a ofensa e conceda-o quem a recebeu, para não cair nas mãos de Satanás, cujo triunfo é a discórdia entre os cristãos.

Agostinho de Hipona, Sermão 210, 10-12

III - O mal não está no dinheiro

O mal não está no dinheiro


Isidoro disse:
«Nesta vida fugaz, os ricos não têm a alegria de gozar completamente do poder, da glória e do dinheiro. A morte chega quando menos se espera, são engolidos pelo abismo e são condenados aos tormentos eternos
A cupidez torna os ricos orgulhosos. Isto não é o efeito das suas riquezas, mas da sua vontade. O mal não está nas coisas, está no modo como as usamos.
Fazem bom uso das coisas boas, aqueles que usam as riquezas com fins salutares. Fazem mau uso das coisas boas, aqueles que se propõem a multiplicar as riquezas ou que beneficiam o próximo para vanglória».

Defensor Grammaticus, Livro das Sentenças 58


A estratégia do Demónio

Para além da sua perversidade, o demónio mostra também a sua fraqueza.
Ele não pode fazer mal a nenhum homem, se não for o homem a fazer mal a si próprio. Quem, de facto, escolhe a terra em vez do céu é como se corresse para um precipício e de forma voluntária.
Todavia, o demónio entra em acção, logo que vê alguém que respeita os empenhos da sua fé, quem é reconhecido pelas suas virtudes, quem cumpre as boas obras.
Contra esses atiça a insídia da vaidade, faz com que se encham de orgulho, se tornem presunçosos, percam a confiança na oração e não atribuam a Deus o bem que fazem, reivindicando o bem para si mesmos.

Ambrósio, Sobre o Evangelho de Lucas 4, 25 ss.


A regra de vida do homem perfeito

O homem perfeito não procura apenas abster-se do mal. Também não procura fazer o bem por temor do castigo. Nem sequer procurar ter um bom comportamento na esperança da recompensa prometida.
O homem perfeito faz o bem por amor.
E quando age não está a pensar no bem em si e para si.
Ele, portanto, não tem em vista qualquer vantagem pessoal.
Ele compreende como é belo fazer o bem, faz o bem com todas as suas forças e em todas as suas acções. Não lhe interessa a glória, nem a boa reputação, nem o prémio humano ou divino.
A regra de vida do homem perfeito é a semelhança e a imagem de Deus.

Clemente de Alexandria, Stromata 4, 22ss


O novo povo é um povo de crianças

Paulo mostra grande sabedoria quando diz: «Podíamos fazer valer a nossa autoridade de apóstolos, mas apresentámo-nos no meio de vós com bondade; como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar» (1 Tes 2, 7).
A criança é doce, dócil, ingénua, sem maldade nem hipocrisia, isto é, puro no pensar e no falar. É, portanto, a personificação da simplicidade.
A criança é delicada. Sejamos delicados também nós. Acreditemos sem reservas uns nos outros. Façamos o bem. Sejamos generosos. Evitemos o rancor e a vida tortuosa.
As pessoas mais velhas são normalmente mais ásperas e duras. O povo novo é um povo de crianças, amável como os meninos.
Paulo – fala da própria alegria num «coração sem maldade» - dá uma certa definição das crianças quando escreve: «Quero que sejais sábios para o bem e sem malícia para o mal» (Rom 16, 19).
Nesta acepção, sejamos sempre crianças, sempre delicados, sempre novos, nós que participamos da nova Palavra.
Quem foi chamado para a eternidade deve procurar o que é incorruptível. Por isso, toda a nossa vida seja primavera e a verdade nunca envelheça dentro de nós.

Clemente de Alexandria, O pedagogo 1, 5, 19


A simplicidade é também um atributo de Deus

A pessoa complicada – e frequentemente ambígua – está continuamente com pensamentos contrastantes.
Diz a verdade e depois a mentira, aprova uma ideia, mas, pouco depois, já está a condená-la, escolhe sempre alguma coisa diferente daquilo que antes tinhas escolhido. É como um bazar de pensamentos confusos: não se detém sobre um, nunca se apoia no mesmo.
A simplicidade é exactamente o seu contrário. Tal como o termo indica, não cultiva pensamentos que se combatem uns com os outros.
Simplicidade: podia ser um nome de Deus. Deus é simples, no sentido em que não é composto de partes, porque nele não há partes. Do mesmo modo, na linguagem comum chamamos simples aquele que não age dolosamente, porque nele o espírito maligno não age.
A simplicidade precede a fé. A fé é filha da simplicidade, não da ambiguidade.
Simplicidade quer dizer sinceridade, pureza da natureza, aquela que acolhe apenas o que provém de Deus.
A simplicidade revela-se em nós muito antes da complexidade: as crianças são puras, cheias de inocência.

Filoxeno de Mabug, Homilia 4, 82ss


A mansidão,
rosto do amor

Como a água que cai gota a gota sobre o fogo acaba por o apagar, assim as lágrimas da dor sincera esmorecem em nós a ira e o desdém. Chega, então, a mansidão: sossego profundo da alma, que não se perturba nem pelas honras nem pelo escárnio.
O primeiro degrau desta calma consiste em fechar os lábios quando o coração está perturbado. O segundo, procurar acalmar a mente quando a alma se encontra agitada. O ponto de chegada é uma tranquilidade perfeita, mesmo quando se está no vórtice da tempestade.
A ira é uma aversão que nasce da recordação das ofensas sofridas, é o desejo de maltratar quem nos maltratou. Mas o perfume da humildade fá-la desaparecer, tal como o surgir do sol faz desaparecer as trevas.
Alguns, de temperamento irascível, não se preocupam e desprezam os remédios para sarar. Esquecem, desventurados, o que está escrito: «A ira mata o estulto e a inveja causa a morte ao imbecil» (Job 5,2).
A ira é como um rápido movimento da mó: não só tritura como desperdiça mais grão do que faria um homem sem vontade, trabalhando o dia inteiro.
E é como o rebentar de um incêndio quando o vento está forte: queima e destrói o campo do coração mais do que faria o fogo lento num dia inteiro.
O homem irado é um epilético no que respeita à sua vontade: surpreendido pelo mal, sacode-o, batendo à direita e à esquerda. Ele tem necessidade de muita humildade, porque a sua ira é consequência de uma desproporcionada estima de si próprio.
Pelo contrário, a mansidão chega à sua expressão mais alta no momento em que mantemos o coração calmo diante daquele que nos provoca, mostrando-lhe o nosso amor.

João Clímaco, Escada do Paraíso, 8


Se pensas que tens humildade,
significa que não a tens

Um monge disse: «Cada vez que experimentares alguma superioridade ou um golpe de vaidade, examina a tua consciência. Pergunta-te se observas todos os mandamentos, se amas os teus inimigos e choras pelas suas culpas, se te consideras um servo inútil e o pior pecador do mundo. Mas, mesmo depois deste exame de consciência não faças uma ideia muito grande de ti mesmo, como se fosses perfeito: este pensamento destruiria tudo!»
Um outro monge disse: «Quem é honrado e louvado mais de quanto mereça sofre um dano muito grande, porque aquele que dos homens não recebe honras será glorificado no céu».
Perguntaram a um monge: «O que é a humildade?» Respondeu: «Se um irmão peca contra ti e tu lhe dás o teu perdão, antes mesmo que to peça».
Um irmão perguntou a um monge: «O que é a humildade?» E o monge respondeu: «Fazer o bem a quem nos faz mal». O irmão insistiu: «E se não o conseguirmos fazer?» Respondeu: «Pelo menos afaste-se e procure não falar mal dele».

Apoftegmas, 165


A obediência nasce da confiança

Obediência é a negação total da própria alma que se manifesta através de factos. Mais exactamente, é a morte dos sentidos numa alma viva.
Obediência é a morte voluntária, vida sem preocupações, risco sem ânsias, firme confiança em Deus, ausência do temor da morte. É navegar sem perigos, viajar dormindo.
Obediência é a sepultura da vontade própria e ressurreição da humildade.
Obediência é abdicar do próprio juízo de valor, mas fazendo tudo em consciência.
É realmente muito difícil renunciar à vontade própria. É muito duro seguir este caminho, mas nem sempre. Quando se alcança, cessa a repugnância e reina a paz absoluta.

João Clímaco, Escada do Paraíso, 4


E todos os teus pensamentos
começam a tremer

Temer a Deus não significa apenas dizer: «Eu temo a Deus», como dizem muitos que se fazem passar por pessoas que têm temor a Deus. O verdadeiro temor nasce espontaneamente da alma. E um temor que os faz tremer.
O corpo teme tudo aquilo que o faz sofrer, a alma tema aquilo que a faz perecer.
O corpo teme os animais selvagens, os ladrões, o fogo, a espada, os sofrimentos, as quedas nos precipícios. Teme os juízos, as algemas, as torturas, a prisão.
Do mesmo modo, a alma teme o juízo de Deus e os tormentos reservados para aqueles que provocam a sua ira. Só de pensar, a alma aflige-se.
Não é preciso um raciocínio elaborado para que o corpo comece a temer o que o faz sofrer. Basta a imagem ou a recordação para que o corpo comece a tremer. O seu temor é imediato e instintivo.
O mesmo acontece com a alma. Quando com os olhos da fé vislumbra as ameaças futuras, os castigos terríveis que a Palavra do Juiz lhe revelou, é rapidamente invadida pelo temor e todos os seus pensamentos começam a tremer.

Filoxeno de Mabug, Homilia 6, 162ss.


Um único caminho com muitos atalhos

Jerónimo disse:
«Muitas são as virtudes que conduzem os seus seguidores ao Reino dos céus. O caminho é único, mas os atalhos são muitos.
Quem procura progredir, ainda que já tenha avançado bastante, encontra sempre alguma coisa na qual deve crescer e melhorar de dia para dia.
Ninguém pode gozar de boa reputação pelas virtudes e pela riqueza simultaneamente».
Ambrósio disse:
«As virtudes não podem reinar na nossa mente se ela não sacudiu o jugo dos vícios».
Isidoro disse:
«Levantamo-nos com dificuldade para as virtudes, sem dificuldade caímos nos vícios.
Esconde as tuas virtudes para não alimentares o orgulho».
Gregório disse:
«Quando fazemos o bem apenas por temor, não estamos suficientemente afastados do mal. Podemos reprimir os vícios com o temor, mas as virtudes nascem do amor: da fé, da esperança e do amor».

Defensor Grammaticus, Livro das Sentenças 26


Hoje nasceu a Luz do mundo

Este é o dia que o Senhor fez: exultemos de alegria e cantemos. Como Maria, a virgem Mãe do Senhor, é a primeira entre todas as mulheres, assim o dia de hoje é a mãe de todos os dias. O que acabo de dizer pode parecer uma novidade, mas funda-se na Escritura. Este dia é um dos sete e está para além dos sete. É o chamado oitavo dia. É por isso que, nalguns títulos dos Salmos está escrito: para a oitava, dia em que cessa a Sinagoga e nasce a Igreja. O domingo é o dia da Ressurreição, é o dia dos cristãos, é o nosso dia. Chama-se domingo porque nesse dia o Senhor subiu vitorioso para o Pai. Se os pagãos lhe chamam dia do Sol, também nós estamos perfeitamente dispostos a reconhecê-lo como tal; de facto, hoje nasceu a luz do mundo, hoje nasceu o Sol da justiça em cujos raios está a salvação.

Jerónimo, Homilia do Domingo de Páscoa


Quando te tornarás cristão?

Há um tempo próprio para cada coisa: para dormir e para velar, para fazer guerra e para fazer a paz. Mas, para o baptismo, toda a vida humana é tempo próprio; qualquer momento é indicado para obter a salvação pelo baptismo. Haverá, porém, algum tempo mais oportuno para o baptismo do que o dia de Páscoa? Esse dia, de facto, é o memorial da ressurreição, e o baptismo é um germe de ressurreição. Por isso é que a Igreja chama de longe os seus filhos, com grande ruído. Tu, porém, demoras, hesitas, pedes mais tempo! Estás no catecumenado desde a infância e ainda não consentiste na verdade? Passas a vida inteira a experimentar! Irás pôr-te à prova até à velhice? Quando te tornarás cristão? Quando poderemos nós reconhecer-te como um dos nossos?

Basílio de Cesareia, Homilia 13, 1, sobre o Baptismo


A aliança do baptismo

O Senhor, que nos dá a vida, estabeleceu connosco a aliança do baptismo, símbolo da morte e da vida, onde a água é a imagem da morte e o Espírito nos dá o penhor da vida. Assim se torna para nós evidente o que antes se perguntava: Porque está a água unida ao Espírito? É dupla, com efeito, a finalidade do baptismo: abolir o corpo do pecado, para que nunca mais produza frutos de morte, e vivificá-lo pelo Espírito, para que dê frutos de santidade. A água é a imagem da morte, ao receber o corpo como num sepulcro; e o Espírito Santo, por sua vez, comunica a força vivificante que renova as nossas almas, libertando-as da morte do pecado e restituindo-lhes a vida. Nisto consiste o renascer da água e do Espírito: na água realiza-se a nossa morte, mas o Espírito opera em nós a vida.

Basílio de Cesareia, De Spiritu Sancto 15, 35

As boas obras são a verdadeira veste do baptismo

É justo que aqueles que têm Cristo, não representado nas vestes, mas para sempre na alma e, com Cristo, o Pai e a presença do Espírito Santo, dêem provas de firme segurança e mostrem a todos, pela exactidão do comportamento e pela vigilância de vida, que trazem a imagem real.
Nós, que de uma vez para sempre nos revestimos de Cristo e merecemos tê-Lo para sempre, poderemos mostrar a todos, mesmo sem nada dizer, simplesmente pela exactidão da nossa vida, o poder d’Aquele que em nós habita.
Foi por essa razão que Cristo disse:
Brilhe a vossa luz diante dos homens, a fim de que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos Céus. Vês como Ele nos convida a fazer brilhar a luz que em nós está, não pelo que vestimos, mas pelas nossas obras?
Brilhe a vossa luz diante dos homens. Cristo disse precisamente diante dos homens. A vossa luz seja tão intensa que não vos ilumine apenas a vós próprios; brilhe também diante dos homens, que têm necessidade de que ela os guie.
A fim de que eles vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos Céus. A vossa virtude, diz Cristo, e a exactidão do vosso comportamento, a rectidão das boas obras excitem os que vos vêem a dar glória ao comum Senhor de todos.

João Crisóstomo, Catequeses Baptismais, IV 17-21


Instruir com palavras e obras

Aqueles (os padrinhos) que recebem os renascidos do ventre da mãe Igreja, isto é, da fonte do baptismo, e que foram gerados pelo Espírito Santo como filhos adoptivos, devem instruí-los quer antes quer depois de serem baptizados, não só com o exemplo, mas também com as suas palavras. E, assim como ambos os sexos renascem da mesma fonte, assim os dois sexos que recebem os renascidos devem praticar a doutrina da salvação. Incluso devem ter consciência de que são garantes dela, pois respondem por eles que renunciam ao Diabo, aos seus anjos e às suas obras, e afirmam que eles crêem em nome da Trindade. Por isso, tanto os que recebem como os que são recebidos por eles devem guardar com todo o cuidado o pacto que fizeram com Deus no sacramento do baptismo.

Ildefonso de Toledo, O conhecimento do Baptismo, 114


Fomos pescados no baptismo

Admitidos a formar parte do Corpo de Cristo e regenerados na fonte da vida, podem dizer, cheios de confiança: Irei ao tabernáculo admirável, à casa de Deus. A casa de Deus é a Igreja, seu tabernáculo admirável, porque nele ressoam as vozes de louvor e de alegria, da multidão em festa. Vós que acabais de revestir-vos de Cristo, e que, seguindo a nossa orientação, pela palavra de Deus fostes tirados do mar deste mundo como peixes com o anzol, dizei: «Em nós mudou-se a ordem natural das coisas. Porque os peixes tirados do mar, morrem; a nós, porém, os Apóstolos tiraram-nos do mar deste mundo e pescaram-nos para que passássemos da morte à vida. Enquanto vivíamos no mundo, os nossos olhos olhavam para o fundo do abismo, e a nossa vida arrastava-se no pântano; mas, depois que fomos tirados das ondas, começámos a ver o sol, começámos a contemplar a verdadeira luz e, inebriados de alegria, dissemos à nossa alma: Espera em Deus: ainda O hei-de louvar, meu Salvador e meu Deus».

Jerónimo, Homilia aos neófitos sobre o salmo 41


No baptismo deixamos o pecado mas não as paixões

No santo baptismo deixareis os pecados, mas não deixareis as paixões, com as quais, depois de regenerados, haveis de lutar. A batalha continuará dentro de vós mesmos. Não há que temer nenhum inimigo de fora; vence-te a ti mesmo, e o mundo estará vencido.
Luta, luta sempre, pois Aquele que te regenerou também é teu juiz; propõe-te uma luta; prepara-te uma coroa. Mas, como serias vencido se Ele não te ajudasse ou te abandonasse, propõe-te na Oração:
Não nos deixeis cair em tentação...

Agostinho de Hipona, Sermão 57,9


Há muitos ministros, mas é Cristo quem baptiza

O Senhor reservou para si o poder de baptizar, e deu aos servos apenas o ministério, para que se não dissesse que havia tantos baptismos quantos os servos que baptizam com o poder recebido do Senhor.
Até aquele que é mau pode exercer o ministério de baptizar; e, se os homens não o conhecem, conhece-o Deus. Deus, que reservou a Si o poder, permite que se ministre o baptismo pelo ministério do mau.
Se o ministro for justo, comparo-o com Paulo, comparo-o com Pedro. É com estes que eu comparo os ministros justos. São ministros verdadeiramente justos, não buscam a sua glória. Porém, comparo com o Demónio o ministro soberbo. O dom de Deus não é contaminado por ele; através dele corre límpido como uma torrente pequenina e vem à terra fértil.
A eficácia espiritual do sacramento é como a luz. Os que ela ilumina, recebem-na pura, e não contaminada, embora passe pelos imundos.
Sejam perfeitamente justos os ministros; não procurem a sua glória, mas a d’Aquele de quem são ministros...
O baptismo que era dado por Paulo e o que era dado por Pedro é de Cristo. Se foi dado por Judas, também era de Cristo. Os que Judas baptizou, baptizou-os Cristo.
Que sacramento tão santo! Não fica profanado, ainda que o administre um homicida!

Agostinho de Hipona, Tratado sobre o Evangelho de João, V, 7.15.18

Livres, santos, justos, filhos, herdeiros e irmãos em Cristo

Bendito o Senhor: só Ele faz maravilhas, Ele que faz todas as coisas e as renova. Os que ontem estavam cativos são hoje homens livres e cidadãos da Igreja. Os que outrora permaneciam na vergonha do pecado estão agora na certeza e na justiça. Eles são não apenas livres, mas ainda santos; não apenas santos, mas justos; não apenas justos, mas filhos; não apenas filhos, mas herdeiros; não apenas herdeiros, mas irmãos de Cristo; não apenas irmãos de Cristo, mas seus co-herdeiros; não apenas seus co-herdeiros, mas seus membros; não apenas seus membros, mas templos; não apenas templos, mas instrumentos do Espírito.

João Crisóstomo, Catequeses Baptismias, III, 5


Mensagem aos padrinhos

Quereis que nos dirijamos agora aos que ficam responsáveis por vós, para também eles saberem que recompensa merecem, se derem provas de cuidarem de vós, e que condenação lhes acarreta a sua negligência? Se os que prestam fiança de dinheiro a outrem ficam responsáveis em justiça pela integridade da soma, com mais forte razão os fiadores do espiritual, quando é um balanço espiritual que está em causa, devem mostrar grande vigilância, exortando, aconselhando, animando com grande afecto paternal.
Não devem pensar que se trata de um acto banal. Eles sabem que a boa fama se reflectirá sobre eles se, por suas admoestações pessoais, levarem aqueles que lhes estão confiados pelo caminho da virtude. Eis por que é costume chamar-lhes pais espirituais. Pois, se é belo inspirar o nobre zelo da virtude aos que nada têm que ver connosco, com bem mais forte razão o é cumprir este preceito para com aquele que aceitamos a título de filho espiritual. Ficais desta maneira a saber, vós, os padrinhos, que não é pequeno o perigo que vos ameaça pela vossa negligência.

João Crisóstomo, Catequeses Baptismais, II, 15-16


Não me envergonho de pregar a cruz de Cristo

A cruz não é uma invenção: se o fosse, a redenção também o seria. Não foi aparente a morte: se o fosse, a salvação, seria um mito. A paixão foi real. Ele foi verdadeiramente crucificado. Não nos envergonhamos disso. Foi crucificado e não o negamos. Ao contrário, ao dizê-lo glorio-me. Confesso a cruz, pois conheci a ressurreição. Se Cristo permanecesse crucificado, talvez não confessasse a cruz, ou até mesmo a escondesse com o meu mestre. Mas, como á cruz se seguiu a ressurreição, não me envergonho de a pregar.

Cirilo de Jerusalém, XIII catequese aos iluminados, 4.


A nossa Páscoa é sempre nova

Seremos participantes da Páscoa, por enquanto ainda em figura, embora mais claramente que na lei antiga (a Páscoa legal era, por assim dizer, a obscura prefiguração desta figura). Mas em breve participaremos de modo mais perfeito e mais puro, quando o Verbo celebrar connosco a Páscoa nova no reino de seu Pai, manifestando-nos e revelando-nos o que até agora só em parte nos mostrou. A nossa Páscoa é sempre nova. De que bebida e comida se trata, a nós cumpre dizê-lo; mas é o Verbo que ensina e comunica esta doutrina aos seus discípulos. Porque a doutrina daquele que alimenta é também alimento. Tomemos parte também nós nesta festa ritual, não segundo a letra mas segundo o Evangelho; de modo perfeito, não imperfeito; de modo eterno, não temporal. Seja a nossa capital, não a Jerusalém terrena mas a cidade celeste, não a que é agora pisada pelos exércitos mas aquela que é exaltada pelos louvores e aclamações dos Anjos. Não imolemos vitelos nem cordeiros..., vítimas sem vida e sem inteligência, mas ofereçamos a Deus um sacrifício de louvor sobre o altar celeste, juntamente com os coros angélicos. Atravessemos o primeiro véu, aproximemo-nos do segundo e fixemos o olhar no Santo dos Santos. Direi mais: imolemo-nos nós mesmos a Deus; ofereçamo-nos a Ele cada dia, com todas as nossas acções. Aceitemos tudo por amor do Verbo, imitemos com os nossos sofrimentos a sua paixão, honremos com o nosso sangue o seu Sangue, e subamos corajosamente à sua cruz...

Gregório Nazianzo, Oratio 45, In sanctum Pascha 23.

o nascer e o morrer

A Paixão e Ressurreição do Senhor mostram-nos duas vidas: uma que suportamos e outra que desejamos. Quem Se dignou suportar a primeira em nosso favor, tem poder para nos dar a segunda. Deste modo nos mostrou o muito que nos ama, e quis que confiássemos em que nos concederia os seus próprios bens, uma vez que quis tomar parte, ao nosso lado, nos nossos males. Nós nascemos, e Ele também; como nós havemos de morrer, morreu Ele também. Estas são as duas coisas que o homem conhecia bem na sua vida: o começo e o fim, o nascer e o morrer; conhecia também que o nascimento é o começo das fadigas, e a morte uma viagem ao desconhecido. Conhecíamos estas duas coisas: nascer e morrer, que é o que abunda na nossa região. A nossa região é esta terra; a região dos Anjos é o Céu. Nosso Senhor veio de outro país para esta terra; veio da região da vida para a região da morte; veio do país da felicidade para a região do sofrimento. Veio, trazendo-nos consigo os seus bens e suportou pacientemente os nossos males.

Agostinho de Hipona, Sermão CCXXIX E.

Faz da Cruz um troféu

Jesus tendo um corpo como todos os homens, por eles foi crucificado, mas não por pecados próprios.
Ele não perdeu a vida por coação nem foi á força que caminhou para o sacrifício, mas ofereceu-se voluntariamente. Escutai-O:
“Eu tenho poder para dar a minha vida e para a retomar”. Aceitou, portanto, a paixão de livre vontade, contente pela obra que ia realizar, consciente do triunfo que ia alcançar, satisfeito pela salvação dos homens que ia merecer, não recusando a cruz, deu a salvação ao mundo. Não era um simples homem Aquele que Sofria: era Deus encarnado que lutava pelo prémio da sua obediência.
Ninguém se canse. Toma a própria cruz como arma contra o inimigo. Faz da cruz da cruz um troféu contra aqueles que a contradizem. Quando quiseres começar uma disputa em defesa da cruz de Cristo contra os infiéis, faz primeiro com a mão o sinal da cruz e o Adversário calar-se-á. Não te envergonhes de confessar a cruz. Dela se gloriam os Anjos, ao dizerem:
“Sabemos que buscais Jesus, o crucificado”. Podíeis ter dito, ó Anjo: sei que buscais o meu Senhor? Todavia, diz ele com ênfase: Eu sei: o crucificado. A Cruz é coroa, não é vergonha.

Cirilo de Jerusalém, XIII catequese aos iluminados, 5-6. 22.

Acompanhemos o Senhor,
que corre apressadamente para a Sua paixão

Caminha o Senhor livremente para Jerusalém, Ele que desceu do Céu por causa de nós, prostrados no abismo, a fim de nos elevar consigo, como diz a Escritura, acima de todos os Principados, Potestades, Virtudes e Dominações, acima de todo o nome conhecido neste mundo e no futuro.
Acompanhemos o Senhor, que corre apressadamente para a sua paixão; imitemos aqueles que foram ao seu encontro: não para juncar o caminho com ramos de oliveira ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos a seus pés com humildade e rectidão de espírito, para acolhermos o Verbo que vem até nós e recebermos aquele Deus que lugar algum pode conter. Alegra-Se Jesus Cristo porque deste modo nos mostra a sua mansidão e humildade, e sobe, por assim dizer, sobre o crepúsculo da nossa ínfima pequenez; veio ao nosso encontro e conviveu connosco, fazendo-Se um de nós, para nos elevar e reconduzir a Si.
Em vez de túnicas ou ramos sem vida, em vez de arbustos que alegram os olhos por pouco tempo, mas depressa perdem a sua frescura, lancemo-nos a nós mesmos aos pés de Cristo, revestidos da sua graça, ou melhor, revestidos d’Ele mesmo, porque todos vós que recebestes o Baptismo de Cristo, fostes revestidos de Cristo; sejamos como túnicas estendidas a seus pés.
Éramos como escarlate por causa dos nossos pecados, mas pelo banho salutar do Baptismo tornámo-nos brancos como a lã, para oferecermos ao vencedor da morte não já ramos de palmeira mas os troféus da sua vitória.
Agitando os ramos espirituais da alma, aclamemo-l’O todos os dias, juntamente com as crianças, dizendo estas santas palavras: “Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel”.

André de Creta, Oratio 9, In ramos palmarum, 4.



Última ceia

Talvez tu digas: O meu pão é comum. Mas este pão é pão antes das palavras sacramentais. Porém, a partir da consagração, o pão muda-se no Corpo de Cristo. Provemos isto. Como é que o pão pode ser o Corpo de Cristo? Quais são as palavras com que se faz a consagração e de quem são essas palavras? São do Senhor Jesus. De facto, tudo o mais que se diz antes é dito pelo sacerdote: louva-se Deus, dirige-se-Lhe a oração, reza-se pelo povo, pelos reis, por todos os outros. Mas, quando se chega ao momento de fazer o venerável sacramento, o sacerdote já não se serve das suas próprias palavras, mas serve-se das palavras de Cristo. É, pois, a palavra de Cristo que produz este sacramento.
Presta atenção: «De igual modo, no fim da ceia, na véspera da sua Paixão, tomou o cálice e, levantando os olhos ao céu, para Ti, Pai santo, Deus todo-poderoso e eterno, dando graças, abençoou-o e deu-o aos seus Apóstolos e aos seus discípulos, dizendo: Tomai, todos, e bebei, porque isto é o meu Sangue».
Nota cada pormenor. Na véspera da sua Paixão, Ele tomou o pão nas suas santas mãos. Antes de o consagrar, é pão; mas depois de sobrevirem as palavras de Cristo, é o Corpo de Cristo. Ouve o que Ele diz: Tomai, todos, e comei, porque isto é o meu Corpo. Antes das palavras de Cristo, o cálice tinha vinho e água; mas, a partir do momento em que as palavras de Cristo agiram, tornou-se o sangue que resgatou o povo. Vede, pois, de quantas maneiras a palavra de Cristo é capaz de transformar tudo, uma vez que o próprio Senhor Jesus nos afirmou que nós recebemos o seu Corpo e o seu Sangue. Será que devemos duvidar da autoridade do seu testemunho?

Ambrósio de Milão, Os Sacramentos, livro IV, 13-14. 23.


Também nós fomos crucificados

O mistério da Paixão e da Ressurreição do Senhor, caríssimos, está sempre presente no espírito dos cristãos, e não há acção (litúrgica) nenhuma da nossa religião que não celebre, não apenas a reconciliação do mundo, mas também a elevação da natureza humana em Cristo.
Aquele que deseja honrar verdadeiramente a Paixão do Senhor, de tal modo deve olhar com os olhos do coração para Jesus crucificado, que reconheça na carne do Senhor a sua própria carne... A nenhum pecador é negada a vitória da cruz, a nenhum homem é recusado o auxílio da oração de Cristo. Se foi frutuosa para muitos dos que O perseguiam, quanto mais o não será para os que a Ele se convertem?
Foi precisamente para curar a nossa natureza das suas antigas feridas e purificá-la da corrupção do pecado, que o Filho unigénito de Deus Se fez também Filho do homem, de modo que não Lhe faltasse nem a humanidade em toda a sua realidade, nem a divindade em toda a sua plenitude.
É verdadeiramente nosso O que esteve no sepulcro, O que ressuscitou ao terceiro dia, O que subiu à glória do Pai, no mais alto dos Céus.

Papa Leão Magno, XIII sermão sobre a Paixão


Isaac figura de Cristo

Abraão estendeu a mão para tomar o cutelo e degolar o lho. Mas o Anjo do Senhor chamou-o do céu e disse-lhe: Abraão, Abraão. Aqui estou, respondeu ele. Não levantes a tua mão sobre o menino, continuou o Anjo, e não lhe faças mal algum. Agora sei que temes a Deus. Relacionemos estas palavras com as que disse o Apóstolo referindo-se a Deus: Não poupou o seu próprio Filho, mas entregou-O à morte por todos nós. Vede como Deus rivaliza com os homens em magnanimidade e generosidade: Abraão ofereceu a Deus o filho mortal, que aliás não morreria, enquanto Deus entregou à morte por todos nós o seu Filho imortal.
Abraão ergueu os olhos e viu um carneiro preso pelos chifres a um silvado. Isaac era figura de Cristo; mas também este carneiro parece prefigurar a Cristo. Vale a pena saber em que é semelhante a Cristo uma e outra figura: Isaac que não foi imolado e o carneiro que foi imolado. Cristo é o Verbo de Deus, mas o Verbo fez-Se carne. Cristo padeceu, mas na sua carne; sofreu a morte, mas na carne, da qual o carneiro era gura, como dizia João: Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo. Mas o Verbo, isto é, Cristo segundo o espírito, de que Isaac é figura, permaneceu na incorruptibilidade. Portanto Cristo é ao mesmo tempo sacerdote e vítima: segundo o espírito, é Ele que oferece a vítima ao Pai; segundo a carne, Ele próprio é oferecido no altar da cruz.

Orígenes, Homilia VIII sobre o Géneses, 4.

a morte foi extinta e Adão restituído à vida

Oh dom preciosíssimo da cruz! Como é grande o seu esplendor! Na árvore da cruz tudo é belo e magnífico para a vista e para o paladar, e não é apenas uma imagem parcial de bem e de mal, como a árvore do Éden. É um lenho, que não gera a morte, mas a vida; que não difunde as trevas, mas a luz; que não expulsa do Éden, mas nele introduz. A esse lenho subiu Cristo, como rei que sobe para o carro triunfal e venceu o demónio, detentor do poder da morte, para arrebatar o género humano da escravidão do tirano.
Nesse lenho, o Senhor, como valoroso combatente, ferido nas mãos, nos pés e no seu divino lado, curou as chagas das nossas más acções, isto é, curou a nossa natureza ferida pela venenosa serpente. Se antes, pela árvore fomos mortos, agora, pela árvore recuperámos a vida; se antes, pela árvore fomos seduzidos, agora, pela árvore repelimos a astúcia da serpente. Novas e extraordinárias mudanças, sem dúvida! Em vez da morte, é-nos dada a vida; em vez da corrupção, a incorrupção; em vez da vergonha, a honra. Não sem motivo exclamava o santo Apóstolo:
Toda a minha glória está na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Efectivamente, aquela suprema sabedoria que floresceu na Cruz desmascarou a presunção e a arrogante loucura da sabedoria do mundo; toda a espécie de bens maravilhosos que brotaram da Cruz eliminaram as raízes da malícia e do pecado.
Já desde o princípio do mundo, houve figuras e alegorias deste lenho que anunciavam e indicavam realidades verdadeiramente admiráveis. Senão, repara bem, tu que sentes um grande desejo de conhecer: Não é verdade que Noé, com os lhos, suas esposas e os animais de toda a espécie, evitou, por ordem de Deus, numa frágil arca de madeira, o extermínio do dilúvio? E que dizer também da vara de Moisés? Não foi ela símbolo da Cruz, quando converteu a água em sangue, quando devorou as falsas serpentes dos magos, quando separou as águas do mar com o poder do seu golpe, quando reconduziu as águas ao seu curso normal, submergindo os inimigos e salvando aqueles que eram o povo de Deus? Símbolo da Cruz foi também a vara de Aarão ao cobrir-se de folhas num só dia para indicar quem devia ser o sacerdote legítimo. Também Abraão anunciou a Cruz, quando colocou o seu lho, ligado, sobre o feixe de lenha.
Pela Cruz, a morte foi extinta e Adão restituído à vida. Pela Cruz, todos os apóstolos foram glorificados, todos os mártires coroados e todos os crentes santificados. Pela Cruz, revestimo-nos de Cristo, ao despojarmo-nos do homem velho. Pela Cruz, nós, ovelhas de Cristo, fomos reunidos num só rebanho e destinados às moradas celestes.

Teodoro Estudita, Sermão para a adoração da cruz.


Vigília Pascal: a mãe de todas as Vigílias

Nenhum cristão duvida de que nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos ao terceiro dia. O santo Evangelho confirma que o acontecimento teve lugar nesta noite... Depois que o homem, criado para a luz da justiça, caiu nas trevas do pecado, das quais o libertou a graça de Cristo, começámos a contar os dias a partir das noites, porque o nosso esforço não se dirige a passar da luz às trevas, mas das trevas à luz, o que esperamos conseguir com a ajuda do Senhor... Portanto, o dia da Paixão do Senhor, no qual Ele foi crucificado, seguia-se à noite própria já passada; e, deste modo, encerrou-se e terminou na preparação da Páscoa, que os Judeus também chamam ceia pura, e a observância do sábado começou no início da noite. Por isso, o dia de sábado, que começou com a sua noite, terminou na tarde da noite seguinte, que já pertence ao começo do dia do Senhor, porque o Senhor o tornou sagrado com a glória da sua Ressurreição. Assim, pois, nesta solenidade celebramos agora a memória daquela noite que dava início ao dia do Senhor e passamos em vigília a noite em que o Senhor ressuscitou e em que inaugurou para nós, na sua carne, aquela vida em que não há morte nem sono... As que O amavam chegaram ao sepulcro para buscar o seu corpo já de manhã, e não o encontraram, mas receberam um aviso, da parte dos Anjos, de que tinha ressuscitado. E, assim, Aquele que, numa vigília um pouco mais prolongada, cantamos ressuscitado, nos concederá a graça de reinarmos com Ele numa vida sem fim. Mas, se porventura sucedesse que o seu corpo ainda estivesse no sepulcro e ainda não tivesse ressuscitado nestas horas que passamos em vigília, nem por isso seríamos incongruentes ao fazê-lo assim, pois quem morreu para que tivéssemos vida, dormiu para que estivéssemos de vela. Amen.

Agostinho de Hipona, Sermão CXXI, 4.


Fomos remidos da escravidão de Satanás

Os Judeus fazem, ano após ano, a memória dos seus pecados; nós comemoramos a crucifixão e os opróbrios do nosso Salvador. Eles, na Páscoa, fugiram da escravidão do Faraó; nós, no dia da crucifixão, fomos remidos da escravidão de Satanás. Eles imolaram um cordeiro do rebanho, e o seu sangue livrou-os do exterminador; nós fomos libertados das obras da corrupção que fazíamos, pelo Sangue do Filho eleito. Eles tiveram Moisés como chefe; nós temos Jesus como chefe e Salvador. Para eles Moisés dividiu o mar Vermelho e fê-los passar; o nosso Salvador abriu o inferno, quebrou as suas portas, e penetrando no seu interior abriu-as e percorreu o caminho diante de todos os que haviam de crer n’Ele. A eles, Moisés deu-lhes o maná como comida; a nós, o nosso Salvador deu-nos a comer o seu Corpo. Para eles, Moisés tirou água do rochedo; para nós, o Salvador fez jorrar, do seu coração, águas vivas. A eles prometeu em herança a terra dos cananeus; a nós prometeu dar-nos a terra da vida. Para eles, Moisés, suspendeu a serpente de bronze, para que todos, olhando-a, cassem curados da praga das serpentes; para nós o próprio Jesus se cravou na cruz para que, olhando para Ele, escapássemos à mordedura da serpente, que é Satanás. Para eles construiu Moisés a arca da aliança, à qual levavam sacrifícios e oblações, como expiação dos pecados; Jesus reconstruiu o templo de David, que tinha caído e foi reerguido. Ele mesmo disse aos judeus: Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei. Os discípulos compreenderam que falava do seu corpo, que, depois de ter sido morto, Ele ressuscitou ao terceiro dia. Neste tabernáculo nos prometeu a vida, e nele se expiam os nossos pecados. Ao tabernáculo deles chamou-se habitação temporal, porque serviu por pouco tempo; ao nosso chamamos-lhe templo do Espírito Santo, para sempre.

Afraates, o Sábio Persa, Exposição XII

IV - O que dás ao pobre, receberás de volta e com acréscimo

O que dás ao pobre, receberás de volta e com acréscimo

Imita a terra, ó homem; produz fruto como ela, para não pareceres inferior às coisas inanimadas. A terra produz os seus frutos, não para usufruir deles, mas para teu proveito. Tu, porém, podes recolher os frutos da tua beneficência, uma vez que a graça e o prémio das boas obras revertem em benefício das que as fazem. Se deste a faminto, volta para ti o que deste e volta com acréscimo. Assim como o grão de trigo, ao cair na terra, produz fruto em favor de quem o lançou, também o pão que deste ao faminto te proporcionará no futuro grandes benefícios. Procura, pois, que o fim da agricultura seja para ti o princípio da sementeira celeste: Semeai para vós mesmos segundo a justiça, diz a Escritura.

Basílio de Cesareia, Homilia sobre a caridade 3, 6

Porque é que Deus permite que sejamos tentados?

Por cinco razões, Deus permite que sejamos tentados:
porque os ataques e contra-ataques nos afastam do discernimento do bem e do mal;
para que as nossas virtudes, graças ao esforço e à luta, sejam mais estáveis;
para que evitemos a presunção e aprendamos a ser humildes, ainda que em nós haja vontade de fazer o bem;
para que tenhamos um ódio ilimitado pelo mal e evitemos a sua experiência;
sobretudo para que, chegados à liberdade interior, nos convençamos da nossa fraqueza e da força d’Aquele que nos socorre.

Máximo Confessor, Sentenças sobre a Caridade 2, 67

Depende do uso

Há coisas boas, coisas más e coisas indiferentes.
Quanto às coisas indiferentes, as pessoas consideram que sejam boas ou más, mas que, na verdade, não o são. Para explicar melhor, darei um exemplo.
A pobreza, em geral, é considerada um mal. Pelo contrário: se um pobre for sábio e bom administrador, a pobreza pode até servir para vencer todos os males.
Pelo contrário, a riqueza é normalmente considerada como um bem. Mas, na verdade, não o é: depende do uso. Se a riqueza fosse um bem em si e por si, quem a possuísse deveria ser bom. Nem todos os ricos são bons, mas só aqueles que usam o dinheiro de maneira responsável: portanto a riqueza não é por si mesma um bem, mas apenas um instrumento para fazer o bem.
São assim as coisas indiferentes: são boas ou más de acordo com o uso que delas de faz.

João Crisóstomo, Sobre a palavra de Isaías: «Eu, Senhor Deus, criei a luz e as trevas...», 3º segmento.

Luz, Fogo e Chama

Pela sua natureza, o amor torna o homem semelhante a Deus, por quanto isso seja possível para o homem. Nos seus efeitos, é embriaguez da alma. Nas suas propriedades é fonte de fé, abismo de paciência, oceano de humildade.
O amor é perfeito repúdio de qualquer pensamento contra o próximo, porque «a caridade não pensa no mal» (1Cor 13,5).
O amor, a paz de espírito e adoção filial de Deus diferem apenas no nome. Como a luz, o fogo e a chama estão presentes numa mesma operação, assim estas três realidades do espírito.
Quando o homem se deixa guiar completamente pelo amor de Deus, o esplendor da alma irradia-se por toda a pessoa como se fosse um espelho.
Por isso, quem ama a Deus, ama também o seu irmão. Melhor, o amor ao próximo é a demonstração do amor a Deus.

João Clímaco, Escada do Paraíso, 30

A breve estrada Do egoísmo ao orgulho

O egoísmo é a fonte das paixões.
Dele nascem a gula, a avareza, a vanglória. Da gula nasce a luxúria, da avareza a cobiça, da vanglória o orgulho.
Todos os outros vícios, sem exceção, são apenas consequências: ira, tristeza, rancor, preguiça, inveja, maledicência e por aí adiante.
Na origem de todas as paixões está o egoísmo, como ponto de chegada encontramos o orgulho.
O egoísmo é uma afeição irracional a si mesmo. Quem o conseguir destruir, destrói de um só golpe todas as paixões que dele derivam.
Os pais estão doentiamente ligados aos filhos que criaram, como a inteligência está ligada à argumentação que tudo justifica. Mas tudo isto é paixão pura e simples.
O homem sábio não é dogmático nos seus raciocínios. Se está persuadido que são verdadeiros, encontra nelas mais uma razão para desconfiar do próprio juízo e submeter as suas reflexões ao juízo de outros homens sábios.

Máximo Confessor, Sentenças sobre a Caridade 3, 56

A reconciliação com os irmãos

Agostinho disse:
«Deus será indulgente com cada um na mesma medida que cada um o seja com o seu próximo».
Jerónimo disse:
«Como Deus, em Jesus Cristo, perdoou os nossos pecados, assim também devemos perdoar àqueles que pecam contra nós».
Gregório disse:
«Só pode pedir perdão aquele que antes perdoou».
Isidoro disse:
«Em vão procura reconciliar-se com Deus aquele que transcura a reconciliação com o próximo».
Cesário disse:
«Aquele que com bondade perdoa a quem o ofendeu não tem em sua alma alguma mancha de pecado».

Defensor Grammaticus, Liber Scintillarum, 5

Aprende a rir de modo relaxado

O riso é sinal de cordialidade, desde que não seja grosseiro.
Em geral, o homem pode praticar tudo o que é natural, mas na medida e no momento oportuno. Assim, não deve rir sempre pelo simples facto que ser capaz de rir. Nem o cavalo relincha sempre pelo simples facto de ser capaz de relinchar.
Devemos controlar o nosso riso, aprender a rir com moderação, prestando muita atenção para não resvalar: só então nos relaxaremos depois de pesadas fadigas, depois de muitas horas de tensão mental.

Clemente de Alexandria, O pedagogo, 2, 5

A noite é importante para o ritmo da vida

Se queres refletir sobre o sentido da noite, descobrirás também nela a providência infinita do Criador.
A noite restaura o corpo fatigado, relaxa os membros cansados pelo esforço da jornada. Mediante o repouso, ajuda-os a recuperar o seu ritmo.
Não só. A noite liberta-te das amarguras, desfaz as tuas preocupações. Muitas vezes, colaborando com o médico, acalma a febre, usando o sono como medicamento.
Tal é a importância da noite. Ela é tão grande que aquele que não aproveita do seu repouso, pode não encontrar forças para um novo dia.
Nas tréguas da noite, a alma exausta e corpo desgastado recuperam as energias e preparam-se para retomar a atividade do dia-a-dia. Se, pelo contrário, prolongamos a jornada durante a noite, ficando acordados a trabalhar ou até nada fazendo, estaremos a incorrer na inutilidade porque, lentamente, vão se apagando as forças.

João Crisóstomo, Sobre a Providência, 7, 26

Nelas se encontram a grandeza de Deus

Olha para os peixes. Na água, por assim dizer, voam. E na água encontram o oxigénio necessário para respirar. Na nossa atmosfera morreriam, como nós morreríamos na água.
Observa os seus hábitos, o seu modo de se juntarem e de procriar, a sua beleza, os lugares onde habitam e as suas peregrinações.
Olha para as múltiplas espécies de pássaros, a variedade das suas formas e a suas cores. Alguns são mudos, outros cantam. Quem concedeu o dom do canto?
E quem colocou no peito da cigarra uma cítara minúscula? Quem a fez assim como é, este animalzinho que nas horas quentes enche de música os bosques, acompanhando os viajantes?
E quem ajuda o cisne a compor o seu canto, quando estende as asas ao sopro da brisa?
Falar destas coisas me dá alegria, porque nelas se encontram a grandeza de Deus.

Gregório de Nazianzo, Oração 28, 23

Olha para as várias espécies de Plantas

Admira a inteligência instintiva dos animais, e dá-lhe uma explicação, se conseguires.
Olha como os pássaros constroem os seus ninhos, entre as rochas, sobre as árvores e debaixo dos tetos: fazem-nos de tal modo para estarem seguros numa morada bela e cómoda, na qual alimentam os seus filhinhos.
Olha para as abelhas e para as aranhas: de onde provém a sua capacidade de trabalho e o seu engenho?
Não falo das formigas, que encontram celeiros de onde recolhem grandes quantidades de alimentos, nem do seu contínuo ir e vir, da forma ordenada de trabalhar.
Podes explicar tudo isto? Compreendes a sabedoria que isto manifesta?
Olha também para as várias espécies de plantas, com a elegância das suas folhas: são agradáveis à vista e úteis para os frutos que produzem.
Não, nós não somos capazes de compreender a natureza das coisas. Muito menos compreenderemos a natureza de Deus, da sua unicidade que é a plenitude de todas as coisas.

Gregório de Nazianzo, Oração 28, 25

A ORAÇÃO acalma as tempestades

“Só a oração vence a Deus.
Mas Cristo não quis que ela servisse para fazer mal algum; quis antes que toda a eficácia que lhe deu fosse apenas para servir o bem.
Por isso ela não tem outra finalidade senão tirar do caminho da morte as almas dos defuntos, robustecer os fracos, curar os enfermos, libertar os possessos, abrir as portas dos cárceres, desatar as cadeias dos inocentes.
Ela perdoa os pecados, afasta as tentações, extingue as perseguições, conforta os pusilânimes, enche de alegria os generosos, encaminha os peregrinos, acalma as tempestades, detém os salteadores, alimenta os pobres, ensina os ricos, levanta os que caíram, sustenta os que vacilam, confirma os que estão de pé.”

Tertuliano, sobre a oração.

Dá a ti mesmo, dando aos pobres

O jejum não dá fruto senão for regado pela misericórdia; seca o jejum se secar a misericórdia;
o que a chuva é para a terra é a misericórdia para o jejum; por muito que cultive o coração, purifique a carne, extermine os vícios e semeie virtudes, nenhum fruto recolherá quem jejua, senão abrir os caudais da misericórdia.
Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia;
pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros.
Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.”

Pedro Crisólogo, Sermão 43.

NA ÁRVORE DA CRUZ TUDO É BELO E MAGNÍFICO...

Na árvore da cruz tudo é belo e magnífico para a vista e para o paladar, e não é apenas uma imagem parcial de bem e de mal, como a árvore do Éden.
É um lenho, que não gera a morte, mas a vida; que não difunde as trevas, mas a luz; que não expulsa do Éden, mas nele introduz. A esse lenho subiu Cristo, como rei que sobe para o carro triunfal, e venceu o demónio, detentor do poder da morte, para arrebatar o género humano da escravidão do tirano.
Nesse lenho, o Senhor, como valoroso combatente, ferido nas mãos, nos pés e no seu divino lado, curou as chagas das nossas más ações, isto é, curou a nossa natureza ferida pela venenosa serpente.
Se antes, pela árvore fomos mortos, agora, pela árvore recuperámos a vida; se antes, pela árvore fomos seduzidos, agora, pela árvore repelimos a astúcia da serpente. Novas e extraordinárias mudanças, sem dúvida! Em vez da morte, é-nos dada a vida; em vez da corrupção , a incorrupção; em vez da vergonha, a honra.

Teodoro Estudita, Sermão para adoração da cruz

O MAIOR LOUVOR DO CÂNTICO É O PRÓPRIO CANTOR.

Oh irmãos, oh filhos, oh novos rebentos da Igreja católica, oh geração santa e celestial, que renascestes em Cristo para uma vida nova! Ouvi-me, ou antes, ouvi através do meu convite: Cantai ao Senhor um cântico novo.
Já canto cantando, dir-me-ás. Sim, oiço que cantas. Mas oxalá a tua vida não dê testemunho contra a tua língua.
Cantai com a voz, cantai com o coração, cantai com a boca, cantai com a vida: Cantai ao Senhor um cântico novo. Perguntais-me o que deveis cantar a respeito d´ Aquele a quem amais? Sem dúvida é acerca d´Aquele a quem amas que tu desejas cantar. Queres saber então que louvores que hás-de cantar? Já o ouviste: Cantai ao Senhor um cântico novo. E que louvores? Cantai os seus louvores na assembleia dos santos.
O maior louvor do cântico é o próprio cantor.
Quereis cantar louvores a Deus? Sede vós o cântico que ides cantar. Vós sois o seu maior louvor, se viverdes santamente".

Agostinho de Hipona, Sermão 34.

O BAPTISMO: um sepulcro que faz renascer

Pensa na piscina baptismal e proclama a graça: o baptismo é, efetivamente, um resumo de todos os bens, um princípio de purificação para o mundo, uma renovação da natureza, uma renovação em resumo, um remédio fácil de administrar, uma humidade que consome os pecados, uma esponja que purifica o conhecimento, uma veste que não envelhece com o tempo, um seio que gera espiritualmente, um sepulcro que faz renascer os que nele são sepultados, um abismo que afoga os pecados, um elemento que se torna o túmulo do Diabo, um selo gravado por aquele que toma a muralha, um advogado seguro diante do juiz, uma fonte que serve para extinguir a Geena, uma graça que dá acesso à ceia do Mestre, um mistério antigo e novo, esboçado em Moisés. A Cristo, nosso Deus, seja dada a Glória pelos séculos dos séculos. Ámen.

Basílio de Selêucia, Homilia in sancta Pascha

SER CRISTÃO NÃO SÓ DE NOME, MAS DE FACTO.
Nunca tivestes inveja de ninguém; e ensinastes os outros. Ora aquilo que ensinais e ordenais aos outros, quero que conserve todo o seu vigor para mim. O que deveis pedir para mim é apenas que eu tenha fortaleza interior e exterior, para que seja firme não só no falar mas também no querer, para que seja cristão não só de nome, mas de facto. Se proceder como cristão, terei direito a esse nome; e quando já não estiver visivelmente neste mundo, então serei verdadeiramente fiel. Nada é bom apenas pela aparência. O próprio Jesus Cristo, nosso Deus, agora que voltou para o Pai, é que melhor se manifesta. Perante as perseguições do mundo, o cristianismo não se afirma com palavras persuasivas, mas com grandeza de ânimo e fortaleza.

Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos 3,1.

QUERES HONRAR O CORPO DE CRISTO?

Queres honrar o Corpo de Cristo?
Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem o honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez. Aquele que disse: Isto é o meu Corpo, confirmando o facto com a sua palavra, também afirmou: Vistes-Me com fome e não Me destes de comer; e ainda: Na medida em que o recusastes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o recusastes. No templo, o Corpo de Cristo não precisa de mantos, mas de almas puras; mas na pessoa dos pobres, Ele precisa de todo o nosso cuidado...

João Crisóstomo, Homilia sobre o Evangelho de S. Mateus.

OS CRISTÃOS não se distinguem DOS OUTROS HOMENS

Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela pátria, nem pela língua, nem pelos costumes. Efetivamente, eles não têm cidades próprias, não usam uma linguagem peculiar, e a sua vida nada tem de excêntrico. A sua doutrina não procede da imaginação fantasiosa de espíritos exaltados, nem se apoiam, como outros, em qualquer teoria simplesmente humana.
Vivem em cidades gregas ou bárbaras, segundo as circunstâncias de cada um, seguem os costumes da terra, quer no modo de vestir, quer nos alimentos que tomam, quer em outros usos; mas a sua maneira de viver é sempre admirável e passa aos olhos de todos como um prodígio.

Carta de Diogneto.

Os Salmos são como um espelho

Quem reza os salmos, diz as palavras como se fossem suas, e salmodia-as como se dele mesmo se tivesse escrito...
Para aquele que salmodia, os salmos são como um espelho no qual pode comtemplar-se a si mesmo, ver os impulsos da sua alma, e recebê-los com esses mesmos sentimentos...
Certamente toda a Sagrada Escritura é mestra da virtude e da fé verdadeira, mas o livro dos salmos oferece, além disso, o ícone para a direção das almas...
Recitar musicalmente os salmos não é cultivar o prazer musical dos sons, mas traduzir uma harmonia interior em música. A recitação ritmada e melódica é sinal de um pensamento tranquilo, bem ritmado e sereno...
Os cristãos deveriam fazer suas as orações bíblicas, especialmente os Salmos.

Atanásio de Alexandria, Carta a Marcelino

O óleo traz do fundo um tesouro de riqueza

Pelo óleo o Espírito marcou os sacerdotes e os reis.
O Espírito Santo, pelo óleo, imprime o seu selo sobre as ovelhas...
Quando se é ungido e assinalado no batismo, os corpos são ungidos com óleo santo para serem purificados, porque o batismo se torna para eles como um segundo seio.
Os sacerdotes ajudam este seio a dar à luz.
O óleo, fonte de cura, une-se ao corpo, fonte das doenças, porque o óleo destrói as faltas, como o dilúvio.
O óleo acompanha com o seu amor aquele que mergulha.
O óleo, que, por sua natureza, não pode ir ao fundo, une-se ao corpo que é mergulhado, e, ao emergir, traz do fundo um tesouro de riqueza.
Cristo, que por sua natureza, não pode morrer, revestiu um corpo mortal, emergiu e trouxe das águas o tesouro da vida dos nossos primeiros pais.
O óleo dá a unção aos altares, para que estes sustentem o sacrifício da reconciliação.

Efrém, Diácono, Hinos, 14.

Não estejas diante de ti

Mas quem agrada a Deus? Aquele para quem Deus é agradável. Procura agradar-Lhe e ele Te agradará. Mas não saberás agradar a Deus sem te desagradares de ti mesmo. Se verdadeiramente te desagradas de ti, deixa de olhar para ti. Porque te olhas a ti? Se tu olhasses de verdade, encontrarias em ti o que te desagrada, e dirias a Deus: o meu pecado está sempre diante de mim. Põe teu pecado diante de ti, para que não esteja diante de Deus. E tu, não estejas diante de ti para que estejas diante de Deus.

Santo Agostinho, comentário ao salmo 24.

Os dois nascimentos

Os homens são concebidos duas vezes, uma corporalmente, outra pelo Espírito divino. A fonte baptismal dá à luz de maneira visível o nosso corpo visível pelo ministério dos sacerdotes; mas, o Espírito de Deus, invisível a todas as inteligências, é que baptiza de maneira espiritual em seu próprio nome e regenera simultaneamente o corpo e a alma, pelo ministério dos Anjos. Quando somos submersos na piscina (baptismal), por beneplácito de Deus Pai e pela graça do Espírito Santo, somos despidos dos nossos pecados, ao despojarmo-nos do homem velho, regenerados e selados pelo seu poder real. Quando saímos para fora (da piscina), somos revestidos de Cristo Salvador, com uma veste incorruptível, igual ao Espírito Santo, que nos regenerou e marcou com o seu selo...

Dídimo, o Cego, Sobre a Trindade, II livro.

A Palavra que alimenta e alegra os corações

Esse pão que o Deus Verbo diz ser o seu Corpo é a Palavra que alimenta as almas, o Verbo que procede do Verbo de Deus. E essa bebida que o Deus Verbo diz ser o seu Sangue, é a Palavra que sacia e inebria os corações dos que o bebem. Acerca da bebida deste cálice está escrito: O meu cálice transborda... O Deus Verbo não chamou seu Corpo àquele pão visível que tinha em suas mãos, mas à Palavra, em cujo mistério devia partir-se o pão. Nem chamou seu Sangue àquela bebida visível, mas à Palavra, em cujo mistério se derramaria esta bebida. De facto, que outra coisa pode ser o Corpo e o Sangue do Deus Verbo, senão a Palavra que alimenta e alegra os corações?

Orígenes, Commentarii in Matthaeum

Deus livra-nos dos perigos

Onde está a verdadeira glória do homem? Está na sua grandeza? A grandeza do homem, a sua glória e sua dignidade consistem em conhecer onde está a verdadeira grandeza e segui-la de todo coração, em buscar com a ardor a glória que vem do Senhor. Portanto, quem se gloria no Senhor de modo perfeito e irrepreensível é aquele que não se exalta com sua própria justiça, mas reconhece que não a tem e compreende que só na fé em Cristo está a sua justificação.
O único motivo da glória que resta, ó homem, e o único motivo de esperança, está em fazer morrer tudo o que é teu e buscar a vida futura em Cristo. Mas nós já possuímos as primícias desta vida e, portanto, ela já começou em nós, uma vez que vivemos inteiramente na graça e no dom de Deus. Na verdade, é Deus que opera em nós o querer e o agir, segundo os seus desígnios; é Deus que pelo seu Espírito nos revela a sabedoria, que de antemão destinou para nossa glória; é Deus que nos dá força e vigor no trabalho. Deus livra-nos dos perigos para além de toda a esperança humana.

Basílio de Cesareia, Homilia 20, De humiltate

Maria

Maria foi transformada em Céu, ao levar em si a divindade, que é Cristo, sem deixar a glória do Pai, encerrou nos estreitos limites de um ventre, para conduzir os homens à mais alta dignidade. Só ela foi escolhida entre toda a Assembleia das Virgens, para ser instrumento da nossa salvação. Nela encontraram o termo os vaticínios de todos os justos e profetas. Dela nasceu aquela esplendente estrela, por meio da qual o povo que andava nas trevas viu uma grande luz.
Caríssimos, engana-se quem pensa que o dia da renovação da Maria pode ser comparado com outro dia da criação. Porque no início, foi criada a terra; mas por meio dela foi renovada. No início, foi maldita na sua atividade por causa do pecado de Adão; por meio dela foi restaurada paz e segurança. No início, a morte estendeu-se a todos os homens pelo pecado dos nossos primeiros pais; mas agora fomos conduzidos da morte à vida. No início, a serpente infiltrou-se nos ouvidos de Eva, e o veneno estendeu-se a todo o corpo; agora, Maria acolhe em seus ouvidos o defensor da perpétua felicidade.

Efrém, Diácono, Sermo 3. Opera Omnia, III

Deus reserva-se a Si mesmo para ti

Tu és um homem. Tudo que podes desejar sobre terra para a felicidade está ao teu alcance. És maior que todos esses bens. Vales mais, procuras mais alto, aspiras á felicidade, mas és infeliz.
Não encontras nada melhor do que a tua alma. E nada é superior a ela, exceto o Criador. Eleva-te até Ele. Não desesperes. Sobretudo não digas: É demasiado difícil para mim. Seria bem mais difícil de adquirir o ouro que tu desejas. Procura-lo e talvez não consigas. Procura a Deus e possuí-l’O-ás.
Ainda tu não O desejavas e já Ele lá estava; afastavas-te d’Ele e Ele chamou-te; voltavas para Ele e causou-te medo; confessaste o teu pecado e Ele levantou-te.
Ele deu-te tudo, fez-te o que és, dá àqueles que o rodeiam, mesmo aos maus, o seu sol e a sua chuva, os frutos na terra, as fontes, a vida, saúde e todos os benefícios.
Deus reserva-se a Si mesmo para ti. Ambicioso como és porque voltas com a avidez os olhos para o céu e para a terra? Ama-o, possui-O. Se o quiseres tê-l’O-ás. E será teu gratuitamente.

Santo Agostinho, comentário ao salmo 23.


Uma luz vinda de Deus

Então, numa noite de tempestade e densas trevas, os céus hão-de abrir-se, e todo o mundo verá aparecer uma luz vinda de Deus como um relâmpago... Esta é a noite em que nós celebramos a Vigília pascal, por causa da vinda do nosso Rei e Deus. A razão de ser desta noite é dupla: Aquele que fora morto recebeu a vida nessa noite, e nela há-de voltar para receber o reino do mundo, pois é Ele o libertador, o juiz, aquele que exerce a justiça, o nosso Rei e Deus a quem chamamos Cristo. Antes de descer dará este sinal: de repente cairá do céu uma espada, para que os justos saibam que já desceu o condutor do exército dos santos. Virá à terra acompanhado dos Anjos e precedido dum fogo inextinguível, e pela força dos Anjos entregará nas mãos dos jutos aquela multidão que rodeia o monte. Depois disto abrir-se-á a morada dos mortos, e os mortos hão-de voltar à vida. E o mesmo Rei e Deus fará um grande julgamento.

Lactâncio, Divinae institutiones

A oração põe Deus em teu favor

Quando rezares eleva o teu coração e baixa os olhos, entra no interior do teu homem interior e ora no segredo ao teu Pai que está no Céu. Há entre nós pessoas que multiplicam as orações, que prolongam muito a súplica, que se prostram e estendem as mãos, mas que estão bem longe das obras da oração. Tu, que rezas, lembra-te que é diante de Deus que levas a tua oferenda.
A oração é boa e as suas obras são belas. A oração é aceite quando alivia. A oração é escutada quando é acompanhada do perdão. A oração é forte quando está cheia da força de Deus. Acima de tudo, sê assíduo à oração, sem nunca te cansares. Sê assíduo às vigílias, afasta de ti a sonolência e o cansaço, está de vigília dia e noite sem perder a coragem.
Meu amigo, sê assíduo à oração, porque ela põe Deus em teu favor.

Afraates, Exposições, sobre a oração

O pão nosso de cada dia nos dai hoje...

Isto pode entender-se no sentido espiritual ou literal, porque num e noutro sentido aproveita à nossa salvação. Mas o pão da vida é Cristo; e este pão não é o pão de todos, mas o nosso. E, assim como chamamos Pai nosso, porque Ele é Pai dos que O conhecem e crêem n’Ele, também dizemos o pão nosso, porque Cristo é o pão daqueles que recebem o seu Corpo.E pedimos que nos seja dado cada dia este pão, a nós que vivemos em Cristo e todos os dias recebemos a sua Eucaristia como alimento de salvação, para não suceder que, por algum pecado grave, sejamos privados da comunhão do pão celeste e nos separemos do Corpo de Cristo. Ele mesmo proclamou: Eu sou o pão da vida, que desci do Céu. Se alguém comer do meu pão viverá eternamente...
Pedimos que nos seja dado cada dia o nosso pão, isto é, Cristo, para que nós, que permanecemos e vivemos em Cristo, não nos afastemos do seu Corpo que nos santifica.

Cipriano de Cartago, De dominica oratione

O sinal da cruz

Se fores tentado, faz piedosamente o sinal da cruz na fronte, pois este é o sinal da paixão, conhecido e experimentado contra o Diabo, desde que o faças com fé, não para ser visto pelos homens, mas usando-o com destreza como um escudo. O Adversário, ao ver a força que vem do coração, quando o homem interior, isto é, aquele que é animado pelo Verbo, mostra a imagem interior do Verbo formada no exterior, é posto em fuga pelo Espírito que está em ti. Foi para simbolizar isso, através do cordeiro pascal que era imolado, que Moisés aspergiu a padieira e tingiu os umbrais das portas com sangue. Desse modo simbolizava ele a fé no Cordeiro perfeito, fé que agora está em nós. Ao fazermos o sinal da cruz na fronte e nos olhos com a mão, afugentamos aquele que procura exterminar-nos.

Hipólito de Roma, Tradição Apostólica

V

Não Canses o teu cérebro

Quando rezares, não canses o teu cérebro para encontrar as palavras. O simples e monótono balbuciar das crianças aplacou, muitas vezes, a ira do seu Pai que está no céu.
Não te preocupes em dizer muitas coisas, para que a mente não se disperse à procura de palavras. Com uma só frase o publicano tornou propício o Senhor, com uma só palavra, cheio de fé, se salvou o ladrão.
Dizer muitas palavras na oração enche a cabeça de fantasias e suscita distrações. Pelo contrário, a brevidade – basta por vezes uma só palavra – favorece o recolhimento.

João Clímaco, Escada do Paraíso, 28

Os Braços estendidos para o céu

Para o dizer com uma expressão mais audaz, a oração é um diálogo com Deus.
Se falarmos em voz baixa, ou se sussurrarmos sem abrir os lábios, ou se o invocamos desde a profundidade do coração, a nossa palavra interior alcança sempre a Deus e Deus escuta-a sempre.
Porém, para além de falar, nós levantamos algumas vezes a cabeça e estendemos os braços para o céu.
Acompanham desta maneira o desejo que o espírito tem do mundo espiritual. Esforçamo-nos com a palavra por elevar o corpo para além da terra. Dêmos asas à nossa alma para que alcance os bens do alto.

Clemente de Alexandria, Stromata 7, 7, 39

Aprende com as formigas, imita as abelhas

Deus disse: «Que a terra produza seres vivos segundo a sua espécie: animais domésticos, repteis e feras segundo a sua espécie» (Gn 1, 24).
Desta única ordem, como de uma única fonte, tiveram origem as muitas espécies de animais: a humilde ovelha, o leão carnívoro e todos os seres irracionais que recordam as várias paixões do ser humano.
A serpente é semelhante àqueles que com palavras venenosas ferem os amigos.
O cavalo que relincha é como os adolescentes teimosos.
A incansável formiga foi criada como estímulo para o preguiçoso: sim, porque há jovens que vivem na ociosidade.
Estes são advertidos por um animal sem razão e pela Escritura que diz: «Anda, preguiçoso, olha a formiga, observa o seu proceder, e torna-te sábio» (Prov 6,6). Não vês que guardam quantidades de alimentos para quando tiverem necessidade? Imita-a, recolhendo para ti próprio os frutos das boas obras: serão o teu tesouro para a eternidade.
E ainda, ó preguiçoso, observa o trabalho da abelha: voa de flor em flor para te preparar o mel. Com o mesmo empenho, lê de página em página as divinas Escrituras para delas colheres a salvação.
Por fim, admirado, exclamarás ao Senhor: «Quão doce ao paladar é a tua promessa, mais doce que o mel em minha boca» (Sl 119, 103).

Cirilo de Jerusalém, Catequese 9, 13


Ter filhos é colaborar com a obra de Deus

A declaração de Deus e o preceito de ter filhos valem ainda hoje, porque é sempre Deus que cria o homem. Estou certo de que Deus continua ainda hoje a criar o mundo como um pintor que pinta: ensinou-o o próprio Senhor quando disse: «Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho» (Jo 5, 17).
Só quando os rios deixarem de correr e não enviarem água para o grande leito do mar, a luz deixar de estar separada de maneira perfeita das trevas, a terra firme deixar de produzir os seus frutos e o número pré-estabelecido de homens esteja completo, só então será desnecessário ter filhos.
Enquanto isso não acontecer, é necessário que o homem colabore para trazer ao mundo seres semelhantes a Deus, porque o mundo ainda existe, ou melhor, vai-se ainda formando. Foi dito: «Crescei e multiplicai-vos».

Metódio de Olimpo, O banquete das dez virgens 2, 1.

USAR, mas não abusar

Existem as realidades exteriores e as suas imagens na nossa fantasia.
Podemos fazer um uso equilibrado tanto de umas como de outras. Os frutos serão a castidade, o amor e o recto conhecimento.
Se delas fizermos um uso irracional, obteremos como frutos a imoralidade, o ódio e a ignorância.
Nenhuma criatura de Deus é má por si mesma.
Não é mau o alimento, mas a gula; não é má a procriação, mas a luxúria; não é má a riqueza, mas a avareza; nem é má a glória, mas a vanglória.
Nada é mau. É mau apenas o abuso, o efeito da negligência do nosso espírito quando só pensa em cultivar-se a si próprio.

Máximo Confessor, Sentenças sobre a caridade 3,1.

O universo, segundo paraíso

O universo visível e sensível – o céu, a terra e tudo o que eles contêm – foi criado para todos os homens como uma espécie de grande paraíso, ainda antes da criação do paraíso do Éden, para Adão.
Sabendo de antemão que Adão iria desobedecer, privou o homem do paraíso divino, para que experimentasse o exílio. Por conseguinte, preparou ainda antes, como dom a nós destinado, este mundo visível, este segundo paraíso.
Como o homem é constituído de duas naturezas, dupla é também a natureza deste dom. Ele é sensível e inteligível.
Sensível se considerarmos as sementes, os frutos, os quadrúpedes, as aves. Inteligível porque, graças às realidades visíveis, permite o que diz a Escritura: «Da beleza das criaturas se conhece, por analogia, o Criador» (Sab 13, 5).
Também neste segundo paraíso estão plantadas a árvore da vida e a outra árvore, chamada árvore do conhecimento do bem e do mal.
O que são estas árvores? Prestai atenção.
A árvore da vida é Deus em pessoa, o Criador do universo. A árvore do conhecimento é a nossa natureza e a nossa estrutura humana. É o homem, de facto, que tem a capacidade de conhecer o bem e o mal.

Nicétas Stéthatos, Sobre o Paraíso, 8

E, por último, chegou o Rei

Quando Deus fez o céu e a terra, ainda não existia aquela realidade preciosa que é o homem.
Não seria mais natural que o principal aparecesse antes dos súbditos? Era lógico que aquele que seria o rei, chegasse apenas quando o reino estava preparado, quando estivesse pronto o trono do qual deveria reinar.
Por isso, eis que apareceram a terra, as ilhas e o mar, e por cima, como um tecto, o firmamento do céu.
Neste palácio foram colocadas riquezas de todo o tipo: entendo por riquezas tudo o que a terra produz, tudo o que germina, todas as realidades sensíveis e viventes – entre elas, as matérias valiosas que se vão formando, como o ouro, a prata e as pedras preciosas –, e todos os bens que Deus escondeu no ventre da terra como se fosse a cave do reino.
Só, então, Deus criou o homem, para que contemplasse as maravilhas do universo e se tornasse o seu senhor. Deus quis que, mediante o seu uso, o homem conhecesse Aquele que as tinha dado: de facto, a grandiosa beleza daquilo que se vê coloca o homem sobre as pegadas da potência indiscritível do Criador.
Por isso, o homem foi introduzido por último na criação: não porque tinha sido desprezado para o último lugar, mas porque estava destinado, desde o seu nascimento, a ser o rei do mundo.

Gregório de Nissa, A criação do homem, 2

Os Filhos da Igreja reinam como Príncipes

Canta o Salmista: «Em lugar de teus pais terás muitos filhos, e os farás príncipes sobre toda a terra» (Sl 45, 17).
Quem são os filhos da Igreja, Esposa de Cristo? São os filhos do Evangelho, que alcançaram o domínio do mundo.
Diz deles a Escritura: «O seu eco ressoou por toda a terra» (Sl 19, 5), e ainda: «Vos sentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel» (Mt 19, 28).
Graças a Cristo, a Esposa recebe novos filhos. Eles ocupam o lugar dos antigos “pais”, os patriarcas, que puseram em prática as obras de Abraão, e são honrados da mesma forma, porque realizam obras idênticas.
Príncipes de toda a terra são, portanto, os crentes, pela familiaridade que têm com o bem. A própria natureza do bem lhes conferiu esse primado.
Os filhos da Esposa de Cristo tornaram-se iguais em dignidade aos seus pais, conquistando o primeiro lugar, graças à prática das virtudes. Por isso, a Mãe os constituiu príncipes sobre toda a terra.
Olha para o poder que tem a Rainha sobre a terra: constituir príncipes que nela possam reinar.

Basílio de Cesareia, Sobre o Salmo 44, 12

É bem ou mal o poder do mundo?

«O diabo, levando Jesus para mais alto, mostrou-lhe todos os reinos da terra» (Lc 4, 5).
Como se explica que ele tenha prometido a Jesus os poderes do mundo, já que noutro lugar se lê que «todo o poder vem de Deus (Rom 13, 11)? Há alguma contradição? Nada, de facto. Indubitavelmente todo o poder vem de Deus: sem Deus o mundo não existiria, porque «o mundo foi feito por meio dele» (Jo 1, 10). No entanto, ainda que o mundo tenha sido feito por Deus, as obras do mundo são más porque «o mundo está nas mãos do maligno» (1Jo 5, 19).
Resumidamente, a ordem do mundo provém de Deus, mas as obras do mundo provêm do maligno. Assim, o poder vem de Deus, mas a ambição do poder vem do Maligno.
Não é mau o poder, mas um certo uso do poder: mesmo que não tenha vindo do diabo, o poder foi submetido às insídias do diabo.

Ambrósio de Milão, Sobre o Evangelho de Lucas 4, 28

O desejo e o engano

Alguns homens, nos séculos passados, adoravam o sol, outros a lua, outros a grande multidão de estrelas, às quais atribuíam o poder de dirigir o mundo.
Outros ainda adoravam a terra, a água, o ar, o fogo, por causa da sua utilidade: sem eles o homem não poderia viver.
Outros adoravam objectos visíveis particularmente belos, considerando-os deuses. Alguns chegaram até a adorar retratos e estátuas.
Faziam assim porque ignoravam a Verdadeira Natureza.
Mas, naquela adoração, estava a astúcia do Maligno, que se servia do bem para chegar ao mal.
Vendo nos homens um desejo que vagueava à procura de Deus, quis assegurar o próprio domínio sobre eles, frustrando aquela tendência.
Ele segurou-os com as próprias mãos, como se faz com um cego ao longo da estrada.

Gregório de Nazianzo, Oração 26

Pensemos na ressurreição que se verifica no tempo

Consideremos, caríssimos, como o Senhor nos revela claramente a nossa venturosa ressurreição, cujas primícias inaugurou em nosso Senhor Jesus Cristo, ressuscitando-O de entre os mortos. Pensemos, caríssimos, na ressurreição que se verifica no tempo. O dia e a noite falam-nos da ressurreição: vai-se a noite e desponta o dia; morre o dia e vem a noite. Tomemos como exemplo os frutos da terra: como se faz a sementeira e como germina a semente? Sai o semeador e lança a semente à terra. Os grãos da semente, secos e nus, caem na terra e desagregam-se; mas a maravilhosa providência do Senhor fá-los ressuscitar desta decomposição, e de um só grão nascem muitos, que crescem e dão fruto.

Clemente Romano,  Carta aos Coríntios 24, 1-5

O caminho da luz

O caminho da luz é este: Se alguém quiser chegar ao lugar determinado, esforce-se por atingi-lo com as suas obras. E o conhecimento que nos foi dado para andar por este caminho é o seguinte:
Ama Aquele que te criou; adora Aquele que te formou; dá glória àquele que te remiu da morte. Sê simples de coração e rico em espírito; não te juntes com os que seguem o caminho da morte; odeia tudo o que não é agradável a Deus; despreza toda a hipocrisia; não abandones os mandamentos do Senhor. 
Não te exaltes a ti próprio, mas sê humilde em tudo;  não atribuas a glória a ti mesmo; não maquines o mal contra o teu próximo; não admitas arrogância no teu espírito.

Epístola de Barnabé, 19,1-3

Maria é uma parte da Igreja

Maria era feliz, porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade na sua mente do que o corpo de cristo no seu seio. Cristo é verdade, Cristo é carne. Cristo é verdade no espírito de Maria, Cristo é carne no seio de Maria; é mais o que está no espírito do que o que se traz no seio.
Maria é santa, Maria é bem-aventurada. Mas é mais importante a Igreja do que a Virgem Maria. Porquê? Porque Maria é uma parte da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas apesar disso membro do corpo total. Se é membro do corpo, é certamente mais o corpo do que o membro. A cabeça é o Senhor, e Cristo total é a cabeça e o corpo. Que mais direi? Temos no corpo da Igreja uma cabeça divina
, temos a Deus por cabeça.
Dêem os membros de Cristo à luz, no seu coração, Aquele que a Virgem Maria trouxe no seu seio, isto é, o próprio Cristo! E assim também vós sereis mães de Cristo. Não vos é impossível, não é uma coisa distante de vós, nem para além das vossas forças. Já fostes feitos filhos; agora tornais-vos mães. Já fostes feitos filhos; agora tornais-vos mães. Fostes feitos filhos da vossa mãe, quando fostes baptizados. Então nascestes como membros de Cristo.  Levai ao banho do baptismo os que puderes, para que, assim como fostes filhos, quando nascestes deste modo, assim,
levando outros a nascer, possais ser também mães de Cristo.

Agostinho de Hipona, sermão 25,7-8.

Deus nunca se arrepende do que faz

Ninguém muda, meu Deus, o teu lugar santo,
nem ninguém o passa para outro sítio,
pois não há nenhum poder acima dele.
Antes de escolheres outras moradas,
marcaste para Ti um santuário,
e nunca o trocarás por outros novos.
Deste o teu coração, Senhor, aos teus fiéis,
e não cessas de trabalhar e de dar fruto.
É por isso que uma só hora da tua fidelidade,
vale mais que todos os dias e anos.
Depois de revestir a tua graça,
quem poderá jamais ser condenado?
O teu sinal distintivo é um símbolo:
com ele assinalas as tuas criaturas,
os teus exércitos levam-no consigo,
e os Arcanjos, teus eleitos, com ele se vestem.
Deste-nos a tua comunhão,
e por ela nos desejas mais a nós
do que Te desejamos nós a Ti.
Asperge-nos com o teu orvalho
e abre-nos as fontes das tuas riquezas,
donde manam leite e mel.
Tu nunca Te arrependes do que fazes
e não voltas atrás no que prometes.
Junto de ti começa o que acabou:
tudo o que nos destes foi de graça,
e nunca mais no-lo tiras nem retomas.

Odes de Salomão, 4 
Procura ser o primeiro...

Acreditemos tudo por amor do verbo, imitemos com os nossos sofrimentos a sua paixão, honremos com o nosso sangue o seu Sangue,  e subamos corajosamente à sua cruz.
Se és Simão Cireneu, toma a cruz e segue o Senhor.
Se és crucificado com Ele como um ladrão, faz como o bom ladrão e reconhece a Deus; se por tua causa Ele foi tratado como um malfeitor, torna-te justo por seu amor.
Preso à tua cruz, adora Aquele que por ti foi crucificado; aprende a tirar proveito da tua própria iniquidade, adquire com a morte a salvação, entra com Jesus no Paraíso, para compreenderes o bem que perdeste com a tua queda, contempla a beleza daquele lugar e deixa que o ladrão rebelde fique dele excluído, morrendo na sua blasfémia.
Se és José de Arimateia, pede o Corpo de Cristo a quem O crucificou, e assim será tua a vítima que expiou o pecado do mundo.
Se és Nicodemos, o adorador nocturno de Deus, unge-O com aromas para a sua sepultura.
Se és Maria, ou a outra Maria, ou Salomé, ou Joana, chora por Ele, levanta-te de manhã cedo, e procura ser o primeiro a ver a pedra removida e a encontrar talvez os Anjos ou, melhor ainda, o próprio Jesus.

Gregório de Nazianzo, sermões.

Sou um dom concedido por Deus

Primeiro, sou um dom concedido por Deus às orações da minha esclarecida mãe.
Segundo, Deus recebeu da minha mãe um dom bem amado.
Terceiro, quando estava moribundo salvou-me a mesa imaculada.
Quarto, o Verbo concedeu-me uma palavra de dois gumes.
Quinto, a virgindade abraçou-me com os seus amáveis sonhos.
Sexto, celebrei os ofícios sagrados em unanimidade com Basílio.
Sétimo, o dador de toda a vida livrou-me dos abismos profundos.
Oitavo, de novo purificou as minhas mãos das enfermidades.
Nono, levei, ó rei, a Trindade à nova Roma.
Décimo, fui apedrejado mesmo pelos amigos.

Gregório de Nazianzo, Carmina de se ipso. 

Levanta-te, obra das minhas mãos...

“Eu te ordeno: Desperta, tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos. Levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, minha imagem e semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em Mim e Eu em ti, somos um só.
Levanta-te, vamos daqui. O inimigo expulsou-te da terra do paraíso; Eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas no trono celeste. Foste afastado da árvore, símbolo da vida; mas Eu, que sou a vida, estou agora junto de ti. Ordenei aos querubins que te guardassem como servo; agora ordeno aos querubins que te adorem como a Deus, embora não sejas Deus”.

De uma antiga homilia do Sábado Santo.
Faz do teu coração um Altar

Procura, ó homem, ser o sacrifício e o sacerdote de Deus; não percas aquilo que te foi dado pelo poder do Senhor. Reveste-te com a estola da santidade, cinge-te com o cíngulo da castidade; seja Cristo o capacete de protecção da tua cabeça; permaneça na tua fronte a cruz como defesa. Grava no teu peito o sinal da ciência divina; eleva continuamente a tua oração como perfume de incenso, empunha a espada do Espírito; faz do teu coração um altar. E assim, com toda a confiança, oferece o teu corpo como vítima a Deus.
Deus não quer a morte, mas a fé; não tem sede do teu sangue, mas do teu sacrifício; não se aplaca com a morte, mas com a vontade generosa.

Pedro Crisólogo, Sermões 108

A cruz, uma ponte sobre a morte

Glória a Vós, que lançastes a cruz, uma ponte sobre a morte, para que através dela passem as almas da região da morte para a vida!
Glória a Vós, que assumistes um corpo de homem mortal, para o transformares num manancial de vida em favor de todos os mortais!
Vós viveis para sempre! Aqueles que Vos mataram, procederam para com a vossa vida como os agricultores: lançaram à terra como um grão de trigo; mas ela ressuscitou e fez ressurgir consigo a multidão dos homens.
Vinde, ofereçamos o sacrifício grande e universal do nosso amor e entoemos, com grande alegria, cânticos e orações Àquele que Se ofereceu a Deus no sacrifício da cruz, para nos enriquecer por meio dela com a abundância dos seus dons.

Efrém, diácono, Sermão de Nosso Senhor.
O Amen é a vossa assinatura

Reparai, portanto, em vós mesmos, irmãos caríssimos.  Também vós sois membros de Cristo, também vós sois corpo de Cristo.
Também vós, a quem estou a falar, sois membros de Cristo.  Quem vos deu à luz? Escuto a voz dos vossos corações que dizem: a mãe Igreja. Esta vossa mãe é santa e honrada; e, como Maria, dá á luz e é virgem. A prova da sua maternidade está em todos vós: nascestes dela. Gerando-vos, ela gera Cristo, porque  vós sois membros de Cristo.
Se vós sois o corpo de Cristo e seus membros, é o sacramento do que vós sois que está colocado na mesa do Senhor; é o sacramento do que vós sois que vós recebeis. E ao que vós sois que respondeis Amen, e esta resposta é a vossa assinatura. Torna-te num membro do corpo de Cristo, para que este Amen seja verdadeiro.

Agostinho de Hipona, Sermões 25.8 e 27.2

Porquê tão tarde?

Tendo Deus disposto todas as coisas com seu Filho, permitiu que, até aos últimos tempos, vivêssemos desviados do recto caminho, atraídos pelos prazeres e paixões, e nos deixássemos arrastar por impulsos desordenados, segundo o nosso arbítrio. Não porque sentisse de algum modo prazer com os nossos pecados, mas tolerava-os; nem porque concordasse com o tempo passado favorável à iniquidade, mas porque preparava o tempo actual de justiça, a fim de que, durante esse tempo, reconhecendo-nos indignos da vida, em virtude das obras de cada um, agora, pela benignidade de Deus, fôssemos considerados dignos; e, reconhecendo claramente a nossa impossibilidade de entrar pelas próprias forças no reino de Deus, pudéssemos ter acesso a ele mediante o poder de Deus.

Carta a Diogneto

Água e Vinho

Ao oferecermos o cálice, devemos observar a tradição do Senhor, e não fazermos mais do que aquilo que Ele foi o primeiro a fazer por nós: oferecer em sua memória o cálice com uma mistura de vinho e água.
Quando Cristo levava em Si os nossos pecados, a todos nos levava. Por isso vemos que na água está figurado o povo, e no vinho o Sangue de Cristo. Quando o vinho se mistura à água no cálice, o povo é unido a Cristo, o povo dos crentes adere e une-se Àquele em quem crê. Por isso, quando se santifica o cálice do Senhor, não se pode oferecer apenas água, como também não se pode oferecer apenas vinho. Se alguém oferece só vinho, o Sangue de Cristo está sem nós; mas, se apenas se oferece água, o povo está sem Cristo. Por isso, o cálice do Senhor não é só água ou só vinho, mas a mistura de ambos, como o Corpo do Senhor também não pode ser só farinha ou só água, mas ambas as coisas misturadas na fusão de um só pão. 

CIPRIANO a Cornélio, bispo de Roma. Outono de 253

Amen

Amen significa verdade, e, todavia, não se lhe dá este sentido, podendo aliás ser dado: falo-vos verdade. Nem o texto grego lhe deu este sentido, nem o texto latino, pois a palavra Amen nem é grega nem é latina, mas é hebraica. 
A palavra Amen ficou sem tradução, para ser respeitada em virtude do véu de mistério que a envolve. Não foi para ser negada que se deixou sem tradução, mas para não se tornar banal.

Santo AGOSTINHO ,Tratado sobre o Evangelho de São João

Um fim e dois termos...

Todas as coisas têm um fim e os dois termos que se nos apresentam são a vida e a morte. Cada um irá para o seu lugar. É como se houvesse duas moedas, uma de Deus e outra do mundo. Cada uma delas tem gravado o seu próprio cunho. Os infiéis têm a imagem do mundo; os que permanecem fiéis na caridade têm a imagem de Deus Pai, por intermédio de Jesus Cristo. Se não estivermos dispostos a morrer para imitarmos a sua Paixão, também não teremos em nós a sua vida. 

INÁCIO DE ANTIOQUIA aos Magnésios

Fragilidade

Sempre que acontecer, irmãos caríssimos, que alguém, vítima da fragilidade humana, caia em qualquer pecado grave ou mesmo num crime, nem deve desesperar, porque Deus é justo, nem tranquilizar-se com excessiva confiança, porque é misericordioso; tema antes a sua justiça, de modo a procurar a sua misericórdia; confie na sua misericórdia, de modo a temer a sua justiça.
Se reconheceres a tua iniquidade, Deus perdoa-a. Por isso, ninguém desespere, mas ninguém espere mal. Desespera todo aquele que, mesmo fazendo penitência pelos seus pecados, crê que a providência divina não lhe perdoará; mas espera mal, aquele que guarda para muito mais tarde o remédio da penitência.

CESÁRIO DE ARLES, Sermões

Da reverência na oração

Se, quando temos algum pedido a fazer aos homens poderosos, não nos atrevemos a fazê-lo senão com humildade e reverência, com quanto maior razão devemos apresentar as suplicas ao Senhor do universo com toda a humildade e pureza de devoção. E saibamos que não é pelas muitas palavras que seremos atendidos, mas sim pela pureza de coração e compunção de lágrimas. Por isso, deve a oração ser breve e pura, salvo se um toque da inspiração divina nos levar a prolongá-la. No entanto, em comunidade, a oração deve ser muito breve.

SÃO BENTO, Regra 20 
Profundo abismo é desconhecer as Escrituras

Do abade Evágrio: “Retiras as tentações, e não haverá ninguém que te salve”.
Do abade Antão: “Tempo virá em que os homens enlouquecerão, e, ao verem alguém que não esteja louco, se erguerão contra ele, dizendo: ‘tu és louco’, porque não será semelhante a eles”.
Do Santo Epifânio, bispo de Chipre: “Grande precipício e profundo abismo é desconhecer as Escrituras”; “Sustentáculo poderoso para não se cometer pecado é a leitura das Escrituras”. 
Do abade João Curto: “Não é possível o homem construir uma casa de cima para baixo, mas é do fundamento para o alto que se edifica. O fundamento é o próximo, que deves lucrar; por aí é preciso começar. Com efeito, todos os preceitos de Cristo estão suspensos ao próximo”.
Um irmão perguntou ao abade Poimén: “como pode o homem evitar dizer palavras duras ao próximo?” ele respondeu: “Nós e nossos irmãos somos duas imagens: todas as vezes que o homem se considera a si mesmo e se acusa, o irmão lhe parece digno de honra; quando, porém, o homem se julga bom, acha o irmão mau em comparação a ele”.

Apoftegmas dos Padres, A sabedoria dos antigos monges (Lumen Christi)

Tornemo-nos espirituais

São três os ensinamentos do Senhor: a esperança da vida é o princípio e o fim da nossa fé; a justiça é o princípio e o fim do julgamento; a caridade, que traz consigo a felicidade e a alegria, é o testemunho de que as nossas obras são justas.  Efectivamente, o Senhor deu-nos a conhecer, por meio dos Profetas, o passado e o presente e fez-nos saborear as primícias do futuro. Ao contemplarmos como todas estas coisas se vão realizando a seu tempo, conforme Ele anunciou, devemos progredir sempre no santo temor de Deus, cada vez mais perfeito e profundo 
Fujamos, portanto, de toda a vaidade e odiemos de coração o caminho da iniquidade. Não vos isoleis, fechando-vos sobre vós mesmos, como se já estivésseis justificados, mas reuni-vos para procurar em comum o interesse de todos. Porque diz a Escritura: Ai dos que se julgam sábios e prudentes a seus próprios olhos. Tornemo-nos espirituais, façamos de nós um templo perfeito para Deus. Quanto nos seja possível, meditemos no temor de Deus e esforcemo-nos por guardar os seus mandamentos, para encontramos a nossa alegria na sua vontade. O Senhor julgará o mundo sem acepção de pessoas. Cada um receberá segundo o que fez: se foi bom, a sua justiça irá à sua frente; se foi mau, encontrará diante dele o salário da iniquidade. 

Epístola de BARNABÉ

O que é a Igreja?

Não se chama igreja a um lugar nem a uma casa feita com pedras e terra, e tão pouco se pode chamar igreja ao homem isolado, porque uma casa está sujeita à destruição e os homens à morte. Então o que é a Igreja? É a santa Assembleia daqueles que vivem na justiça. A Igreja é a concórdia, o caminho dos santos para a comunidade, o jardim espiritual de Deus, plantado em Cristo, como a Oriente, onde se vê toda a espécie de árvores: a linhagem dos Patriarcas que morreram no começo, as obras dos Profetas realizadas depois da Lei, o coro dos Apóstolos que recebiam a sua sabedoria do Verbo, o coro dos mártires salvos pelo sangue de Cristo, a teoria das Virgens santificadas pela água, o coro dos Doutores, a ordem dos Bispos, dos Presbíteros e dos Diáconos. Num ordenamento perfeito, todos estes santos florescem no meio da Igreja e não podem secar.

HIPÓLITO DE ROMA, Comentário a Daniel
Temor do Senhor

Todas as vezes que na Escritura se fala do temor do Senhor, devemos notar que nunca se fala dele isoladamente, como se ele bastasse para a perfeição da nossa fé, mas vem sempre acompanhado de muitas outras noções que nos ajudam a entender a sua natureza e perfeição. Vejamos quantos graus é preciso subir para chegar ao temor do Senhor: devemos invocar a sabedoria, chamar a prudência, buscá-la como a prata e procurá-la como um tesouro. Assim se chega à compreensão do temor do Senhor. Mas o temor tem geralmente entre os homens outro sentido. É a perturbação que experimenta a fraqueza humana quando receia vir a sofrer o que não quer que lhe aconteça. Este género de temor origina-se em nós pelo remorso da consciência, pela autoridade do mais poderoso, pela violência do mais forte, pela doença, pela ameaça de qualquer mal. Este temor não precisa de nos ser ensinado. Pelo contrário, sobre o temor do Senhor assim está escrito: Vinde, filhos, escutai-me, e ensinar-vos-ei o temor do Senhor. Portanto, se o temor de Deus é ensinado, deve-se aprender. Para nós, o temor de Deus fundamenta-se no amor.  É da mesa do Senhor que nós recebemos o nosso alimento: o pão da vida. Mas é à mesa das leituras dominicais que nós somos alimentados com a doutrina do Senhor.

HILÁRIO DE POITIERS, Tratado sobre o Salmo 127

VI

O mesmo Deus que age na natureza age nos corações

Lemos no Salmo: «A voz do Senhor ressoa sobre as águas, a majestade de Deus faz ecoar o seu trovão, o Senhor está sobre a vastidão das águas. A voz do Senhor é poderosa, a voz do Senhor é majestosa» (Sl 28, 3-4).
Estas palavras dizem respeito ao reino da natureza.
O que são as nuvens senão água? Quando das nuvens se faz ouvir um trovão, pensamos logo em Deus que faz ecoar a sua glória.
Mas se quiseres, podes entender este “trovoar de Deus” como aquele que se verificou depois do baptismo de Jesus na água: desde então começou a ressoar dentro das almas a forte voz do Evangelho para as conduzir à santidade.
O Evangelho é um trovão. Não é insignificante que o Senhor tenha mudado o nome a dois discípulos, chamando-os «filhos do trovão» (Mc 3, 17).
Neste caso as águas são os santos, no duplo sentido que acolhem «a água que jorra para a vida eterna» (Jo 4, 14) e que «do seu seio jorrarão rios de água viva» (Jo 7, 38), isto é, o ensinamento espiritual que irriga as outras almas.
Sobre estas águas está o Senhor, e a sua voz é majestosa.

Basílio de Cesareia, Homilia sobre o Salmo 28, 3.

É graças à nossa voz que as criaturas têm uma voz

O céu e a terra glorificam o Senhor. Todas as criaturas proclamam o que Ele existe. O céu grita a Deus: «Foste Tu que me fizeste, não me fiz a mim próprio». E a terra: «És tu o meu criador, foste Tu que me fizeste».
Mas quando e como proclamam esta verdade? Todas as vezes que o homem, refletindo sobre eles, descobre esta verdade. É graças ao teu olhar atento, é graças à tua voz que eles têm uma voz.
Contempla o céu e vê como é belo. E contempla a terra, vê como é bela. Ambos irradiam beleza.
Deus os fez, Deus os dirige, orienta o seu curso, está sempre presente na sua história, determina os seus movimentos, e fá-lo em relação com o que Ele é.
Eis a razão porque as criaturas o glorificam: aquelas que se movem e aquelas que são imóveis, o céu no alto e a terra em baixo, a perene juventude e a venerável velhice.
Este espetáculo que te é permitido contemplar, a alegria que eles te inspiram, o impulso com que te elevam para o sumo Artífice, a revelação do Ser inefável mediante aquilo que Ele criou: eis o testemunho do céu e da terra, testemunho que lhe prestas quando contemplas o céu e a terra.
Porque Ele fez todas as coisas, porque nenhuma realidade é maior do que Ele, todas as suas obras se apresentam dentro dele, e a todas Ele abrange. Se amas o que Ele fez, amas ainda mais Aquele que tudo fez. Se a criação é bela, infinitamente mais belo é Deus que nela se reflete.

Agostinho de Hipona, Sobre o Salmo 148, 15

É humilhante trabalhar?

Não é vergonha o trabalho, mas o ócio. Se o trabalho fosse uma vergonha, Paulo não teria trabalhado e não se teria vangloriado.
Ele era o mestre dos gentios, tinham-lhe sido confiados os habitantes da terra, a sua solicitude abrangia todas as igrejas que estavam debaixo do sol, e trabalhava noite e dia sem um momento de repouso.
E nós, sobre os quais não pesa sequer uma milésima parte das suas responsabilidades, nós que nem sequer podemos fazer uma ideia das suas preocupações, passamos toda a vida na ociosidade. Pergunto-vos como nos poderemos justificar, que esperança temos de obter perdão.
A origem de todos os males que feriram a humanidade está no facto de que muitos consideraram mais digno não ter uma ocupação do que trabalhar.
Paulo não se envergonhava de ter a agulha na mão e de coser peles, mesmo quando falava com pessoas importantes.
Pelo contrário, até se vangloriava: nas suas cartas deixou-nos, como um monumento de bronze, a recordação do seu ofício.
O trabalho que tinha aprendido em criança, não deixou de o exercer quando era adulto, apesar de Deus o ter iniciado nos seus insondáveis ofícios.

João Crisóstomo, Priscila e Aquila 1, 5

A Igreja na noite da perseguição

Se vires a Igreja dispersa e ferida pelas provas mais duras, se os seus membros forem vergastados, se quem preside ao seu governo for exilado em terras longínquas, não olhes apenas para estas tribulações.
Pensa também no que se segue: o salário, a recompensa, o prémio pela luta. «Aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo» (Mt 10, 22).
Os nossos pais dos tempos do Antigo Testamento viam os acontecimentos a contradizer as promessas de Deus, mas, no entanto, não se escandalizavam nem se perturbavam. Confiavam-se à incompreensível Providência.
Confiando na riqueza e na habilidade da sabedoria divina, esperavam o fim dos tempos. Mas enquanto não chegava, suportavam todas as adversidades dando graças e cantando a glória de Deus, ainda que Ele tivesse prometido essas provações.
Confronta os acontecimentos passados com o que acontece agora.
Descobrirás a tua pusilanimidade. Verás como são fracos aqueles que se escandalizam. Compreenderás que se escandalizam porque não confiam na incompreensível Providência.

João Crisóstomo, Sobre a Providência 9, 6

O despertar do preguiçoso

O sol, quando se ergue, difunde o seu esplendor por toda parte e a todos convida para o trabalho.
O agricultor pega na enxada e sai, o ferreiro empunha o martelo, cada operário volta a agarrar no seu instrumento de trabalho.
E o ocioso, o que faz o ocioso?
Quando se levanta, vai rapidamente encher o ventre, tal como o porco. Só os animais destinados ao matadouro, aqueles que valem apenas pela carne que fornecem, fazem como ele.
Os outros animais transportam fardos pesados, ajudam o homem: quando passou a noite, também eles vão trabalhar. O preguiçoso, pelo contrário, levanta-se com o sol já alto e os que trabalham já estão cansados. Levanta-se como um porco cheio de banha.
Se falo assim, é para vos ajudar a evitar a vida ociosa e inútil.
Que coisa é mais triste para um homem que nada faz? O que é mais deprimente e desprezível?
A alma é dinâmica por natureza e não suporta a inatividade.

João Crisóstomo, Sobre os Actos dos Apóstolos 35, 3

«Tinha fome e vós me destes de comer»

Sabei que quem trabalha, deve fazê-lo não tanto para satisfazer, com o seu esforço, as próprias necessidades, mas para realizar o mandamento do Senhor que disse: «Tinha fome e vós me destes de comer».
Pensar em si próprio é absolutamente proibido por estas palavras: «Não vos andeis preocupados, dizendo: “Que iremos comer? Ou, que iremos beber? Ou, que iremos vestir?” De facto, são os pagãos que andam à procura de tudo isso» (Mt 6, 31-32).
O objectivo que cada um deve ter em relação ao trabalho é, mais do que satisfazer a si próprio, ajudar aos indigentes.
Assim, evitaremos a reprovação de ser agarrados a nós próprios e receberemos a bênção que dá o Senhor a quem ama os irmãos. O Senhor disse: «O que fizestes a um dos mais pequenos, a mim o fizestes» (Mt 25, 40).
Aproxima-se, portanto, da perfeição aquele que trabalha dia e noite para socorrer os necessitados.

Basílio Magno, As regras maiores, 42

Desgraçado daquele que anda à procura de Aplausos

Quem exerce o ofício do magistério não deve procurar elogios, nem se deve desencorajar se estes lhe forem negados. Melhor, prepare as suas pregações de modo que agradem a Deus. Será este o melhor critério para saber se é bom pregador.
Quando não for elogiado, não procure os aplausos, nem se entristeça. A consciência de ter feito o possível para transmitir um ensinamento que recebesse a aprovação divina consolá-lo-á mais que qualquer outra coisa.
Se, pelo contrário, o desejo de ser louvado o atormenta, não terá mérito algum pela sua dura preparação e pela habilidade do seu discurso. Depois da pregação não terá sequer a capacidade para suportar as críticas que lhe são feitas. Como consequência atenuará o seu ardor e terá menos solicitude para se dedicar ao serviço da palavra.

João Crisóstomo, Sobre o sacerdócio 5, 7ss.

Para subir é preciso descer

Orígenes disse:
«Se não fores humilde e sereno, a graça do Espírito Santo não poderá habitar em ti».
Agostinho disse:
«Deus fez-se humilde, para que o homem se envergonhasse do seu orgulho».
Gregório Magno disse:
«Quanto mais se abaixa em humildade, mais progride pelos caminhos mais íngremes».
«Escutar a Palavra de Deus com humildade, facilita a entrada de Deus no nosso coração».
Isidoro disse:
«Quem progride nas virtudes sem humildade atira pó ao vento».

Defensor Grammaticus, Liber Scintillarum, 4

A sobriedade, sentinela do Espírito

A sobriedade é uma sentinela do espírito. Está vigilante dia e noite às portas do coração, para discernir os pensamentos que se apresentam, para escutar os seus propósitos, para observar o que o prejudica.
Acima de tudo, controla rigorosamente a imaginação, que é o único meio com o qual Satanás introduz os pensamentos na mente para a enganar.
Conserva, portanto, o teu coração num silêncio profundo, numa imperturbável tranquilidade.
Ainda, invoca incessantemente e humildemente a ajuda de Jesus.
Por fim, mantém viva na tua alma a recordação da morte.
É assim que esta sentinela impede que os piores pensamentos se aproximem.

Hesíquio, o sinaíta, Filocalia 1.

A sabedoria não é só conhecimento

Agostinho disse:
«Os sábios resplenderão como estrelas e quem é capaz de instruir os outros refulgirá na luz eterna».
«Alimenta a tua alma com as leituras divinas: elas te prepararão um banquete espiritual».
Jerónimo disse:
«É muito melhor exprimir-se com palavras rudes do que com eloquência contar mentiras».
Gregório disse:
«A sabedoria é temer a Deus e estar longe do mal».
«A primeira sabedoria é evitar o mal, a segunda fazer o bem».
«Quem quiser compreender o que escuta, deve apressar-se a traduzir em boas obras aquilo que conseguiu entender».
Isidoro disse:
«A simplicidade unida à ignorância chama-se esperteza, a simplicidade unida à prudência chama-se sabedoria».

Defensor Grammaticus, Liber Scintillarum, 18

Nem todas as feridas se curam com o mesmo remédio

Se amas somente os bons discípulos, não terás nisso mérito algum; o mérito está em ganhar pela bondade a confiança dos piores. Nem todas as feridas se curam com o mesmo remédio. Acalma a violência das febres com compressas suaves. Sê prudente em tudo como a serpente, mas sempre simples como a pomba. Sendo tu composto de alma e corpo, tens experiência das realidades, materiais e espirituais. Exercita humildemente a tua sabedoria nas coisas visíveis e pede que te sejam reveladas as coisas invisíveis, para que nada te falte e tenhas em abundância os bens espirituais. Como o navegante deseja ventos propícios e o que é surpreendido pela tempestade procura o porto, assim o tempo presente exige de ti que procures alcançar a Deus, juntamente com os que te foram confiados.

Inácio de Antioquia a Policarpo, Epistulae 2,1-3

Vê o que o Espírito faz...

Branda e suave é a sua aproximação; benigna e agradável é a sua presença; levíssimo é o seu jugo. A sua vinda é precedida pelas irradiações resplandecentes da sua luz e da sua ciência. Ele vem como protector fraterno: vem para salvar, curar, ensinar, aconselhar, fortalecer, consolar, iluminar a alma de quem O recebe, e depois, por meio desse, a alma dos outros.
E assim como aquele que se encontrava nas trevas, ao nascer do sol recebe nos olhos a sua luz e começa a contemplar com clareza o que antes não via, também o que se tornou digno do dom do Espírito Santo, recebe na alma a sua luz e, elevado acima da inteligência humana, começa a ver o que antes ignorava.

Cirilo de Jerusalém, Catequese 16.

Porque se reza o Magnificat na hora de vésperas?

«A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador». Com estas palavras Maria reconhece, em primeiro lugar, os dons singulares que Lhe foram concedidos e enumera depois os benefícios universais com que Deus favorece continuamente o género humano.
Por isso se introduziu na liturgia da santa Igreja o costume, belo e salutar, de cantarem todos este hino de Maria na salmodia vespertina, para que o espírito dos fiéis, ao recordar assiduamente o mistério da Encarnação do Senhor, se entregue com generosidade ao serviço divino e, lembrando-se constantemente dos exemplos da Mãe de Deus, se confirme na verdadeira santidade. E pareceu muito oportuno que isto se fizesse na hora de Vésperas, para que a nossa mente, fatigada e distraída ao longo do dia com pensamentos diversos, encontre o recolhimento e a paz de espírito ao aproximar-se o tempo de descanso.

Beda Venerável, homilias

São pobres e enriquecem os outros!

[Os cristãos] amam toda a gente e toda a gente os persegue. Condenam-nos sem os conhecerem; conduzem-nos à morte, mas o número dos cristãos cresce continuamente. São pobres e enriquecem os outros; tudo lhes falta e tudo lhes sobra. São desprezados, mas no desprezo encontram a sua glória; são caluniados, mas transparece o testemunho da sua justiça. Amaldiçoam-nos e eles abençoam. Sofrem afrontas e pagam com honras. Praticam o bem e são castigados como malfeitores; e, ao serem executados, alegram-se como se lhes dessem vida.

Carta a Diogneto

Eucaristia fonte de vida

O ramo de videira, mergulhado na terra, frutifica no tempo devido, e o grão de trigo, caído na terra e dissolvendo-se, multiplica-se pelo Espírito de Deus que sustenta todas as coisas. Em seguida, pela arte de fabricação, são transformados para uso do homem e, recebendo a palavra de Deus, convertem-se na Eucaristia, que é o Corpo e Sangue de Cristo. Assim também os nossos corpos, nutridos pela Eucaristia, depositados na terra e nela desintegrados, ressuscitarão a seu tempo, quando o Verbo de Deus lhes conceder a ressurreição para Glória de Deus Pai. É Ele que reveste o corpo mortal com a sua imortalidade e dá gratuitamente a incorruptibilidade à carne corruptível, porque é na fraqueza do homem que se manifesta o poder de Deus.

Ireneu de Lião, Contra as heresias, livro V, 2,3

Queres um corpo límpido e transparente?

Pelo Espírito Santo os corações são elevados para o alto, os fracos são conduzidos pela mão, os que progridem na virtude chegam à perfeição. Ele ilumina os que foram purificados de toda a mancha e torna-os espirituais pela comunhão com Ele. E como os corpos límpidos e transparentes, sob a acção da luz, se tornam também eles extraordinariamente brilhantes e irradiam um novo fulgor, assim as almas que possuem o Espírito e por Ele são iluminadas se tornam também elas espirituais e irradiam sobre os outros a sua graça. 

Basílio Magno, Tratado sobre o Espírito Santo 9, 22-23

Primeira oração Cristã extra-bíblica

Senhor, para que esperemos no teu nome, princípio de todas as criaturas, abriste os olhos do nosso coração
para Te conhecermos como o único Altíssimo nos céus altíssimos,
como o Santo que repousa entre os santos:
que humilhas a arrogância dos insolentes e frustras os planos das nações,
que exaltas os humildes e humilhas os soberbos,
que dás a riqueza e a pobreza, a morte, a salvação e a vida,
único benfeitor dos espíritos e Deus de toda a carne;
que sondas os abismos e observas as ações dos homens,
que socorres os que estão em perigo e salvas os desesperados,
que criaste todo o ser vivo e velas por ele;
que multiplicas os povos na terra e de entre todos escolhes os que Te amam,
por Jesus Cristo, teu amado Filho, pelo qual nos ensinaste, santificaste e honraste.

Clemente Romano, Epistula ad Corinthios 59, 3.

Os Mandamentos inscritos no coração

Satisfeitos com as provisões que Cristo vos dava e atentos às suas palavras, vós as guardáveis cuidadosamente no coração, trazendo os seus sofrimentos diante dos vossos olhos. Deste modo, a todos era concedida uma paz profunda e esplêndida e o desejo insaciável de fazer o bem, pela abundante efusão do Espírito Santo. Cheios de um santo desejo, e com alegria, estendíeis as vossas mãos para Deus todo-poderoso, implorando a sua misericórdia, quando involuntariamente cometíeis algum pecado. Combatíeis, dia e de noite, pela comunidade dos irmãos, a fim de conseguir, graças a essa misericórdia e sentir comuns, a salvação de todos os eleitos. Éreis sinceros, simples e sem malícia para com os outros. Abomináveis toda a revolta e todo o cisma, choráveis os pecados do próximo, consideráveis vossas as suas necessidades. Éreis insaciáveis em toda a espécie de bem-fazer, sempre prontos para toda a boa obra. Adornados por uma vida cheia de virtude e digna de veneração, tudo fazíeis no temor de Deus. Os mandamentos e preceitos do Senhor estavam inscritos no vosso coração.

Clemente Romano, Epistula ad Corinthios 2, 1b-8

Pela soberba descemos e pela humildade subimos

E assim, irmãos, se queremos atingir o cume da suprema humildade e chegar rapidamente àquela celeste altura à qual se sobe pela humildade da vida presente, necessário se torna, pela ascensão das nossas obras, erguer aquela escada que em sonhos apareceu a Jacob, pela qual se viam anjos a descer e subir. Sem dúvida que outra coisa não significa para nós aquele descer e subir senão que pela soberba descemos e pela humildade subimos. E a escada assim erguida é a nossa vida neste mundo, a qual, se o nosso coração se humilhar, o Senhor erguerá até ao céu. Os varais desta escada, podemos dizer, o nosso corpo e nossa alma; nos quais o chamamento divino colocou, para os subirmos, diversos degraus de humildade e perfeição espiritual.

Bento de Núrcia, Regra 7, 5-99

É melhor calar....

Melhor é calar-se e ser, do que falar e não ser. É bom ensinar, desde que se pratique o que se ensina. Um só é o Mestre que disse e foi feito; mas também é digno do Pai o que Ele fez em silêncio. O que possui a palavra de Jesus é capaz de perceber também o seu silêncio e chegar à perfeição, agindo segundo a sua palavra e fazendo-se reconhecer pelo seu silêncio. Nada se pode ocultar ao Senhor, e até os mais íntimos segredos estão na sua presença. Façamos pois tudo com a consciência de que Ele habita em nós, para que sejamos realmente seus templos e Ele seja o nosso Deus em nós. Assim é, de facto, e assim há-de manifestar-Se aos nossos olhos, se O amarmos perfeitamente.

Inácio de Antioquia aos Efésios, Epistulae 15,1-3

Porque confessamos a Deus, se ele tudo sabe?

Porventura, Senhor, sendo tua a eternidade, ignoras o que te digo ou vedes a cada instante o que se passa no tempo? Por que motivo é que, então, eu faço para ti a narração de todas estas coisas? Não é, decerto, para que as conheçais por mim, mas apenas desperto o meu afecto para convosco, bem como o daqueles que lêem estas páginas, a fim de que todos possamos dizer: Grande é o Senhor e digno de todo o louvor. Já o disse e voltarei a dizê-lo: é por amor do vosso amor que o faço. Com efeito, por um lado nós oramos, não obstante, por outro lado a Verdade diz-nos: O vosso Pai conhece aquilo de que necessitais, antes mesmo de lho pedirdes. Por isso, manifestámos o nosso afecto para convosco, confessando-vos as nossas misérias e proclamando as vossas misericórdias para connosco, para que concluais a obra da nossa libertação, já que a começastes, para que deixemos de ser infelizes em nós e sejamos felizes em Vós, porque nos chamastes para sermos pobres de espírito, e mansos, e pessoas que choram, e têm fome e sede de justiça, e misericordiosos, e puros de coração, e obreiros da paz.

Santo Agostinho, Confissões XI,I

Em vez da terra dá-nos de novo o Céu

O Espírito Santo, que é Deus, juntamente com o Pai e o Filho, renova-nos no baptismo, e do nosso estado de imperfeição nos reintegra na primitiva beleza, enchendo-nos com a sua graça, de maneira que já não possamos admitir em nós alguma coisa que não deva ser desejada. Além disso, livra-nos do pecado e da morte, e de terrenos que somos, isto é, feitos do pó da terra, torna-nos espirituais, participantes da glória divina, filhos e herdeiros de Deus Pai, conformes à imagem do Filho, seus irmãos e herdeiros com Ele, destinados a ser um dia glorificados e a reinar com Ele. Em vez da terra dá-nos de novo o Céu, abre-nos generosamente as portas do paraíso, honra-nos mais que aos próprios Anjos; e com as águas divinas do baptismo apaga as alterosas e inextinguíveis chamas do inferno.

Dídimo, o Cego, Sobre a Trindade, II livro.

Aleluia

Cromácio de Aquileia:
Há uma palavra hebraica que ressoa sem cessar na Igreja e nos convida a louvar a Deus e a confessar a verdadeira fé: é a palavra Aleluia. Com efeito, Aleluia, traduzido de hebreu para latim significa: Cantai para Aquele que é, ou: Senhor, abençoai-nos a todos, ou ainda: Louvai o Senhor, coisas que são todas indispensáveis à nossa salvação e à nossa fé.
Sermão 33

Santo Agostinho:
Que significa o Aleluia? Aleluia é uma palavra hebraica que significa “Louvai a Deus”. Alelu: louvai; Ia: a Deus. Com o Aleluia entoamos um louvor a Deus e incitamo-nos mutuamente a louvá-l’O. Proclamamos os louvores de Deus, cantamos o Aleluia com os corações mais concordantes do que as cordas da cítara. E, depois de o termos cantado, devido à nossa fragilidade, vamo-nos embora para refazer as forças do corpo.
Sermão 243

Não acabará o que havemos de ver

Um dia chegaremos à casa de Deus, que está nos Céus. Aí louvaremos o Senhor, não cinquenta dias, mas, como está escrito, pelos séculos dos séculos. Havemos de O ver, de O amar, de O louvar.
Não acabará o que havemos de ver, não morrerá o que havemos de amar, não se calará o que havemos de louvar. Tudo será eterno, tudo será sem fim. Louvemos, louvemos, não apenas com a voz; louvemos também com o modo de viver. Louvem os lábios, louve a vida. Não andem zangadas a língua e a vida, mas animadas por uma caridade infinita.
Voltemo-nos para o Senhor Deus, Pai todo-poderoso, com um coração tão puro quanto o permita a nossa fraqueza, e dêmos-Lhe grandes e sinceras acções de graças. Com toda a nossa alma, supliquemos à bondade infinita que Se digne escutar favoravelmente as nossas preces e afastar, pelo seu poder, o nosso Inimigo, tanto das nossas acções como dos nossos pensamentos.
O Senhor aumente a nossa fé, dirija o nosso espírito, nos dê a graça de pensar espiritualmente e nos conduza até à felicidade que é Ele mesmo, por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina como Deus, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amen.

Santo Agostinho, Sermão do Tempo pascal

O Abade amava-o por causa da sua obediência

A respeito do abade Silvano contavam que tinha um discípulo na Cétia, chamado Marcos, o qual era dotado de grande obediência e boa caligrafia. O ancião amava-o por causa da sua obediência. Além disso tinha outros onze discípulos, que sofriam porque ele amava mais a Marcos acima de todos. Ora, os anciãos, ao saberem disto, entristeceram-se. Um dia foram, pois, procurar o abade Silvano e reprenderam-no. Este saiu, levando-os consigo, e foi batendo à porta de cada cela, dizendo: “irmão tal, vem, pois preciso de ti”. Nenhum deles o seguiu imediatamente. Quando, porém, chegou á vez de Marcos, bateu e disse: “Marcos”. Este, ao ouvir a voz do ancião, logo abriu a porta; e o abade mandou-o ao serviço. A seguir, perguntou aos anciãos: “onde estão os outros irmãos, ó Padres?” Também entrou na cela de Marcos, e revistou o seu caderno, averiguando que havia começado a desenhar um Ómega (última letra do alfabeto grego), mas ouvindo a voz do ancião, logo deixou de o completar. Disseram então os anciãos: “Em verdade, aquele que tu amas, ó abade, também nós o amamos e Deus também o ama”.

Apoftegmas dos Padres, A sabedoria dos antigos monges


A sombra na lei, a imagem no Evangelho, a verdade nas realidades celestes

Em que imagem caminha o homem? Certamente à imagem e semelhança em que foi criado, isto é, na imagem de Deus. Mas a imagem de Deus é Cristo, que é o esplendor da glória e imagem fiel da sua substância. Cristo é, portanto, a imagem da santidade divina. Esta imagem veio à terra para [revelar] a imagem, para nos fazer caminhar não mais na sombra, mas na imagem [Evangelho]. De facto, quem segue o Evangelho, caminha em Cristo. Por isso diz Ele aos seus discípulos: vem atrás de mim, e assim me seguirás. O povo dos Judeus errou exactamente porque caminhou na sombra [lei]; o povo cristão não erra porque caminha na imagem, dado que possui o sol de justiça que ilumina. Imagem bela que reproduz a plenitude da divindade. Nesta imagem mostram-se em conjunto o Pai e o Filho, pois a unidade do agir revela o esplendor de ambos. Apesar de Cristo ter ressuscitado, a sua imagem continua a mostrar-se no Evangelho.
A sombra na lei, a imagem no Evangelho, a verdade nas realidades celestes. As coisas que se celebram agora na Igreja estavam como sombra nas palavras dos profetas. Mas já passou a sombra da noite das trevas dos Judeus, e surgiu o dia da Igreja. Agora vemos os bens como em imagens e possuímos os bens da própria imagem.

Ambrósio de Milão, Comentário ao salmo 38

Louvor e Acção de graças

É digno e justo, nosso Deus, dar-Te graças sem cessar por todos os benefícios que nos concedeste, e em primeiro lugar por nos teres enviado do Céu o teu Filho santo, que contigo está sentado no trono do teu Reino, o Filho que é co-eterno contigo,
Deus Verbo, que veio nos últimos dias, assumindo a nossa humanidade, Verbo feito carne sem sofrer qualquer mudança. Ele tomou, pelo Espírito Santo, corpo e alma racional de homem e todas as coisas que há́ no homem excepto o pecado. Não o fez como se, de algum modo, habitasse no homem, mas como Deus Verbo perfeito, perfeitamente encarnado, sem mudar a humanidade. Não sendo dois, mas um só Rei, um só Cristo, um só Senhor na divindade e na humanidade, sem confusão nem divisão, Ele confirmou a sua natureza divina e humana por meio de sinais divinos e sofrimentos humanos.

Anáfora atribuída a Pseudo Epifânio

O baptizado é um iluminado

A filantropia [amor à humanidade] de Cristo por nós é inexplicável. Ele enriqueceu com muitos dons a sua Igreja. Grande nos seus desígnios e poderoso nas suas obras, resgatou da maldição da Lei a nossa natureza, libertando-a do antigo documento de dívida. Na árvore da Cruz, triunfou daquele que tinha feito vacilar Adão por meio da árvore. Ele destruiu o aguilhão da temerosa morte e renovou os que tinham envelhecido no pecado, não pelo fogo, mas pela água. Mostrou que aquele túmulo de três dias se tornara numa porta que levava à Ressurreição. Os que não tinham direito de cidadania em Israel, proclamou-os concidadãos e familiares dos santos. Aos que eram estranhos às promessas da aliança, entregou-lhes os mistérios celestes. Deu gratuitamente o Espírito aos que não tinham esperança, como garantia de salvação. Aos que no mundo estavam sem Deus, fê-los templos da Trindade. Os que outrora andavam longe, não pelo lugar, mas pela sua maneira de viver, não pela distância, mas pela intenção, não pelo espaçamento mas pelo culto, tornou-os próximos pela cruz salvadora, abraçando aqueles que se mostravam renitentes. Fora realmente isso o que o Profeta anunciara. Quem ouviu jamais tal coisa ou viu algo semelhante. Todos os Anjos estão cheios de espanto diante do mistério. Todos os poderes celestes tremem diante do prodígio. O trono não cessou de estar ocupado e o mundo foi salvo. Sem Se afastar dos Céus, Ele libertou a terra. Não fugiu do seio do Pai, mas despojou o Inferno. Permaneceu imutável, mas tornou-Se a veste dos novos iluminados. Vê, pois, ó novo iluminado, de que mistérios foste julgado digno.

Basílio de Selêucia, Homilia na Santa Páscoa

Tens o soldado, dá-lhe as armas para a luta

Porque dissemos que a imposição das mãos e a confirmação podem confirmar alguma coisa em quem foi baptizado, talvez alguém pense: «Para que serve o sacramento da confirmação depois do sacramento do baptismo?» ou: «Ao que parece, não recebemos tudo da fonte, dado que, depois dela, precisamos de algo mais». Não se trata disso, caríssimos. Vede bem. Assim como a ordem militar exige que, quando o imperador admite alguém no seu exército, não apenas inscreva aquele que se alistou, mas também o prepare para a luta com armas adequadas, assim também aquela bênção é uma protecção para quem foi baptizado. Tens o soldado, dá-lhe as armas para a luta. Acaso adianta alguma coisa aos pais deixar ao filho (menor) uma grande herança, se não procuram deixar-lhe um tutor? Por isso, o Espírito Santo, que desceu sobre as águas do baptismo numa irrupção salvadora, na fonte baptismal concede a plenitude da inocência, e na confirmação concede o aumento da graça, uma vez que os que vivem a sua vida neste mundo têm de caminhar no meio de inimigos invisíveis e de perigos. No baptismo renascemos para a vida; depois do baptismo somos confirmados para o combate. No baptismo somos lavados; depois do baptismo somos robustecidos. Aquilo que a imposição da mão, na confirmação dos neófitos, concede a cada um é o que a vinda do Espírito Santo sobre o povo concedeu a todos.

Fausto de Riez, Homilia para o Pentecostes

Deus escuta a voz da fé e não o som das palavras

Entre outros ensinamentos salutares, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo deu aos seus discípulos, que lhe perguntavam como deviam orar, a oração do Pai-Nosso. Eis como Ele ensinou os seus discípulos a orar a Deus, o Pai todo-poderoso: Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e ora ao teu Pai. Ao referir-se a um quarto, não está a falar de uma divisão retirada da casa, mas recorda que os segredos do nosso coração só a Ele se descobrem. A obrigação de rezar a Deus com as portas fechadas, significa que devemos misticamente fechar o coração a todo o mau pensamento, como se o fizéssemos com uma chave e, de boca fechada, falar a Deus com espírito puro. Deus escuta a voz da fé e não o som das palavras. Fechemos, pois, o nosso coração, com a chave da fé, aos enganos do Adversário, e abramo-lo só a Deus. Sabemos que este coração é um templo. Assista-nos, quando oramos, Aquele que aí habita.

Cromácio de Aquileia, Sermão 40, Explicação da Oração dominical

VII

Há três modos de mentir

Há três modos de mentir: há quem mente com o pensamento, quem mente com a palavra e quem mente com a própria vida.
Mente com o pensamento, por exemplo, o homem suspeitoso. Se vê dois a conversar, rapidamente imagina: «Falam de mim!». Se interrompem o discurso, está convencido que o fazem porque o viram chegar. Qualquer palavra a mais, interpreta-a como uma indireta à sua pessoa. Este sujeito não procura a verdade, mas compraz-se com a conjetura. Daqui provém a curiosidade indiscreta, a maledicência, o hábito de espreitar, de começar discussões, de julgar.
Mente com a palavra, por exemplo, o preguiçoso que se levanta tarde e não consegue dizer: «Desculpa, deixei-me levar pela preguiça», mas começa a dizer: «Tinha febre, não me conseguia levantar». Semelhante a ele é aquele que, desejando alguma coisa, não se decide a dizer: «Precisava de», mas joga com as palavras: «Sinto-me mal, tenho necessidade disto ou daquilo...».
Por fim, há também aqueles que mentem com a vida: um libertino que finge ser casto, um avarento que exalta o amor pelos pobres... Gente dupla: de uma maneira por dentro, de outra maneira por fora. Toda a sua existência é duplicidade e comédia.

Doroteu de Gaza, Doutrinas 9

Devagarinho, com o leite de Deus

Talvez alguém perguntará: porque é que Deus, desde o início, não fez o homem perfeito?
Peguemos num menino muito pequeno. A mãe poderia dar-lhe alimentos sólidos, mas o menino não seria capaz de os digerir. Também Deus poderia ter dado ao homem, desde o início, a perfeição, mas o homem não seria capaz de a receber.
Foi por este motivo que, nos últimos tempos, Deus veio ao nosso encontro.
Também desta vez não se manifestou tal como é, mas segundo a nossa capacidade de o vermos. Poderia ter-se manifestado na sua glória indiscritível, mas não seriamos capazes de suportar tanto esplendor.
Por isso, apresentou-se – por assim dizer – como leite, ainda que fosse o pão perfeito do Pai. Queria nutrir-nos – falando sempre por imagens – com os seios da sua carne. Nós, com tal aleitamento, habituámo-nos a beber e a comer o Verbo de Deus.

Ireneu, Contra as heresias 4, 62

O Homem, testemunha do desconhecido

Pensando em como é feito o homem, admirámo-nos pela sabedoria do Criador que se manifesta em nós.
Basta observar as diversas funções dos sentidos, os quais, partindo de um único centro, o cérebro, comunicam-lhe as várias percepções: a vista, o cheiro, o gosto, o tacto.
E observar os outros órgãos, tanto internos como externos. E a memória, que recolhe os numerosos e diferentes elementos sem os confundir e alterar. E os muitos actos de conhecimento que não se excluem uns aos outros, mas interagem no momento oportuno.
Não podemos, então, deter-nos um pouco e exclamar com o salmista: «É um saber maravilhoso que me ultrapassa, é alto demais, não o posso atingir!» (Sl 139, 6).
De facto, quem poderá explicar totalmente a harmonia que se revela no nosso corpo e a acutilância que brota da alma? Muitos pensadores escreveram sobre este argumento. No entanto, o que foi dito é apenas uma pequena porção do que falta dizer, porque a razão humana não pode alcançar a sabedoria divina.
Eis, por isso, o comportamento do salmista: ele exalta Deus por aquilo que compreende, mas confessa-se vencido: não consegue abraçar todas as maravilhas que se observam no homem.
Essa confissão é já um digno cântico de louvor.

Teodoreto, Terapia dos débeis pagãos 5, 81

A paciência é o nosso Martírio

Gregório Magno disse:
«Não receberá o dom da paz aquele que, com a sua ira, destrói a paz do Senhor.
A verdadeira paciência é suportar com ânimo imperturbável o mal que os outros lhe fizeram e não guardar ressentimento. É suportar estes irmãos, amando-os. Aquele que os suporta com ódio está longe da mansidão.
A paciência aumenta com o crescer do amor. Suportamos o próximo se também o amarmos. Se amas, suportas. Se deixares de amar, deixarás de suportar. A quem menos amamos, menos suportamos.
Podemos ser mártires ainda que a espada não nos corte a cabeça, mas porque estamos sinceramente decididos a conservar a paciência no coração».

Defensor Grammaticus, Liber Scintillarum, 2

Deus fez a criação para ti

Bela, harmoniosa, a criação. Deus fê-la unicamente para ti.
Fê-la bela, grande, variada, rica, capaz de satisfazer todas as necessidades, de nutrir o corpo e até de desenvolver a vida da alma, conduzindo-a para o conhecimento dele próprio. E tudo isto, para ti.
Para ti embelezou o céu com as estrelas, adornou-o com o sol e com a lua: para ti, para que obtenhas satisfação e tires proveito.
O que é que há de mais maravilhoso do que o céu que de dia resplende debaixo do sol e de noite, como se fosse habitado por olhos ardentes, ilumina a terra com inumeráveis estrelas?
Verdadeiros guias para os marinheiros e para os viajantes que quase os conduzem pela mão.
Nas trevas de uma noite sem lua, o timoneiro avança confiante ao longo do itinerário que lhe é indicado pelas estrelas. As estrelas estão longe, no entanto guiam-no com precisão como se estivessem ao seu lado. Sem lhe dizer uma palavra, conduzem-no ao porto desejado.

João Crisóstomo, Sobre a providência 7, 2

Do visível para o invisível

Se olhares para o céu – diz a Escritura – a sua ordem conduzir-te-á à fé. Ele, de facto, revela o seu Artífice. Se olhares para as belezas da terra, elas ajudar-te-ão a aumentar a tua fé.
É verdade: alcançamos a fé não porque conseguimos ver a Deus com os olhos do corpo, mas porque O vemos com a mente, que tem percepção do Invisível através do visível.
Olha para uma pedra e nela encontrarás traços do Criador. E assim com a formiga, a abelha ou a melga.
A sabedoria do Criador transparece nas coisas mais pequenas. Foi Ele que espalhou os céus e estendeu a imensidão dos mares, e foi Ele que fez a concavidade do finíssimo casulo das abelhas.
Todas as realidades do mundo são propícias para a fé, não para a incredulidade.

Basílio, Sobre o Salmo 32, 3

A oração nasce da Alegria

A oração é ascender a Deus.
Aquele que ama Deus conversa com Ele incessantemente como se faz com um pai, afastando todas as paixões do seu pensamento.
Se queres orar de modo justo, procura não entristecer ninguém. Caso contrário, será vã a tua oração.
«Vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Toma a tua cruz e renega-te a ti mesmo» (Mt 19, 21). Procede deste modo para poderes rezar sem que nada te distraia. Renega continuamente a ti mesmo e suporta sabiamente todas as provas, por amor da oração.
No momento da oração receberás o fruto de cada pena que sabiamente tiveres suportado.
A oração nasce da alegria e da gratidão.
A oração faz germinar a mansidão no teu coração.
A oração livra-nos da tristeza e do desencorajamento.

Evágrio Pôntico, Sentenças sobre a oração 14.

Isto é verídico 

É costume antigo em Constantinopla, quando sobra grande quantidade de partículas sagradas do Corpo imaculado de Cristo nosso Deus, chamarem-se crianças inocentes, de entre as que frequentam as escolas dos gramáticos, para que elas as comam. 
Numa dessas ocasiões foi chamado, juntamente com outras crianças, o filho de um vidreiro de raça judia. Perguntando-lhe seus pais o motivo da sua demora, contou-lhes o que tinha sucedido e o que tinha comido com os outros meninos. O pai, cheio de ira, pegou no menino e lançou-o no forno ardente, em que costumava cozer o vidro. 
A mãe procurou o menino por toda a parte e, não o podendo encontrar, começou a percorrer a cidade a chorar e a gritar. Três dias depois, estando a chorar e a bater no peito à porta da oficina do seu marido, começou a chamar o filho pelo nome. Então a criança, conhecendo a voz da mãe, respondeu-lhe de dentro do forno. 
Ela, arrombando as portas entrou na oficina, viu o filho de pé entre as chamas, sem que o fogo lhe tivesse tocado. Perguntando-lhe de que modo ficara ileso, o menino respondeu que uma mulher, com um vestido de púrpura, tinha vindo muitas vezes até junto dele, e lhe tinha dado água, apagara as brasas que estavam perto dele e lhe dera de comer. 
Quando estas notícias chegaram ao conhecimento de Justiniano, depois de o menino e sua mãe terem sido iluminados pelo banho de regeneração, inscreveu-os entre o clero. Isto é verídico. 

Evágrio Eclesiástico (sec. VII), História Eclesiástica, Livro IV, 36

À entrada da casa

A graça de Deus age de vários modos sobre os homens.
Há quem, movido por grande ardor, multiplica o número das orações. E quem, pelo contrário, é impelido pela quietude interior a diminuir o número das orações, chegando a dizer apenas uma.
Em certos casos, as palavras da oração tornam-se extraordinariamente suaves. Então, torna-se espontânea a repetição incessante da mesma palavra, sem que haja necessidade de passar à palavra seguinte.
Noutros casos, as palavras da oração conduzem à contemplação, chegando a desaparecer pouco a pouco, entrando a alma em êxtase, tornando-se insensível ao mundo.
Neste progresso da oração, os movimentos da língua e do coração são como os escravos da casa.
À entrada da casa a língua cala-se, os lábios tornam-se mudos. Devem calar-se também o coração e a razão, tal como os sentidos e os pensamentos. Sim, porque o Senhor da casa, isto é, da alma, vai nela entrando.
Dentro de casa, o objecto da oração é esquecido. A actividade do espírito encontra-se submersa num mar inebriante. O homem deixa de conhecer o mundo. Santa, feliz ignorância.

Isaac de Nínive, Filocalia

Como os olhos têm necessidade da Luz

Para ver as coisas visíveis temos necessidade dos olhos do corpo.
Para compreender as coisas inteligíveis temos necessidade dos olhos da mente.
Para a visão das coisas divinas temos de nos servir da fé.
Aquilo que os olhos são para o corpo, é a fé para a razão.
Mais precisamente: os olhos têm necessidade que a luz os ponha em contacto com as coisas visíveis. Do mesmo modo, a razão tem necessidade que a fé lhe mostre as coisas divinas.

Teodoreto, Terapia dos débeis pagãos 5, 81

Bento, o novo Moisés: a água que brota do rochedo

De entre aqueles mosteiros que Bento ali construiu, três ficavam lá em cima, entre os rochedos do monte, e era muito penoso aos monges estar sempre a descer à albufeira a buscar água; tanto mais que a escarpa do monte era muito perigosa e não se podia descer sem receio. Então, todos juntos, os monges daqueles três mosteiros foram ter com o servo de Deus Bento e disseram-lhe:
- É-nos muito penoso descer todos os dias à represa a buscar água; os mosteiros têm de ser mudados para outro sítio.
Bento consolou-os com palavras de brandura e despediu-os. Mas naquela mesma noite, ele mais o menino Plácido, de que acima fizemos menção, subiu à cumeada do monte e ali fez oração prolongada. Terminada a oração, pegou em três pedras e colocou-as naquele sítio por sinal; e regressou ao mosteiro, sem que lá em cima ninguém se tivesse dado conta da sua presença. No dia seguinte, como os ditos monges voltassem a procurá-lo para lhe exporem a necessidade da água, ele disse-lhes:
- Ide lá. E no penhasco onde virdes três pedras postas umas em cima das outras, cavai um pouco; que poderoso é Deus para, mesmo naquele cerro, fazer correr água, dignando-se assim poupar-vos o trabalho de tal caminhada.
Eles foram, e encontraram já a ressumar o penhasco que Bento lhes indicara. E fazendo nele uma poça, ficou logo cheia de água, a qual manou em tal abundância que, até agora, tem corrido em caudal, derivando do cume do monte até ao fundo do vale.

GREGÓRIO,
II livro dos diálogos, cap. V


Arma durante a noite, ensino durante o dia

Que há de mais agradável que um salmo? Assim se exprime admiravelmente o próprio David: louvai o Senhor, porque é bom cantar salmos; é agradável e justo celebrar o seu louvor. Na verdade, o salmo é a bênção do povo, o louvor de Deus, o hino dos fiéis, o aplauso da assembleia, a palavra da multidão, a voz da Igreja, a exultante confissão da fé, a expressão da autêntica piedade, a alegria da liberdade, o clamor do júbilo, a exultação da alegria. Ele acalma a ira, afasta a ansiedade, alivia a tristeza. É arma durante a noite, ensino durante o dia; é escudo no temor, festa na santidade, imagem da tranquilidade, penhor da paz e da concórdia, que, à semelhança da cítara, com vozes diversas e distintas, exprime uma única canção. Exulta o salmo ao nascer do dia; ressoa o salmo ao cair da noite.

AMBRÓSIO,
comentário sobre os salmos


Os seus raios ressuscitaram-me

Como o sol é a alegria dos que buscam o seu dia,
assim a minha alegria é o Senhor,
porque Ele é o meu Sol.
Os seus raios ressuscitaram-me,
e a sua luz dissipou todas as trevas
diante do meu rosto.
Graças a Ele recebi olhos
para contemplar o seu dia santo,
ouvidos para escutar a verdade,
entendimento para captar a ciência,
e assim consegui a alegria.
Abandonei a vida errante,
caminhei para Ele, que é o meu Sol,
e recebi generosa redenção.
Revesti-me da incorruptibilidade,
graças ao seu nome,
e abandonei a corrupção:
é esta a obra da sua graça.
A mortalidade desapareceu
diante da minha face…

SALOMÃO,
Ode XV


Poderá alguém ocultar-se a Deus?

As palavras e petições dos que oram devem ser ordenadas, tranquilas e discretas. Pensemos que estamos na presença de Deus e que devemos agradar aos seus olhos, tanto pela atitude do corpo como pelo tom da voz. Porque assim como é falta de educação falar em altos gritos, também é próprio de pessoas bem-educadas rezarem com recolhimento e modéstia. De facto, o Senhor mandou-nos e ensinou-nos a rezar em segredo, nos lugares escondidos e remotos e até nos próprios aposentos. A fé ensina-nos que Deus está em toda a parte, escuta e vê a todos, e na plenitude da sua majestade penetra nos lugares mais recônditos, segundo está escrito: Eu sou um Deus próximo e não um Deus distante. Poderá um homem ocultar-se em lugares escondidos, sem que Eu o veja? Porventura, a minha presença não enche o céu e a terra? E noutra passagem: Em todo o lugar os olhos do Senhor observam os bons e os maus. 


CIPRIANO,
Tratado sobre a Oração Dominical, 4-6


Maria, o maná

É preferível chamar a Maria, o maná. Porque ela é delicada, é esplêndida, suave e Virgem. Como se viesse do Céu, deu a todos os povos da Igreja um alimento mais doce que o mel. Deu-lhes este alimento que cada um deve comer, se quiser ter a vida em si, segundo as palavras do próprio Senhor.

MÁXIMO DE TURIM,
Homilia 45


Agimos sob o olhar de Deus

Vós pensais que nós queremos esconder aquilo que adoramos, por não termos templos nem altares. Mas que templo poderei eu construir a Deus, se o mundo inteiro, obra das suas mãos, não O pode conter? Não será possível dedicar-Lhe um templo no espírito e no fundo coração? São estes os nossos sacrifícios. É este o culto que nós prestamos a Deus, e, para nós, é mais religioso aquilo que é mais justo. Em qualquer parte nos encontremos, Deus não só está perto de nós, mas está em nós mesmos. Não só agimos sob o seu olhar, mas vivemos n´Ele.

MINÚCIO FELIX,
Octávio.


Oração em comum: falar a uma só voz

O Deus da paz e Mestre da concórdia, que nos ensinou a unidade, quis que cada um orasse por todos, assim como Ele a todos assumiu na pessoa de um só. Observaram esta lei da oração os três jovens lançados na fornalha ardente, unindo‑se na mesma prece e conservando o mesmo espírito. E ao declarar-nos o modo como oraram os três jovens, a Escritura dá-nos um exemplo que devemos imitar nas nossas preces, para que sejamos semelhantes a eles. Então os jovens, diz a Escritura, numa só voz, louvavam, glorificavam e bendiziam a Deus. Falavam como se tivessem uma só voz; e, no entanto, Cristo ainda não os ensinara a rezar.
Na verdade, as suas palavras foram ouvidas e eficazes, porque a sua oração, simples, espiritual e inspirada pelo vínculo da paz, atraiu a benevolência do Senhor. Também foi assim que os Apóstolos oraram com os discípulos, depois da ascensão do Senhor. Diz a Escritura: Todos perseveraram unidos na oração, com as mulheres e com Maria, Mãe de Jesus. Perseveravam unidos na oração, mostrando pela persistência e também pela unanimidade da sua oração que Deus, que reúne na mesma casa os que vivem em concórdia, não admite na morada divina e eterna senão aqueles cuja prece é unânime.

CIPRIANO,
Tratado sobre a Oração Dominical, 8-9


Celebramos a vida como uma festa

Assim procede aquele que está convencido da presença de Deus em toda a parte, que não pensa que Deus esteja confinado a um lugar circunscrito, a fim de viver na incontinência, na falsa persuasão de poder ser o que é sem Ele, de noite ou de dia. Celebramos a vida como uma festa solene, convencidos de que Deus está em toda a parte e por todos os lados nos envolve: lavramos a terra elevando louvores, navegamos cantando hinos e conduzimo-nos, em toda a nossa vida, por determinadas regras.
Para dizer como audácia, a oração é um diálogo com Deus. Apesar de Lhe falarmos com simples murmúrios, sem abrir os lábios, em silêncio, a oração é um grito interior. Deus escuta sem fadiga o que Lhe dizemos em conversação íntima.

CLEMENTE DE ALEXANDRIA,
Stromata VII


Vida activa e vida contemplativa

A vida activa é a inocência das boas obras; a vida contem- plativa é a aspiração dos bens superiores. A vida activa é para muita gente; a contemplativa é para poucos. A vida activa é o bom uso dos bens terrenos; a contemplativa é a alegria de viver só para Deus.
A vida activa é dar pão aos famintos, ensinar ao próximo a palavra da sabedoria, corrigir os que erram, chamar os soberbos ao caminho da humildade, reconduzir os desavindos à concórdia, visitar os enfermos, sepultar os mortos, libertar os presos e os cativos, socorrer a todos os que precisam de ajuda, prover cada qual do que lhe é necessário. 
A vida contemplativa é consagrar-se de todo o coração à caridade para com Deus e para com o próximo, recolher-se da actividade exterior para se entregar exclusivamente às alegrias do Criador, de tal modo que, prescindindo de todos os cuidados do mundo, o espírito nada mais procure senão inflamar-se no desejo de ver a face de Deus; na vida contemplativa, aprende a alma a suportar com paciência o peso da carne corruptível e deseja ardentemente tomar parte no cântico dos coros angélicos, ansiando por entrar na convivência dos cidadãos do Céu e gozar da eterna imortalidade na presença de Deus. 

TOMÁS DE MONTEFRIO,
Sobre o modo de bem viver, 125-128


Deus não olha ao peso

Roubar, ou apenas desejar os bens de outro, é um pecado cuja gravidade não muda por se tratar de ouro ou prata. Nos dois casos, na origem está o mesmo comportamento interior.
Aquele que rouba uma coisa pequena não renunciará a roubar uma coisa grande. Se não o fizer porque não é o momento oportuno, não é mérito seu: depende apenas da circunstância.
Mas dizeis: «Aquele governante rouba os seus súbditos». E vós, respondei-me, não roubais também?
Não façais comparações, porque ele rouba milhões e vós apenas uns trocados. Pensai no episódio evangélico daquela mulher que, dando apenas duas moedas, recebe o mesmo mérito dos que dão muito. Porquê? Porque Deus olha à intenção e não ao tamanho da oferta.
Se assim acontece com a esmola, porque é que haveria de ser diferente com a usurpação.
Como a mulher que deu duas moedas não tem menos mérito, graças à sua intenção, também se roubardes duas moedas incorrereis na mesma culpa de quem rouba muito.

JOÃO CRISÓSTOMO,
Sobre a segunda carta a Timóteo 3, 3


Se o Espírito Santo não assistisse a Igreja, ela não permaneceria

Se não houvesse Espirito Santo, não haveria na Igreja pastores e doutores; porque estes são-no pelo Espírito Santo, como diz São Paulo: Foi o Espírito Santo que vos constituiu pastores e bispos sobre o rebanho.
A graça do Espírito Santo, que tudo penetra com a sua presença, é que leva a cabo aquele sacrifício místico. De facto, embora seja um homem que ali está, é Deus quem actua por seu intermédio. Por isso, não prestes atenção àquilo que o homem é, mas à graça do invisível. Nenhuma das coisas que se realizam neste lugar sagrado é natural. Se o Espírito Santo não assistisse a Igreja com a sua presença, ela não permaneceria. De facto, se a Igreja permanece é, com toda a evidência, porque a assiste o Espírito Santo.

JOÃO CRISÓSTOMO,
Homilia sobre o santo Pentecostes


“Aleluia”: um símbolo do dia sem fim

O tempo da alegria, do descanso, da felicidade, da vida eterna e do reino sem fim que ainda não chegou, simbolizamo-lo pelo Aleluia. Mas ainda não possuímos esses louvores, ainda suspiramos pelo Aleluia. Que significa Aleluia? Louvai o Senhor. É por isso que, nestes dias a seguir à Ressurreição, o louvor a Deus é mais abundante na Igreja, porque, depois da nossa ressurreição, também será perpétuo o nosso louvor...

Louvemos, irmãos caríssimos, louvemos o Senhor que está nos Céus. Louvemos a Deus. Digamos Aleluia. Façamos destes dias um símbolo do dia sem fim. Façamos do lugar da mortalidade um símbolo do tempo da imortalidade. Caminhemos depressa para a morada eterna: Felizes os que moram na vossa casa: podem louvar-Vos continuamente. Assim o diz a lei, o diz a Escritura, o diz a Verdade. Um dia chegaremos à casa de Deus, que está nos Céus. Aí louvaremos o Senhor, não cinquenta dias, mas, como está escrito, pelos séculos dos séculos. Havemos de O ver, de O amar, de O louvar.


AGOSTINHO,
sermão do Tempo pascal

Se falo de Lágrimas, não falo de tristeza

Quando me ouves falar de lágrimas, não fiques com má impressão.
As lágrimas de que falo dão mais alegria do que todas as risadas do mundo.
Duvidas? Escuta, então, o que diz São Lucas. Ele diz-nos que os apóstolos, depois de terem sido vergastados por ordem do Sinédrio, estavam cheios de alegria (Act 5, 41).
Evidentemente, essa alegria não era um efeito das vergastadas, que não davam prazer, mas dor. Mas o que não fazem as vergastadas, é feito pela fé em Cristo: ela triunfa sobre a natureza das coisas. As afrontas suportadas por Cristo foram causa de alegria. O que há de estranho, então, se o mesmo efeito é produzido pelas lágrimas derramadas pelo mesmo Senhor?
É por isso que Jesus diz, por um lado, que a estrada é apertada e, por outro, que o seu jugo é suave (Mt 7, 14; 11, 30).

JOÃO CRISÓSTOMO,
Sobre a virgindade 54,1


Nas coisas divinas não conta só como se acredita

Para recuperar a saúde da alma, não se requer simplesmente a boa vontade de receber a penitência, mas também para a cumprir: Se o pecador renuncia a todos os pecados que cometeu, se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, deve viver pela justiça que tiver adquirido. Dizeis que este remédio deve ser pedido pela voz do pecador, e está certo, mas deve também ser levado a cabo pelas obras.
Para a salvação conta apenas o conhecimento da Trindade? Nas coisas divinas não conta só como se acredita, mas também como se vive. Com efeito, a fé sem méritos está nua, morta e vazia, como diz o Apóstolo: De que aproveita que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo?... Se a fé não tiver obras, está completamente morta... Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé. Não se prova por estas palavras que basta ter fé. Com efeito, o Diabo também sabe e acredita, como diz o Apóstolo: Tu crês que há um só Deus. Fazes bem. Também o crêem os Demónios, mas enchem-se de terror...

FAUSTO DE RIEZ,
Carta a Paulino de Bordéus


Cuidado com a rotina...

Quando respondes ao salmo, compreende que ficas ligado por este refrão. Quando cantas: Como o veado anseia pelas águas vivas, assim minha alma anseia por Vós, Senhor, fazes um pacto com Deus. Assinas um recibo, sem papel nem tinta; confessas com a tua voz que O amas acima de tudo, que não pões nada antes d’Ele e que ardes de amor por Ele...
Por isso, não entremos aqui de qualquer maneira nem cantemos refrães por rotina, como coisa já sabida, mas sirvamo-nos deles como apoio de viagem. Um só versículo é capaz de nos ensinar muita sabedoria.
Fixa ao menos, com muito cuidado, os refrães dos salmos que cantaste, e neles encontrarás grande consolação. Vede, portanto, que imenso tesouro os refrães nos abriram. Nem a idade, nem a juventude, nem a rudeza de voz, nem a ignorância absoluta do solfejo podem obstar à sua execução.
Exorto-vos, por isso, a não sair daqui de mãos vazias, mas a recolher os refrães como se fossem pérolas, para os guardar sempre convosco, para os meditar, para os cantar todos aos vossos amigos e às vossas esposas. E, se a agitação te invadir a alma, se a cupidez, a cólera ou qualquer outra paixão perturbar o teu espírito, canta-os com assiduidade. É desse modo que gozaremos duma grande paz nesta vida e que obteremos, na outra, os bens eternos, pela graça e o amor de nosso Senhor Jesus Cristo.

JOÃO CRISÓSTOMO,
Homilia sobre os Salmo 41


O que é bom é divino

Deus não costuma negar o bem àqueles que lho pedem. Porque o Senhor é bom, sobretudo para os que n’Ele esperam. Busquemo-l’O, unamo-nos a Ele com toda a nossa alma, com todo o nosso coração e com todas as nossas forças, para gozarmos da graça e felicidade celeste; elevemos o nosso coração para o sumo Bem, busquemo-l’O, unamo-nos a Ele e vivamos n’Ele, porque está acima de tudo o que podemos pensar e imaginar, e concede a paz e a tranquilidade perpétuas, uma paz que supera toda a compreensão e sentimento.
Este é o Bem que tudo invade: todos vivemos n’Ele e d’Ele dependemos; nada Lhe é superior, porque é divino. Na verdade só Deus é bom; e portanto o que é bom é divino e o que é divino é bom; por isso se diz no salmo: “Abris as vossas mãos, e da vossa bondade todos ficam saciados”. É da bondade de Deus que nos vêm verdadeiramente todas as coisas boas, sem mistura de mal algum. Estes são os bens que a Escritura promete aos seus fiéis, quando diz: “Comereis dos bens da terra”


AMBRÓSIO DE MILÃO,
De fuga saeculi


Cartas vindas do céu

Cristo vos ajude, irmãos caríssimos, a acolher sempre a leitura dos textos sagrados com um coração tão ávido e tão sedento que a vossa obediência fidelíssima nos cause alegria espiritual. Mas, se desejais que as santas Escrituras se vos tornem doces e os preceitos divinos vos aproveitem como convém, roubai algumas horas às ocupações do mundo, para voltardes a ler em vossas casas as palavras divinas...
As santas Escrituras foram-nos transmitidas, por assim dizer, como cartas vindas da nossa pátria. Com efeito, a nossa pátria é o Paraíso: os nossos pais são os Patriarcas, os Profetas, os Apóstolos e os Mártires; os nossos concidadãos são os Anjos; o nosso rei é Cristo.
Por isso, irmãos caríssimos, meditemos com sabedoria nestas coisas e, na medida do possível, procuremos consagrar algumas horas à oração e à leitura. Digne-Se o Senhor conceder-nos isso, Ele que vive e reina com o Pai e o Espírito Santo, Deus por todos os séculos dos séculos. Amen.


CESÁRIO DE ARLES,
Sermones


Pensa que mesa é aquela de que te aproximas.

Todo aquele que se mantém afastado das assembleias, também se afasta do corpo e sangue de Cristo. Todo aquele que vive afastado do santo Sacramento [eucaristia], afasta de si a companhia dos anjos. Por isso, tem muito cuidado e depõe a tua insensatez, fortalece a debilidade da tua fé, desperta a tua preguiça e torna-te fervoroso, apressa-te em purificar dos teus pecados a tua alma, vai depressa com santo desejo à sagrada mesa espiritual para que não vás perdendo o teu nome de cristão. Já que é próprio do cristianismo a fé, o batismo e a comunhão do santo Sacramento, quem permanece longe do Sacramento também lhe falta o cristianismo, pois nele não vive Cristo, nem Cristo vive nele.
Aquele que quer viver em Cristo, deve proceder como Ele procedeu, e quem tem esperança de que Deus habita nele e ele em Deus, deve ser tão santo quanto lhe permite a fragilidade humana.


JOÃO MANDAKUNI,
Discursos


Deus Aproxima-se de ti

A morada do Senhor está no céu, mas a Sua casa é na terra; sem se dividir, está no céu, mas se O buscas com piedade, Ele está em toda a terra. Se O procuras com vaidade e atrevimento, Ele está demasiado alto para ti, mas se O amas com o coração, é Ele que vem para junto de ti. Se queres indagar sobre Ele, repara bem, pois está no céu, mas crês na sua presença, para ti está no templo. Se o buscas para saber quem Ele é, Ele esconde-se à tua sabedoria, encerrando-Se na altura do céu, mas se desejas vê-lo com devoção, aproxima-se Ele de ti cheio de amor e simplicidade.

BALAJ, COREPÍSCOPO,
Hino à dedicação da nova igreja da cidade de Kenneschrin


Reconhecer-se pecador não afasta da comunhão

O nosso espírito inconstante não consegue deixar de se dissipar com coisas frívolas e superficiais. Por isso confessamos, com toda a verdade, que não estamos de modo nenhum sem pecado. Por maior atenção que alguém ponha em guardar o coração, nunca o guardará de acordo com o desejo do seu ser espiritual, em virtude da contradição que descobre na sua condição carnal. Mas não é pelo facto de nos reconhecermos pecadores que devemos abster-nos da comunhão dominical. Devemos antes, isso sim, preparar-nos cada vez com maior desejo para ela, a fim de aí encontrarmos a saúde da alma e a pureza do coração. Mas que seja com sentimentos de humildade e grande espírito de fé, julgando-nos indignos duma tal graça, e procurando antes o remédio das nossas feridas. Se esperássemos a ocasião de ser digno, nem sequer faríamos a comunhão uma vez ao ano. É muito mais santo acreditar e confessar com humildade de coração que nunca nos podemos aproximar, por nossos méritos, daqueles santíssimos mistérios, recebendo-os cada domingo como remédio das nossas enfermidades, do que, cheios de vã presunção do coração, nos julgarmos dignos de participar neles uma vez por ano.

JOÃO CASSIANO,
Conlationes


Purificação das mãos na Eucaristia

Vistes o diácono apresentar água ao pontífice e aos presbíteros que rodeiam o altar de Deus, para eles lavarem as mãos. Não era certamente por causa de qualquer sujidade corporal que ele fazia isso, pois não estávamos sujos, quando, ao começar, entrámos na igreja. Mas lavar as mãos é um símbolo de que nos devemos purificar de todos os pecados e iniquidades. Uma vez que as mãos são símbolo da acção, ao lavá-las, aludimos claramente à pureza e inocência das obras. Não ouviste o bem-aventurado David iniciar-te neste mistério ao dizer: Lavarei as minhas mãos em sinal de inocência e andarei à volta do teu altar, Senhor? Por isso, lavar as mãos é sinal de estar limpo do pecado.

CIRILO DE JERUSALÉM,
Mystagogiae

VIII

 O desporto faz bem, cavar faz ainda melhor

 
As atividades físicas favorecem a saúde. Não só: estimulam o desejo de curar, com o vigor do corpo, as feridas da alma. São, de facto muito úteis, se não contribuírem para a distracção das actividades mais importantes.
Pode-se lutar, ou jogar à bola debaixo do sol. Para alguns basta uma caminhada, no campo ou dentro das cidades. Se pegassem numa enxada, fariam um exercício mais vantajoso, do ponto de vista económico.
O rei de Mitilene moía o grão: era um modo, menos simpático, de fazer ginástica. Há outros modos: ir buscar água ou rachar a lenha.
A luta, será supérfluo dizê-lo, não deve servir para resolver uma contenda, mas apenas para activar o suor.
Por isso, tenha-se sempre uma medida justa: nem inertes, nem mortos pela fadiga.
 

Clemente de Alexandria, o Pedagogo 3, 10.


 


Quem corrige não odeia
 

Foge da adulação: elogiando-a, a adulação confirma o pecador nos seus desejos. Foge dos aduladores: as línguas dos aduladores cravam as almas aos seus pecados.
Não só evitamos quem nos corrige, como procuramos quem nos cobre de elogios.
Tu, pelo contrário, reza do seguinte modo: «Que o justo me bata, que o bom me corrija» (Sl 141, 5). Procura a admoestação, mais do que o elogio. Se o teu amigo é justo, se é misericordioso, corrigir-te-á com bondade ao perceber que estás para cometer um pecado.
Através da pessoa que corrige o irmão, é o próprio Senhor que lhe está a falar: ele corrige para que, através da admoestação, o irmão não se venha a perder.
Quem corrige não odeia, mas fá-lo precisamente porque não odeia. Qual é, então, o resultado? Escuta o que diz a Escritura: «Repreende o sábio, e ele te agradecerá» (Prov 9, 8).
Por conseguinte, não ambiciones os louvores, porque podem levar-te ao pecado: serás simplesmente ridicularizado. Procura antes que, na sua misericórdia, o justo te corrija.
 

Agostinho, Sobre o Salmo 140, 13.


 

  

Seria melhor não ter nascido?

 
Homero diz que o homem é frágil e atormentado. Teógnis, siciliano, exclama: «O melhor destino dos homens seria não ter nascido, não ver os raios do sol!».
Eurípedes corrobora o mesmo pensamento: «Quando um homem nasce, todos deveriam reunir-se para chorar junto dele. Quantos tormentos deverão sofrer! Pelo contrário, quem morre liberta-se dos afazeres. Seria melhor ir com ele para o túmulo com cânticos de júbilo e alegria».
Heródoto conta que o ateniense Solón afirmou: «A vida do homem é um jogo de sorte».
Pitágoras e Platão defendem a existência de uma população de almas sem corpo. Algumas delas, que caíram em algum pecado, habitam os corpos por castigo. Por isso, no Crátilo, Platão diz que o soma é sema, isto é, o corpo é túmulo, no qual a alma deve estar por certo tempo.
Todavia, Platão diz o contrário no terceiro livro de A República: defende que é necessário cuidar do corpo para que esteja em harmonia com a alma.
Portanto, está claro que os filósofos se contradizem. Nós, pelo contrário, podemos demonstrar a força que têm os ensinamentos dos profetas e dos Apóstolos.
 

Teodoreto, Terapia do débeis pagãos, 5, 11.


 

 

O homem tem duas semelhanças

 
O homem tem dentro de si muitos impulsos das paixões. Mas não se pode atribuir a sua origem à natureza do homem, a qual tem características do próprio Deus.
Há uma fonte, fora de nós, que verte estes impulsos sobre a vida humana. O homem tem-nos em comum com os animais. Eis, portanto, a origem, eis a fonte: criados antes do homem, os animais transmitiram ao homem algumas características da sua natureza.
A ira não pode ser um ponto de semelhança entre Deus e o homem. O prazer carnal não é qualidade específica de uma natureza superior. A cobardia, o desejo de grandes riquezas, a aversão por uma condição social mais baixa e outros sentimentos do género não se atribuem ao nosso Deus.
A natureza humana assimilou estes impulsos da natureza irracional.  Foi o instinto de conservação que faz parte da vida animal que suscitou estes impulsos. Nascendo depois dos animais, o homem recebeu-os como herança.
Permiti que vos faça uma comparação. Em certas esculturas, criadas para atrair o público, os artistas modelam uma dupla forma, representam uma cabeça com duas caras diferentes.
Assim é o homem. Ele tem duas semelhanças: nos impulsos das paixões aparecem os sinais do animal, no espírito os traços da beleza divina.

 
Gregório de Nissa, A criação do homem, 18.

 
 
O cristão é corpo, alma e Espírito Santo

 

O homem, criado segundo modelo do Filho, glorifica Deus porque foi feito pelo Pai, por meio do Filho e Espírito.
Por isso, não é apenas uma parte do homem que é semelhante a Deus, mas a sua totalidade: recebeu, de facto, do Espírito de Deus a união da alma e do corpo. E assim se tornou o homem perfeito.
Quando o Espírito se une à alma e ao corpo, temos, então, o homem espiritual, o homem perfeito, o homem à imagem e semelhança de Deus.
Se, pelo contrário, à alma faltasse o Espírito, teríamos apenas o homem carnal e imperfeito. Enquanto ser criado, este homem seria à imagem de Deus, mas não semelhante a Ele.
A semelhança é dada, apenas, pelo Espírito.

 
Ireneu, Contra as heresias 5,6.
 

 
 
O bom uso das doenças

 
Quando estás doente podes chamar um médico. Não é por acaso que os medicamentos sempre existiram na natureza e foram eles que levaram os homens, um dia, a inventar a medicina.
No entanto, se te preocupas excessivamente com as tuas indisposições físicas é sinal que a alma está ainda demasiado escrava do corpo. Tens saudades do tempo em que tudo corria bem, consideras uma grande desgraça que a doença te impeça de apreciar os prazeres da vida.
Se, pelo contrário, aceitas os sofrimentos, dando graças ao Senhor, quer dizer que quase conseguiste dominar a sensibilidade, que quase não te dás conta do mal físico.
Então, até estás preparado para aceitar com alegria a eventualidade da morte, sabendo que te espera a vida mais verdadeira.
 

Diádoco de Foticeia, Obras espirituais 53.
 

 

 
Nem escravos nas paixões, nem exagerados na mortificação

 
Não te entregues totalmente à disciplina do teu corpo. Estabelece um programa que esteja de acordo com as tuas forças e concentra-te no trabalho interior.
Quem não sabe caminhar nas sendas espirituais, em vez de estar atento às paixões que vibram dentro de si, deixa-se absorver completamente pelo corpo e pode obter dois resultados opostos: ou se torna guloso, desacostumado, triste, colérico, cheio de rancor, ofuscando assim o seu espírito; ou exagera na mortificação, perdendo, assim, a lucidez das ideias.
Nada do que Deus pôs à nossa disposição está proibido pela Escritura. Ela limita-se a reprimir os excessos e a corrigir aquilo que é irracional e desequilibrado.
Por exemplo, não proíbe de comer ou procriar, de ter bens e de administrá-los com justiça, proíbe apenas a gula, a luxúria, etc.. Ainda há mais: não proíbe de pensar nestas coisas, proíbe apenas que as pensemos com desejos desregrados.

 
 
Máximo o confessor, Sentenças sobre a caridade 4, 63 ss.
 


 

 A importância da moderação

 
Deus colocou o espírito no corpo. Quanto mais pesado for o corpo, mais o puxa para baixo, transmite-lhe o próprio peso, impede-o de voar.
Se, pelo contrário, com a prática de uma contínua temperança, o homem atenua o peso da carne, sentir-se-á muito mais leve. Isto quer dizer, que, por um lado, o corpo ilumina e alegra a alma, por outro lado, obedece facilmente à sua vontade.
A alma, de facto, leva o corpo para onde quer e este não lhe resiste: o seu peso já não é impedimento para viver onde a alma deseja estar.
 

Filoxeno de Mabug, Homilia 10, 357ss.

 

 

O Dilúvio do Álcool

 
Quando é irrigada na justa medida, a terra produz trigo bom e abundante. Se, pelo contrário, beber em demasia, como num dilúvio, apenas produz espinhos e cardos.
Do mesmo modo é a terra do nosso coração. Se bebemos vinho com parcimónia, o álcool ajuda esta terra a crescer vigorosamente o que nela semeou o Espírito Santo. Pelo contrário, a bebedeira transforma a terra em lodo, incapaz de produzir pensamentos que não sejam semelhantes aos cardos e espinhos.
 

Diádoco de Foticeia, Obras espirituais 48.
 



Coragem e humildade vencem a morte

 
Isidoro disse:
«Quem é fiel a Deus não deve confiar na própria fidelidade a Deus, nem quem peca contra Deus deve desesperar da misericórdia de Deus. No coração de ambos haja sempre esperança e temor: esperança no perdão para que ganhe coragem, temor do castigo que suscite humildade.
É preciso que o penitente nunca se sinta seguro em relação ao pecado, porque essa segurança conduz à negligência e a negligência reconduz o homem desprevenido à vida passada.
Não sabemos quanto tempo durará a nossa vida. Devemos, portanto, esforçar-nos para que a morte não nos surpreenda improvisamente».
Cesário disse:
«Quanto mais estivermos seguros do passado, mais estaremos atentos para o futuro.
Voltamos rapidamente aos nossos pecados, se não os combatermos cada dia com boas obras».
 

Defensor Grammaticus, Liber Scintillarum, 23.


  
Se não amarem a Deus, os homens não têm desculpa

 
Amo-Vos, Senhor com uma consciência não vacilante, mas firme. Feristes o meu coração com a vossa palavra, e eu amei-Vos. Mas eis que o céu, e a terra, e todas as coisas que neles existem me dizem a mim, por toda a parte, que vos ame, e não cessam de o dizer a todos os homens, de tal modo que eles não têm desculpa. Vós, porém, compadecer-Vos-eis mais profundamente de quem Vos compadecerdes, e concedereis a vossa misericórdia àquele para quem fordes misericordioso: de outra forma, é para surdos que o céu e terra entoam os vossos louvores. Mas que amo eu, quando Vos amo? Não amo a beleza do corpo, nem a glória do tempo, nem a claridade da Luz, tão amiga destes meus olhos, nem as doces melodias das canções, nem o suave cheiro das flores, dos perfumes ou dos aromas, nem o maná e o mel, nem os membros que acolhem os abraços da carne. Não é isto o que que eu amo quando amo o meu Deus. E, contudo, amo uma certa luz, e uma certa voz, e um certo perfume, e um certo alimento, e um certo abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, abraço do homem interior que há em mim, onde brilha para a minha alma o que não ocupa lugar, onde ressoa o que o tempo não rouba, onde se aspira um perfume que o vento não dispersa, onde se saboreia uma comida que a sofreguidão não diminui, onde se sente um abraço que a satisfação não desfaz. Eis o que eu amo, quando amo o meu Deus.
 

Agostinho de Hipona, Confissões,  X, 6,8


 

  
De filhos dos homens, faz filhos de Deus

 
Carnal é o nascimento que vem do homem, espiritual o nascimento que vem de Deus; um vem do homem, o outro de Deus; um faz nascer um homem, o outro gera para Deus. Um dá à luz para a terra, o outro envia para o Céu. Um abre o caminho do tempo, o outro, o caminho da eternidade; um, enfim, gera filhos dos homens, o outro, filhos de Deus. Com efeito, o nascimento espiritual realiza-se todo de forma invisível, como o outro se realiza de maneira visível. Nós vemos bem aquele que é baptizado mergulhar na fonte e vemo-lo subir da água; mas o que se passa neste banho não se vê; só a assembleia dos fiéis compreende espiritualmente que é um pecador que desce à água e que dela sobe puro de todo o pecado. Feliz e verdadeiramente celeste é este nascimento que, de filhos dos homens, faz filhos de Deus.
 

Cromácio de Aquileia, Sermão sobre Nicodemos e o Baptismo, 18,3


 

 

Não tens necessidade de amuletos nem de encantamentos

 
És jovem? Mantém em boa ordem as paixões. És idoso e perto do termo inevitável? Respeita os teus cabelos brancos. Tens um bebé? Não se aproveite o mal desta ocasião para agir:  santifica-o desde o berço, consagra-o ao Espírito desde tenra idade. Tens medo do selo porque a natureza é fraca? És mãe tímida e de pouca fé. Ana, mãe de Samuel, dedicou o filho ao Senhor, ainda antes de ele ter sido concebido e, ao nascer, consagrou-o, revestiu-o da veste sacerdotal sem qualquer temor humano, confiando totalmente no Senhor. Tu não tens necessidade nem de amuletos nem de encantamentos: é com essas coisas que o maligno entra na alma dos homens fracos. Dá ao teu filho a Trindade, esse grande e belo talismã.
 

Gregório de Nazianzo, Sermão 40, 17 (in sanctum baptisma).


 
 


O jardim de rosas não se transforme em campo de espinhos

 
Os nossos antepassados semearam outrora neste campo da Igreja a semente da fé. Seria gravemente iníquo e incongruente que nós, seus descendentes, substituíssemos a autêntica verdade daquele trigo pelo erro da cizânia.
A rectidão e a coerência exigem que não haja contradição entre a raiz e os seus frutos: se eles semearam o trigo da verdadeira doutrina, o fruto que se há-de colher é o trigo do verdadeiro dogma; e, se há sempre alguma porção daquelas primitivas sementes que se pode ainda desenvolver com o andar dos tempos, isso deve continuar a ser objecto de uma feliz e frutuosa cultura, mas sem mudar seja o que for das propriedades originais. É lícito acrescentar espécies, formas e distinções, desde que permaneça a mesma natureza.
Longe de nós, portanto, que o jardim de rosas do espírito católico se transforme em campo de cardos e espinhos. Longe de nós, volto a dizer, que neste paraíso espiritual de cinamomo e bálsamo apareçam, de repente, rebentos de ervas venenosas e daninhas. Aquilo que foi semeado no campo da Igreja de Deus pela fé dos pais, isso mesmo deve ser bem cultivado e mantido pelo trabalho dos filhos, isso mesmo deve florescer e amadurecer, isso mesmo deve desenvolver-se e aperfeiçoar-se.

 
Vicente de Lerins, Primeira Exortação, 23.


 

Nós vos saudamos, ó Maria

 
Nós vos saudamos, ó Maria, Mãe de Deus, venerando tesouro de toda a terra, lâmpada inextinguível, coroa da virgindade, ceptro da doutrina verdadeira, templo indestrutível, morada d´Aquele que nenhum lugar pode conter, Mãe e Virgem, por meio da qual nos Santos Evangelhos é chamado bendito o que vem em nome do Senhor.
Nós Vos saudamos, ó Maria, que trouxeste no vosso seio virginal Aquele que é imenso e infinito; por Vós, a Santa Trindade é glorificada e adorada; por Vós, a cruz  preciosa é adorada no mundo inteiro; por Vós, o Céu exulta; por Vós, se alegram os Anjos e Arcanjos; por Vós, são postos em fuga os demónios; por Vós, o Diabo tentador foi precipitado do céu; por Vós, a  criatura decaída é elevada ao Céu; por Vós, todo o género humano, sujeito à insensatez da idolatria, chega ao conhecimento da verdade; por Vós, os povos são conduzidos à penitência.
E que mais hei-de dizer?  Por Vós, o Filho unigénito de Deus iluminou aqueles que jaziam nas trevas e na sombra da morte; por Vós, os Profetas anunciaram as coisas futuras; por Vós, os Apóstolos pregaram aos povos a salvação; por Vós, os mortos são ressuscitados; por Vós, reinam os reis em nome da Santa Trindade.
 

Cirilo de Alexandria, Homilia 4, Ephesi habita

 

 

Deus é um dom que distribuo aos outros

 
Com razão tenho n’Ele a firme esperança de que haveis de curar todas as minhas enfermidades, por intermédio d’Aquele que está sentado à vossa direita e intercede por nós; de outro modo, desesperaria. Porque são muitas e grandes as minhas enfermidades; sim, são muitas e grandes, mas é maior a vossa medicina. Teríamos certamente pensado que o vosso Verbo Se tinha afastado do género humano e cairíamos no desespero, se Ele não Se tivesse feito carne para habitar entre nós. Esmagado pelos meus pecados e pelo peso enorme da minha miséria, tinha reflectido em meu coração e meditado o projecto de fugir para a solidão. Vós me impedistes e me confortastes com estas palavras: Cristo morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu por eles.
E agora, Senhor, a Vós confio as preocupações da minha vida e meditarei nas maravilhas da vossa lei. Conheceis a minha ignorância e a minha fraqueza. Ensinai-me e curai-me. O vosso Unigénito, em quem se encontram todos os tesouros da sabedoria e da ciência, resgatou-me com o seu sangue. Não me oprimam os soberbos, porque eu conheço bem o preço da minha redenção: Ele é a minha comida e a minha bebida, e é um dom que também distribuo aos outros. Sou pobre, e por isso quero saciar-me com Ele na companhia daqueles que O comem e ficam saciados, e louvarão o Senhor aqueles que O procuram. 

Agostinho de Hipona, Confissões, livro X, 43.
 

 
Captamos o sentido do Salmo, melhor do que compreendemos a letra

 
Toda a finalidade do monge e da perfeição do coração consistem numa perseverança ininterrupta na oração e num esforço para conseguir uma tranquilidade serena e uma perpétua pureza do espírito, vivificado com este alimento, de que não cessa de nutrir-se, penetra no sentido íntimo dos salmos. E assim não é de admirar que os recite, não como compostos pelo Profeta, mas como se fosse ele mesmo seu autor.  Isto é, como se se tratasse de uma luta pessoal, sentindo-se movido pela mais profunda compunção. Ou também os considera escritos de propósito para ele, e compreende que os sentimentos que contêm não se realizaram somente anteriormente na pessoa do salmista, mas que se cumprem todos os dias.  Penetrado dos mesmos sentimentos nos quais foi composto ou contado o salmo, vimos a ser, por assim dizer, os autores. Antecipamo-nos mais ao pensamento do que o conseguimos; captamos o sentido melhor do que compreendemos a letra. As palavras santas evocam as nossas recordações de coisas vividas. Instruídos pelo que nós mesmos sentimos, não os percebemos como coisa meramente ouvida, mas experimentada e tocada pelas nossas mãos, não como coisa alheia e nunca ouvida, mas como algo que damos à luz no fundo do nosso coração, como se fossem sentimentos que fazem parte do nosso próprio ser.
 

João Cassiano, Conferência 9, 2.
  

 

Numa Comunidade, nada tão importante como paz

 
Peçamos perdão de todo o mal que praticámos, seduzidos pelas insídias do Adversário; e aqueles que foram os chefes da sedição e da discórdia devem considerar bem o que nos é comum na esperança. Com efeito, os que vivem no temor de Deus e na caridade preferem sofrer eles mesmos para que não sofram os outros; e preferem suportar a humilhação, para que não seja desacreditada aquela harmonia e concórdia que justa e honrosamente nos vem da tradição. É melhor para o homem confessar os seus pecados do que endurecer o seu coração.
Havendo, portanto, alguém entre vós que seja generoso, misericordioso e cheio de caridade, esse diga: “Se por minha causa surgiu essa sedição, a discórdia e o cisma, então afasto-me, vou para onde quiseres e faço o que a comunidade me ordenar, contanto que o rebanho de Cristo viva em paz com os presbíteros legitimamente constituídos”. Quem proceder assim atrairá sobre si uma grande glória em Cristo e será bem recebido em toda a parte, porque do Senhor é a terra e tudo o que nela existe. Assim procedem e procederam os que vivem a vida divina, e disso nunca se terão de arrepender.
 

Clemente I, Carta aos Coríntios.


 
 

Baptismo: símbolo e imagem dos sofrimentos de Cristo

 

Oh realidade nova e inaudita!  Fisicamente, não fomos mortos, nem sepultados, nem crucificados, nem ressuscitados. Mas a imitação destes actos foi expressa através de uma imagem, e daí brotou realmente a nossa salvação. Cristo foi realmente crucificado e verdadeiramente sepultado e ressuscitou verdadeiramente; e tudo isto foi para nós um dom da graça, a fim de que, participando nos seus sofrimentos, imitando-os, obtenhamos na realidade a salvação. Oh como é insondável o amor de Deus para com os homens! Cristo recebeu em seus pés e mãos inocente os cravos, e suportou a dor;  e a mim, sem qualquer sensação de angústia ou sofrimento, é-me proporcionada gratuitamente a salvação pela comunicação das suas dores.
Ninguém, portanto, julgue que o baptismo consiste apenas na remissão dos pecados e na graça da adopção, como era o baptismo de João que somente conferia o perdão das culpas. Pelo contrário, sabemos perfeitamente que o baptismo não somente pode libertar-nos dos pecados e obter-nos o dom do Espírito Santo, mas é o símbolo e a imagem dos sofrimentos de Cristo. É por isso mesmo que Paulo há pouco proclamava: Ignorais que todos nós, que fomos baptizados em Cristo Jesus, fomos baptizados na sua morte? Pelo baptismo fomos, portanto, sepultados com Cristo, na sua morte. Dizia isto por causa daqueles que pensam que o baptismo só concede a adopção e a remissão dos pecados, mas não a participação, por uma certa imitação, nos verdadeiros sofrimentos de Cristo.

Cirilo de Jerusalém, Segunda catequese mistagógica, 5-6

  
«Seja feita a tua Vontade»
 

Reza para obter os dons das lágrimas.
Reza para que o Senhor adoce a dureza da tua alma.
Reza para que o Senhor perdoe os pecados que lhe confessas.
Não rezes para que se realize aquilo que queres, porque nem sempre coincide com a vontade de Deus.
Reza como te foi ensinado, dizendo: «Seja feita a tua vontade!».
Reza para que em todas as coisas seja feita a vontade de Deus. Ele, de facto, quer o que é bom e útil para a tua alma, ao contrário de ti que nem sempre procuras isso e só isso.
 

Evágrio Pôntico, Sentenças sobre a oração.


 

 
Se o teu desejo é contínuo, é continua a tua voz
 

         Diante de Vós, Senhor, estão os meus desejos. Não estão diante dos homens, que não podem ver o coração, mas diante de Vós, Senhor, estão os meus desejos. Esteja o teu desejo na Sua presença; e o Pai, que vê os segredos mais íntimos da alma, te atenderá. O teu desejo é a tua oração. Se o teu desejo for contínuo, contínua será também a tua oração. Não foi em vão que disse o Apóstolo: Orai sem cessar. Será preciso, então, estar continuamente de joelhos, prostrados, de mãos erguidas, para obedecer a este preceito: Orai sem cessar? Se é isto que entendemos por orar, julgo que não podemos orar sem cessar.
         Existe, porém, outra oração interior e contínua, que é o desejo. Ainda que faças qualquer outra coisa, se desejas aquele repouso sabático em Deus, não interrompes a oração. Se não queres interromper a oração, não interrompas o desejo. Se o teu desejo é contínuo, é continua a tua voz. Calar-te-ás se deixares de amar. Quem é que se cala? A frieza na caridade é a nudez do coração; o fervor da caridade é o clamor do coração. Se a caridade permanece sempre, clamas sempre; se clamas sempre, sempre desejas; se desejas, recordas-te daquele repouso. Que sucederá, se diante de Deus está o desejo e não o gemido? Mas como sucederá tal coisa, se o gemido é a voz do desejo? Por isso se acrescenta: Não vos são ocultos os meus gemidos. Não é oculto para Vós o meu gemido; mas é-o para muitos homens.

 
Santo Agostinho, comentário ao salmo 37


 
  
Feliz queda
 

O beijo é sinal de paz sagrada; o beijo consagra a amizade; o beijo é sinal que assegura a fidelidade. Eu não recuso o beijo. Peço por ti, se infringiste a sagrada lei do beijo. O ladrão cruxificado foi absolvido, porque reconheceu a Cristo nas dores do suplício. Então quero dizer que ninguém será excluído, uma vez que o ladrão foi admitido e voltou ao lugar de onde foi expulso. Adão caiu porque foi tentado pela serpente e convencido pela mulher. O Senhor não disse a Adão: “Estarás comigo” porque Ele sabia que ele iria cair, para ser depois remido por Cristo. Feliz queda, que encontrou um renascimento mais belo.

 
Ambrósio de Milão, comentário ao salmo 39.


  

 
“Esperei no Senhor com toda a confiança”
 

         Qual é o lugar adequado para dizer isto? Certamente o Evangelho, pois é nele que refulge a vinda d’Aquele que esperávamos e resplandece a verdade, porque brilhou o sol de Cristo.  Por isso damos graças ao Senhor Jesus, filho unigénito de Deus, nosso redentor, que desceu do céu para nos perdoar todos os pecados e nos libertar deste corpo de morte, e para fundar na sua carne o caminho interior da nossa alma, afim de que, confirmados pela palavra de Deus e libertados pela virtude da cruz do corpo do Senhor, não percorremos mais esta estrada da vergonha, mas a do perdão dos pecados.
Quando eu esperava, Senhor Jesus, vieste um dia, dirigiste os meus passos segundo o Evangelho, puseste na minha boca um cântico novo que é o Novo Testamento. Doravante, cantamos na alegria e no nosso Deus, porque conhecemos os mandamentos das novas virtudes: abandonará todos os nossos bens para seguirmos Cristo e amar os nossos irmãos. Bebemos novos costumes, orando ao Senhor pelos que nos perseguem. E agora já bendizemos os que dizem mal de nós; não nos envaidecemos com as nossas ações na dissimulação do pecado, e como anjos sabemos renunciar ao matrimónio.

 
Ambrósio de Milão, comentário ao salmo 39


 
  
“Santificado seja o vosso nome”
 

Dizemos: Santificado seja o vosso nome, não para exprimir o desejo de que Deus seja santificado com as nossas orações, mas para pedirmos ao Senhor que seja santificado em nós o seu nome. Aliás, por quem poderá Deus ser santificado, se é ele próprio quem santifica? Mas porque Ele disse: Sede santos, porque Eu sou santo, pedimos e rogamos para que, uma vez santificados no batismo, perseveremos no que principiámos a ser. E isto pedimo-lo todos os dias, porque precisamos desta santificação quotidiana. Todos os dias pecamos, e por isso devemos purificar-nos das nossas faltas em contínua santificação. 

Cipriano de Cartago, De dominica oratione.

  
Ame a tua língua o silêncio
 

         O humilde é humilde, mas o seu coração eleva-se a altura excelsa.
         Quando concebes a ira, fica em ti uma brasa; não a aproximes da tua língua nem a prendas aos teus lábios. Mantém ocultos no teu peito todos os sentimentos que penetram no teu coração, e as coisas boas que pensas entrega-as à língua para que tua boca aprenda o que é belo. Dá voltas aos pensamentos na tua mente durante vários dias; depois examina-los para ver se é oportuno dizê-los, e então entrega-os à língua; se assim não é, que eles morram no teu coração e se escondam na tua mente. Guarda a tua língua do falso testemunho, não aconteça que tu mesmo deites o fogo a todo o teu corpo. Enaltece quanto possas o Filho do Rei que habita em ti e não dês entrada, com Ele, a adversários cheios de maldade, porque ele quer habitar sozinho no homem, e não gosta de morar naquele que é assaltado por muitos pensamentos. Ame a tua língua o silêncio, pois com ela acaricias as feridas do teu Senhor. Fujam os teus lábios das desavenças, pois com eles beijas o Filho do Rei. Não saiam presunções ridículas da tua boca, não aconteça que Ele te abandone e não queria habitar mais contigo.

 
Afraates, o Sábio Persa, Exposição 9

 
As tuas ações não desmintam as tuas palavras
 

         Lê com muita frequência as divinas Escrituras; mais ainda, que o Livro Santo não caia de tuas mãos. Aprende nele o que tens de ensinar. Permanece firmemente unido à doutrina tradicional que te foi ensinada, para que possas exortar segundo a sã doutrina e refutar quem a contradiz, sabendo de quem a recebeste, e sempre pronto para explicares a razão da tua fé e esperança a quem ta pedir. As tuas ações não desmintam as tuas palavras, não suceda que quando pregas na igreja, alguém comente no seu íntimo: porque não procedes tu assim? É verdadeiramente curioso aquele mestre que, de estômago cheio, se põe a discorrer sobre o jejum; até um ladrão pode censurar a avareza; mas no sacerdote de Cristo, a mente, a palavra e as mãos devem estar de acordo.
 

Jerónimo, Carta a Nepociano.


 

 
Que é o homem para que Vos lembreis dele?
 

         Que novo e grande mistério me envolve! Sou ao mesmo tempo pequeno e grande, humilde e sublime, mortal e imortal, terreno e celeste. Devo ser sepultado com Cristo, ressuscitar com Cristo, participar da herança de Cristo, tornar-me filho de Deus e, mais ainda, Deus mesmo. Eis o que nos revela este grande mistério: Deus, por nosso amor, assumiu a natureza humana e fez-Se pobre, para elevar o homem decaído, para restaurar nele a sua imagem, para renovar o homem; para fazeres a todos nós uma só coisa em Cristo, que Se fez o que nós somos a fim de sermos o que Ele é com toda a perfeição; para que acabe a distinção entre homem e mulher, bárbaro e cita, escravo ou livre, que são títulos e discriminações da carne, e brilhe em nós a imagem de Deus, por quem e para quem fomos criados, de tal modo que somente sejamos reconhecidos por aquele sinal que Ele formou e imprimiu em nós.

 

Gregório Nazianzo, Oratio 7, in laudem Caesarii fratis 23-24.
 


 

  
Espera a tentação até ao último suspiro
 

         Alguém interrogou Antão: “Que devo observar para agradar a Deus?” O ancião respondeu: “observa o que te mando: em qualquer lugar para onde vás, tem sempre Deus diante dos olhos; qualquer coisa que faças, procura ser testemunha das Sagradas Escrituras; e, em qualquer lugar em que residas, não te movas facilmente. Observa estas três coisas, e serás salvo.”
 
          O abade Antão disse ao abade Poimém: “Esta é a grande labuta do homem: assumir sobre si mesmo a culpa própria diante de Deus, e esperar a tentação até ao último suspiro”.
 
         Um irmão pediu ao abade Antão: “Reze por mim”. Disse-lhe o ancião: “Nem eu terei compaixão de ti, nem Deus, se tu mesmo não te encheres de zelo e rogares a Deus”.
 
          Disse o abade Antão: “quem bate a massa de ferro, delibera primeiro o que fará: foice, espada ou machado. Assim também nós devemos deliberar qual virtude procuraremos adquirir, para que não trabalhemos em vão”.

 
Apoftegmas dos Padres,
 

 

 
Canta, mas não cantes mal!!

 
“Cantai-Lhe um cântico novo, cantai-Lhe com arte e com alma”. Cada qual pergunta como há-de cantar ao Senhor. Canta para Ele, mas não cantes mal. Deus não quer ouvir um cântico que ofenda os seus ouvidos. Cantai bem, irmãos. Se te pedem que cantes para um bom apreciador de música de modo que lhe agrade, não te atreves a cantar se não tens preparação musical, pelo receio de lhe desagradar; porque um bom artista notará os defeitos que a qualquer outro passam despercebidos. Então, dirás tu, quem se atreverá a cantar para Deus, tão excelente conhecedor de cantores, juiz tão completo e tão bom apreciador de música? Tranquiliza-te. Ele mesmo te sugere a maneira como Lhe hás-de cantar. Canta com júbilo. Cantar bem para Deus é cantar com júbilo. Que é cantar com júbilo? É compreender que as palavras não podem exprimir aquilo que canta no vosso coração. Reparai naqueles que cantam na colheita, na vindima ou em qualquer trabalho intenso: começam por fazer exultar a sua alegria nas palavras do cântico; mas depois, quando cresce a emoção, sentem que já não podem explicá-la por palavras; então, desprendem-se da letra e entregam-se totalmente à melodia jubilosa. O júbilo é música sem palavras, porque o coração exprime o que não se pode dizer.

 

Santo Agostinho, comentário ao Salmo 32


 

 
Os justos pecam e os pecadores convertem-se

 
Diante da misericórdia de Deus, a humildade daquele que confessa a sua falta não deixará certamente de dar os seus frutos. Com efeito, nós lemos que, depois do baptismo, muitas vezes acontece que os justos pecam e os pecadores se convertem. Cada um será julgado segundo a situação em que for encontrado no instante da morte. Por isso, devemos acreditar, sem hesitação, que a simples vontade de se corrigir, se for sincera, pode agradar a Deus. Tudo será pesado junto da misericórdia celeste, segundo a qualidade da nossa fé. É por isso que, aos trabalhadores que foram contratados, como nos conta o Evangelho, foi atribuído um salário igual, aos primeiros e aos últimos, pelo seu zelo e prontidão. Do mesmo modo, a pequeníssima penitência dos habitantes de Nínive mereceu, em três dias, um perdão total e suspendeu a espada suspensa sobre a cidade pecadora, graças a uma satisfação proporcionada, numa altura em que, o dia em que essa espada iria ferir, como advertira o profeta Jonas, já estava fixado.

 
Avito de Viena, Cara a Gondebaldo.


 

 
Oração pelos defuntos

 

           Queira Deus que sejamos um dia aquilo que esperamos da sua grande generosidade e benevolência! Ele pede tão pouco e promete grandes dons, tanto na vida presente como na futura, àqueles que O amam de coração sincero! Soframos tudo por amor d’Ele, suportemos tudo esperando n’Ele; dêmos-Lhe graças por tudo (Ele sabe perfeitamente que muitas vezes os sofrimentos são o instrumento da nossa salvação); encomendemos-Lhe as nossas almas e as daqueles que nos precederam na comum peregrinação para a casa paterna. Senhor criador de todas as coisas e especialmente deste ser humano! Deus, Pai e guia dos homens que criastes, Senhor da vida e da morte, guarda e benfeitor das nossas almas: Vós que tudo fazeis no tempo oportuno e pelo vosso Verbo tudo transformais segundo a vossa infinita sabedoria e providência, acolhei agora Cesário no Vosso reino, como primícias da nossa partida deste mundo para vós. Dignai-vos dirigir a nossa vida, enquanto caminhamos neste mundo e, quando chegar a nossa hora, acolhei-nos também a nós; fazei-nos chegar à vossa presença preparados pelo temor, mas não perturbados; não permitais que no último dia nos sintamos expulsos e arrancados deste mundo contra a vontade, como costuma suceder aos que se entregam aos prazeres do mundo e da carne, mas pelo contrário, caminhemos pronta e alegremente para a vida bem-aventurada e eterna, que está em Cristo Jesus Nosso Senhor. A Ele a glória pelos séculos dos séculos. Amen.

Gregório de Nazianzo, Sermão 7

IX

O bom uso da medicina
 

A medicina é um dom de Deus, ainda que alguns a usem de forma desonesta.
Como sabem, seria pouco sensato colocar toda a esperança de recuperar a saúde nas mãos dos médicos. Por outro lado, há gente que, de forma obstinada, recusa a ajuda deles.
A doença é, muitas vezes, uma ocasião para nos emendarmos dos nossos pecados. Seja como for, a recuperação da saúde é uma imagem e símbolo das emendas que se esperam da alma.
Não devemos desprezar completamente a arte médica, nem confiar apenas nela.
Do mesmo modo que cultivamos a terra e pedimos a Deus o dom da fertilidade, do mesmo modo que confiamos na boa condução do timoneiro e pedimos a Deus que nos salve dos perigos do mar, assim devemos recorrer ao médico, mas sem desprezar a confiança no Altíssimo.
 

Basílio Magno, As Regras Maiores, 55

 


 

O morcego presunçoso
 

A luz permite que os olhos distingam, por exemplo, o ouro da prata, o cobre do ferro e do estanho. Além disso, permite que se percebam as diferenças que existem entre as cores e entre as figuras, entre os planetas e entre os animais.
Mas isto só é possível para quem vê bem. Os cegos não tiram proveito dos raios do sol: nem sequer vêem o esplendor da luz!
Aqueles que não querem abrir os olhos à luz da verdade são como os cegos. Sentem-se felizes por viverem nas trevas, semelhantes aos pássaros que voam de noite e que da noite receberam o seu nome: as corujas, os morcegos...
Seria estúpido irritar-se com estes animais: foi a natureza que lhes deu tal destino. Mas os homens que propositadamente procuram a obscuridade, que argumentos encontram para se justificar?
É a presunção que os impede de tirar o nevoeiro dos seus olhos.
Porque estudaram muito, pensam que conhecem a verdade mais que os outros. Mas são como os peixes do mar: vivem em água salgada, mas, depois de pescados, precisam de ser salgados novamente.
 

Teodoreto, Terapia dos débeis pagãos 2, 1


 

à procura de alguma coisa que seja mais verdadeira que a verdade
 

Alguns abandonam a doutrina da Igreja e não compreendem que um homem simples e piedoso vale mais do que um sofista que blasfema sem pudor.
Assim são os heréticos. Querem encontrar alguma coisa que seja mais verdadeiro do que a verdade, escolhendo sempre caminhos novos e incertos. Como os cegos que são conduzidos por outros cegos, cairão por culpa própria no abismo da ignorância.
A Igreja é como um paraíso terrestre. «Comei livremente dos frutos de qualquer árvore do jardim», diz o Espírito de Deus. No nosso caso, quer dizer: alimentai-vos de toda a Escritura, mas não o façais com soberba, engolindo as opiniões dos heréticos. Eles crêem possuir a noção do bem e do mal, colocando a própria inteligência acima do Criador.
Atenção: dando ouvidos às ideias dos que contradizem a fé cristã, seremos expulsos do paraíso da vida.
 

Ireneu de Lião, Contra as heresias 5, 20


 

Deus plantou uma árvore no nosso coração para nos pôr à prova
 

A árvore da vida representa o Espírito de Deus que habita no coração do fiel, como diz S. Paulo: «Não sabeis que o Espírito Santo habita em vós?» (1Cor 6, 19).
A árvore do conhecimento do bem e do mal representa o raciocínio que produz frutos contrários: prazer e dor.
O prazer subdivide-se em dois tipos: aquele que está em conexão com a natureza e aquele que é o efeito da libertinagem. A dor, por sua vez, subdivide-se, por um lado, em medo e tristeza, por outro, nas lutas e canseiras impostas pelo espírito. O fruto é bom se o colhermos atendendo à natureza e no momento apropriado.
Deus plantou no nosso coração esta árvore do conhecimento do bem e do mal para nos pôr à prova, para saber se sabemos obedecer.
Àqueles que vivem em conformidade com a natureza, Ele dá a capacidade de distinguir o que é bem e, daquilo que é mal, corrige e torna perfeitos.
 

Nicétas Stéthatos, O Paraíso espiritual, 5


 

O verme do orgulho
 

Agostinho disse:
«É preciso evitar o orgulho: se ele foi capaz de enganar os anjos, tanto mais saberá destruir os homens».
 
Ambrósio disse:
«O orgulho transformou os anjos em demónios, a humildade torna os homens semelhantes aos santos. O orgulho incita a desprezar os mandamentos de Deus, a humildade impele os homens a observá-los. Os orgulhosos querem ser louvados por aquilo que fazem, os humildes procuram esconder o bem que fazem».
 
Gregório disse:
«Não poderá aprender a humildade aquele que ocupa os primeiros lugares, se não vencer o orgulho quando ocupa o último lugar».
 
Na
Vida dos Padres está escrito:
«Os frutos apodrecidos não têm valor para o lavrador, a virtude unida à soberba não tem valor para Deus. Como os ramos quebram com o peso dos frutos, a soberba despedaça a beleza da alma»
 

Defensor Grammaticus, Liber Scintillarum, 17


 

Os novos fariseus
 

É o próprio Cristo que nos acusa de hipocrisia: «Este povo honra-me com os lábios, mas o coração está longe de mim. Prestam-me culto, mas o que ensinam são mandamentos humanos» (Mt 15, 8-9).
Estas palavras que com que o Senhor censurava os fariseus, dirigem-se também a nós, os hipócritas de hoje, enriquecidos de tantas graças e piores ainda que os hipócritas de ontem.
Não exigimos nós que os outros suportem fardos pesados, enquanto que nós nem sequer lhe tocamos com um dedo?
Não é verdade que também nós procuramos os primeiros lugares nos banquetes, as primeiras cadeiras nas assembleias e queremos ser chamados doutores? Não é verdade que odiamos mortalmente aqueles que não nos prestam estas honras?
Não fomos nós que escondemos a chave da verdadeira ciência, fechando na cara dos homens a Reino dos céus, de tal modo que nem entramos nós e não permitimos que entrem os outros?
 

Máximo Confessor, Libro ascético, 35


 

São muito poucos os que conseguem travar a língua
 

A loquacidade é uma cátedra desde a qual a vanglória prega a si mesma.
A loquacidade é sinal de ignorância, porta da maledicência, mestra de ninharias, dócil serva da mentira.
Destrói o espírito de penitência, suscita a indolência, predispõe ao torpor, impede o recolhimento, afasta a atenção, apaga o fervor, mata a oração.
Pelo contrário, o silêncio de um sábio é pai da oração, libertador da escravidão, guardião do fervor, protector da reflexão, salvaguarda do sentido de penitência.
São muito poucos os que conseguem estancar a água que alastra. São ainda menos os que são capazes de travar a língua que tagarela.
 

João Clímaco, Escada do Paraíso, 11


 

Os quatro ventos que sopram sobre o mundo
 

Os Evangelhos são quatro e apenas quatro, nem mais nem menos: quatro como as regiões do mundo, quatro como os ventos mais importantes.
Difusa sobre toda a terra, a Igreja tem nos Evangelhos quatro colunas e quatro ventos que sopram em todo o lado, transmitindo a vida aos homens.
Estes quatro Evangelhos, na verdade, são um único Evangelho: um Evangelho quadriforme, inspirado pelo único Espírito; um Evangelho que tem quatro aspectos, os quais representam a actividade do Filho de Deus.
São como os quatro querubins descritos por Ezequiel. Diz o profeta: «O primeiro é semelhante a um leão», pois simbolizava a acção dominadora e real do Cristo, tanto no sacrifício como no sacerdócio; «o terceiro tinha a face de homem», com indubitável referência à vinda do Senhor na natureza humana; «e o quarto tinha o aspecto de águia que voa», numa clara alusão à graça do Espírito que paira sobre a Igreja (Ez 1, 10; Ap 4, 7).
A estes símbolos correspondem os quatro Evangelhos. Cristo encontra-se no seu centro.
De facto, o evangelista João diz que tudo procede do Pai: «No princípio era o Verbo». Lucas começa com o sacrifício de Zacarias. Mateus elenca, acima de tudo, a genealogia humana. E Marcos começa com a evocação do Espírito profético que investe o homem do alto.

 
Ireneu,
Contra as heresias, 3, 11, 11

Pequeno retrato do usurário
 

O avaro, vendo um homem que por necessidade se ajoelha diante dele, disposto a qualquer acto de humilhação, preparado para dizer o que for preciso, não tem piedade do desgraçado e permanece inflexível na própria negação.
Perante as súplicas, não quebra; nos pedidos, não acredita; com as lágrimas, não se comove. Continua a sustentar que não possui dinheiro, que também ele deve encontrar alguém que lhe empreste dinheiro, e confirma a sua mentira com juramentos.
Quando, pelo contrário, o pobre lhe fala de juros e de penhores que está disposto a pagar, rapidamente levanta as sobrancelhas e sorri, recorda a amizade que existia entre os pais, considera-o como se fosse da família, trata-o como um amigo.
Diz-lhe: «Vou ver se, por acaso, tenho algum dinheiro que possa dispor. Sim, tenho o dinheiro de outro amigo: emprestou-me para uma necessidade. Infelizmente, quer juros altíssimos. Por ser a ti, faço um grande desconto, emprestar-te-ei com juros mais pequenos».
Com estas mentiras engana o desventurado, estabelece um contrato e desaparece.
Desta forma, em vez de o libertar da sua necessidade, priva-o de liberdade: aquele que se submete ao pagamento dos juros fica escravo para toda a vida.

 

Basílio Magno, Sobre o Salmo 14


 

«Rezai uns pelos outros»
 

Na tua carta, pediste-me: «Reza a Deus pelos meus pecados». E eu respondo-te: reza também pelos meus.
Lemos, de facto, na Bíblia: «Como quereis que os outros vos façam, fazei-o também a eles» (Lc 6, 31).
Eu sou o mais miserável, o mais pobre de todos os homens. Mas, enquanto posso, faço minhas estas palavras: «Orai uns pelos outros, para que sejais salvos» (Tg 5, 16).
 

Barsanúfio da Palestina, Cartas


 Amas o tempo passado porque não é o teu

            Sempre julgas melhor o tempo passado, simplesmente porque não é o teu. Se já estás liberto da maldição, se já acreditas no Filho de Deus, se já foste iniciado ou instruído nas Sagradas Escrituras, muito me surpreende que consideres melhor o tempo em que Adão viveu. Também os teus pais tiveram a herança de Adão, esse Adão a quem foi dito: Comerás o pão com o suor do teu rosto e trabalharás a terra de que foste formado; ela te produzirá espinhos e abrolhos. Eis o que ele conseguiu, o que ele recebeu, o que ele mereceu do justo juízo de Deus. Porque pensas então que os tempos passados foram melhores do que os teus? Desde o primeiro Adão até ao de hoje, só vemos trabalho e suor, espinhos e abrolhos. Terá caído sobre nós o dilúvio? Caíram sobre nós aqueles tempos difíceis de fome e de guerras, que nos foram descritos precisamente para que não nos queixemos do tempo presente contra Deus? Que tempos aqueles! Ao ouvir ou ler a história de tais factos, não é verdade que todos nos horrorizamos? Portanto, devemos alegrar‑nos com o nosso tempo, em vez de nos queixarmos dele.

Santo Agostinho, Sermones

A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens
 

A cruz invadiu a terra inteira, conquistou todos os povos. Quando tudo se conjugava para extinguir o nome do Crucificado, aconteceu o contrário. Este nome brilhou e difundiu-se cada vez mais, enquanto os seus inimigos caíam e desapareciam: homens vivos, que declararam guerra a um morto, não puderam vencê-lo! Por isso, quando um pagão me declara morto, está a mostrar ainda a sua loucura; quando me considera louco, então se torna manifesto que a minha sabedoria ultrapassa a dos sábios; quando me chama enfermo, então revela a sua própria fraqueza. Na verdade, aquilo que por graça de Deus conseguiam realizar os publicanos e os pecadores, nunca puderam sequer imaginá-los os filósofos, nem os monarcas, nem todas as forças do universo.
Pensando nisto, Paulo dizia: A fraqueza de Deus é mais forte do que todos os homens. Assim se revela que esta mensagem é divina. Como se explica que doze homens apenas, sem instrução alguma, cuja vida decorria junto aos lagos e aos rios, em locais desertos, empreendessem uma obra de tão grandes proporções? Talvez eles nunca tivessem vindo à cidade e ao foro; como ousaram entrar em luta contra todo o mundo? Além disso, sabemos que eram tímidos e pusilânimes, como demonstra quem escreveu a respeito deles, sem nada dissimular dos seus defeitos, o que constitui a maior prova da sua veracidade
 

João Crisóstomo, Homilias

Para que a oração possa ser feita com fervor e pureza

 
Para que a oração possa ser feita com o fervor e a pureza devidos, devem observar-se as seguintes coisas: em primeiro lugar, deve ser eliminada toda a inquie­tação pelas coisas carnais, de um modo geral; depois, não deve ser tolerada de modo algum já não digo a preocupação, mas até a recordação, de qualquer acti­vidade ou litígio; as críticas, as palavras vãs, as tagare­lices, as chocarrices devem ser também simplesmente banidas; as manifestações de cólera ou a perturbação da tristeza, antes de tudo o mais, devem ser totalmente arrancadas; a perniciosa acendalha da concupiscência carnal ou do apego ao dinheiro deve ser radicalmente extirpada.
E assim totalmente eliminados e destruídos estes vícios e outros semelhantes, e feita esta prévia limpeza do entulho, de que falámos, a qual se realiza pela pureza da simplicidade e da ino­cência, devem ser lançados primeiramente os alicer­ces inabaláveis de uma profunda humildade, que naturalmente possam sustentar a torre que há-de pe­netrar os céus; depois, deve ser colocado sobre eles o edifício espiritual das virtudes, e a alma deve ser im­pedida de toda a fuga e divagação leviana, para que assim, pouco a pouco, comece a elevar-se até à con­templação de Deus e até às intuições espirituais.
Com efeito, tudo aquilo a que a nossa alma der guarida antes da hora da oração, inevitavelmente nos é apre­sentado, por ingerência da memória, quando rezamos.

 
João Cassiano,
Conferência 9, 3

O que é um sacerdote?
 

O que é um sacerdote? Um homem de quem Deus fez seu embaixador junto do povo, junto do mundo inteiro, e que pede ao Todo-Poderoso que tenha piedade dos pecadores, tanto vivos como mortos.
Encarregado dos interesses de toda a gente, pai de todos, o sacerdote aproxima-se Deus para Lhe pedir o fim das guerras que destroem a terra, o restabelecimento da ordem, a paz, a prosperidade, o desaparecimento de todos males.
Dado que ele ora por todos os homens, deve distinguir-se deles pelos seus méritos. Se pensarmos que o sacerdote é aquele que invoca o Espírito Santo, que celebra o tremendo sacrifício, que continuamente toca Deus com as suas mãos e que tem as chaves do Céu, diz-me onde poderemos colocar este homem?
Imagina como devem ser aquelas mãos que tocam as coisas santas, como deve ser aquela língua que pronuncia tais palavras e que alma pode haver mais pura e mais santa do que aquela que há-de receber tal Espírito? Os Anjos rodeiam o sacerdote; todo santuário, e o espaço que envolve o altar, estão cheios de exércitos celestes, em honra d´Aquele que está sobre o altar.

 João Crisóstomo, De sacerdotio


 

Mais ditosa por ter sido discípula

 
Peço-vos, meus irmãos, que repareis no que diz o Senhor ao estender a mão para os seus discípulos: “Aí estão minha mãe e meus irmãos; pois, todo aquele que faz a vontade do meu Pai que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Porventura não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que acreditou pela fé e concebeu pela fé, que foi escolhida para que, por meio dela, nascesse a salvação entre os homens e que foi criada por Cristo antes de Cristo ter sido criado nela?
Maria cumpriu, e cumpriu perfeitamente, a vontade do Pai, e, por isso, Maria é maior por ter sido discípula de Cristo do que ter sido mãe de Cristo; mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que ter sido mãe de Cristo. Portanto, Maria da bem-aventurada, porque, antes de dar à luz o Mestre, trouxe-O em seu seio.
Maria era feliz, porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade na sua mente do que o corpo de Cristo no seu seio. Cristo é verdade, Cristo é carne.  Cristo é verdade no espírito de Maria, Cristo é carne no seio da Maria; é mais o que está no espírito do que o que se traz no seio.
 

Agostinho de Hipona, Sermão 25


 

Simbolismo místico do ósculo da paz
 

            Todas as vezes que tivermos de nos aproximar da mesa santa, seremos convidados a amar-nos uns aos outros e a darmo-nos mutuamente um beijo santo. Para quê? Para que, dado que os corpos nos separam, unamos as nossas almas, particularmente nesse momento, pelo beijo, de tal modo que a nossa assembleia se torne semelhante à dos Apóstolos, quando os crentes formavam um só coração e uma só alma. É assim que nos devemos aproximar dos santos mistérios, intimamente unidos uns aos outros...
            Mas há ainda uma segunda explicação mística deste beijo. O Espírito Santo fez de nós templos de Cristo. Deste modo, ao darmo-nos mutuamente um beijo na boca, o que nós beijamos com afeto é a porta do templo. Ninguém, pois, realize este acto com uma consciência perversa, com um coração hipócrita, porque este beijo é santo.
 

João Crisóstomo, Catequese Baptismal III


“Perdoai-nos como nós perdoamos”
 

Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (Mt. 6, 12). Ó inefável clemência de Deus! Não só nos deu, nestas palavras, um modelo de oração e instituiu a regra que Lhe torna agradável o nosso comportamento - e, pelo compromisso que a fórmula encerra e com a qual nos manda rezar-Lhe sempre, ao mesmo tempo arranca as raízes da cólera e da tristeza -, mas também proporciona aos que a rezam uma ocasião e lhes abre o caminho para apelarem a que lhes seja feito um julgamento indulgente e misericordioso, e, de certo modo, confere-nos autoridade para podermos mitigar a sentença do nosso juiz, forçando-o ao perdão dos nossos delitos com o exemplo da nossa indulgência, ao dizermos-Lhe: "Perdoai-nos como nós perdoámos".
Assim, apoiando-se nesta oração, somente pedirá de boa fé perdão de seus pecados aquele que se tiver mostrado condescendente para com os seus próprios ofensores, não para com os do seu senhor. Com efeito, alguns de nós costumamos - o que é muito pior - mostrar-nos benevolentes e muito indulgentes para com as ofensas que se cometem contra Deus, ainda que sejam os maiores crimes, mas para com as que nos atingem a nós, por muito pequenas que sejam, revelamo-nos exactores severos e inexoráveis. Portanto, aquele que não tiver perdoado de todo o coração a ofensa de seu irmão, obterá para si, com esta oração, não a indulgência, mas a condenação e, por sua própria boca, exigirá ser julgado mais severamente, ao dizer: "Perdoai-me como eu perdoei”.
 

João Cassiano, Conferência 9, 22


 

“Não nos deixeis cair em tentação”
 

Segue-se depois: e não nos induzais em tentação (Mt. 6, 13). E destas palavras surge um problema difícil: Se pedimos a Deus que não permita que sejamos tentados, como há-de ser provada em nós a virtude da constância, segundo o que está escrito: o homem que não é tentado, não é provado (Sir. 34,10)? E ainda: feliz o homem que suporta a tentação (Tg. 1,12). Portanto, o sentido das palavras "não nos induzais em tentação" não é “não permitais que jamais sejamos tentados", mas sim “não permitais que, quando tentados, sejamos vencidos". Com efeito, Job foi tentado, mas não foi induzido na tentação, pois ele não acusou a Sabedoria divina, nem enveredou pelo caminho da impiedade e da blasfémia a que o tentador queria atraí-lo. Abraão foi tentado, José foi tentado; mas nem um nem outro foi induzido na tentação, porque nenhum deles condescendeu com o tentador.
Depois vem: mas livrai-nos do mal (Mt. 6,13), isto é, não permitais que sejamos tentados pelo demónio acima das nossas forças, mas, com a tentação, dai-nos os meios de sair dela, para que possamos resistir-lhe (1 Cor. 10, 13).

 

João Cassiano, Conferência 9, 22

 


 

A oração dos salmos é fonte de paz
 

            Não vais pensar que entraste aqui unicamente para dizer palavras, mas antes para que, quando respondes ao salmo, compreendas que ficas ligado por este refrão. Quando cantas: Como o veado anseia pelas águas vivas, assim minha alma anseia por vós Senhor, fazes um pacto com Deus. Assinas um recibo, sem papel nem tinta; confessas com a tua voz O que amas acima de tudo, que não pões nada antes d´Ele e que ardes de amor por Ele...
            Por isso, não entremos aqui de qualquer maneira nem cantemos refrães por rotina, como coisa já sabida, mas sirvamo-nos deles como apoio de viagem. Um só versículo é capaz de nos ensinar muita sabedoria...
            Exorto-vos, por isso, a não sair daqui de mãos vazias, mas a recolher os refrães como se fossem pérolas, para os guardar sempre convosco, para os meditar, para os cantar todos aos vossos amigos e às vossas esposas. E, se a agitação te invadir a alma, se a cupidez, a cólera ou qualquer outra paixão perturbar o teu espírito, canta-os com assiduidade. É desse modo que gozaremos de uma grande paz nesta vida e que obteremos, na outra, os bens eternos, pela graça e o amor de nosso Senhor Jesus Cristo.
 

João Crisóstomo, Homilia sobre o Salmo 41


 

Não peças coisas perecíveis e transitórias

 
Aqui tendes a breve fórmula de oração tal qual nos foi proposta pelo próprio que por meio dela deve ser implorado enquanto juiz. Nela não tem lugar nenhum pedido de riquezas, nenhuma lembrança de honras, nenhuma solicitação de poder ou de força, nenhuma menção de saúde ou de vida temporal. Com efeito, o criador da eternidade não quer que se Lhe peça nada de perecível, nada de desprezível, nada de transitório. Fará gravíssima injúria à sua magnificência e munificência aquele que, pondo de lado estas petições eternas, preferir pedir-Lhe algo de transitório e de caduco, e atrairá sobre si mais o desagrado do seu juiz do que o seu favor.

 

João Cassiano, Conferência 9, 24


 

O mar e a Igreja
 

             De que modo poderei descrever toda a beleza do mar como a comtempla o Criador? Para quê acrescentar palavras? Não será o canto das ondas uma espécie de canto do povo? Com razão se compara o mar à igreja quando o povo entra em multidão: primeiro, aqueles que entram parecem-se com as ondas; depois quando os fiéis rezam em coro, parecem-se com o refluir das ondas; por sua vez o canto dos homens, das mulheres, das crianças, semelhante ao ressoar fragoroso da onda, encontra eco no responsório do salmo. E que quer dizer da água que lava o pecado, enquanto se ouve, trazendo salvação, o sopro do Espírito Santo? O Senhor nos conceda tudo isto: navegar com o vento próspero num barco veloz, encontrar abrigo num porto seguro, não sofrer, da parte dos espíritos malignos, tentações mais fortes do que possamos suportar, ignorar os naufrágios da fé, possuir uma paz profunda.

 
Ambrósio de Milão,
Exameron


 

Quem canta bem, reza duas vezes

 

Os hinos são louvores cantados a Deus; os hinos são cânticos que contêm louvores de Deus. Se há louvor e não é de Deus, não há hino; se há louvor e é de Deus mas não se canta, não há hino. Para que seja hino é preciso, portanto, que possua estas três coisas: louvor, Deus e canto. Quem canta louvores, não só louva, mas louva com alegria. Quem canta louvores, não só canta, mas também ama aquele a quem canta. No louvor há exaltação por parte daquele que louva, e no cântico, afecto daquele que ama. Quem canta bem, reza duas vezes.

 

Agostinho de Hipona, comentário ao salmo 72.
 


 

O que são os Anjos?
 

Deveis saber que a palavra «Anjo» designa uma função, não uma natureza. Na verdade, aqueles santos espíritos da pátria celeste são sempre espíritos, mas nem sempre se podem chamar Anjos. Só são Anjos quando exercem a função de mensageiros. Os que transmitem mensagens de menor importância chamam-se Anjos; os que transmitem mensagens de maior transcendência chamam-se Arcanjos.
É pela mesma razão que se lhes atribuem nomes particulares, que designam a missão respectiva que desempenham. Na santa cidade do Céu, onde a visão de Deus omnipotente dá um perfeito conhecimento de tudo, não precisam de nomes próprios para se distinguirem uns dos outros; mas quando vêm realizar alguma missão junto dos homens, são conhecidos pelo nome da função que exercem.
Assim, Miguel significa «Quem como Deus?»; Gabriel, «Fortaleza de Deus»; e Rafael, «Medicina de Deus».
Quando se trata de realizar algum mistério que exige um poder especial, verifica-se que é Miguel o enviado, para dar a entender, pela sua acção e pelo seu nome, que ninguém pode actuar como Deus.
A Maria foi enviado Gabriel, que significa «Fortaleza de Deus», porque veio anunciar Aquele que, apesar da sua aparência humilde, havia de triunfar sobre os poderes superiores.
Rafael, como dissemos, quer dizer «Medicina de Deus», como se compreende na missão que teve junto de Tobias: tocou-lhe os olhos como um médico e dissipou as trevas da sua cegueira.

Gregório Magno, Homiliae XXXIV in Evangelia

Precisamos que os anjos peçam por nós

Precisamos que os anjos peçam por nós, pois nos foram dados como defesa; precisamos de suplicar aos mártires, que podem pedir pelos nossos pecados, pois se é verdade também os cometeram, já os lavaram com o próprio sangue. Com efeito eles são mártires de Deus, nossos intercessores, testemunhas oculares da nossa vida e dos nossos atos. Não nos envergonhemos de usar como intercessores da nossa fraqueza, porque eles, apesar de a terem vencido, conheceram a debilidade do corpo.
Onde está a oração e a palavra, afasta-se o desejo e a sensualidade. E não temas que a confissão (reconhecimento das culpas próprias e o pedido de perdão a Deus) te prejudique; saboreia sobretudo o privilégio e começa a servir a Cristo. Ao mesmo tempo descobre-se como se deve ser aquele que serve a Cristo. É necessário, antes de mais, que esteja livre das seduções dos diversos prazeres, que evite o habitual engano do corpo e da alma, para que possa servir o corpo e o sangue de Cristo.

Ambrósio de Milão, De Viduis


 

O canto: espada do Espírito

Se o canto foi inventado pelos infiéis para seduzir, e apenas foi permitido, por fraqueza, aos que viveram sobre a lei, como entrou ele nas nossas Igrejas e é usado pelos que vivem sob a graça?
O canto alegra o espírito e faz nascer dentro dele o desejo das coisas que o próprio canto recorda; afasta os maus pensamentos e irriga a alma para que aí nasçam e se desenvolvam fortes desejos de bens divinos; torna-nos atletas fortes, generosos e constantes na luta contra a tristeza e a adversidade; é remédio par todas as doenças dos homens piedosos. Paulo chama-lhe espada do Espírito, que fortalece na luta contra inimigos invisíveis. A Palavra de Deus refletida, cantada e ouvida no canto vêm até nós pelos cânticos piedosos.

Pseudo-Justino, Perguntas e Respostas aos Ortodoxos


 
A carne é o instrumento da salvação

Vejamos também agora como é grande diante de Deus a prerrogativa desta substância insignificante e vil que é a carne, embora a ela lhe baste o facto de nenhuma alma poder alcançar a salvação, salvo se acreditar enquanto está na carne: até tal extremo a carne é o instrumento da salvação. Quando entre a alma e Deus se estabelece um elo de salvação, é a carne que faz com que ele exista. Assim, a carne é lavada, para que a alma seja purificada; a carne é ungida, para que a alma seja consagrada; a carne é marcada com o sinal da cruz, para que a alma seja fortalecida; a carne é coberta com a sombra da imposição das mãos, para que a alma seja iluminada pelo Espírito; a carne é alimentada com o Corpo e o Sangue de Cristo, para que a própria alma seja saciada de Deus. Não podem, pois, ser separadas na recompensa aquelas que estiveram unidas na acção.
A carne ressurgirá: toda a carne, precisamente toda a carne, e a carne inteira. Onde quer que se encontre, ela está depositada junto de Deus, devido ao fidelíssimo mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, que restituirá Deus ao homem e o homem a Deus.

Tertuliano, De resurrectione mortuorum.

 

 

Uma gota de absinto estragará todo o mel

Se fores paciente, o Espírito Santo, que habita em ti, será límpido e não ficará na sombra de um espírito mau. Ao encontrar grande espaço livre, ele ficará contente e se alegrará como o vaso em que ele habita e servirá a Deus com alegria, pois terá felicidade em si mesmo. Se sobrevier acesso de cólera, imediatamente o Espírito Santo, que é delicado, se angustiará por não ter lugar puro, e procurará afastar-se do lugar. Ele se sente sufocado pelo espírito mau e não tem mais lugar para servir a Deus como quer, porque está contaminado pela cólera. Que esses espíritos habitem juntos é, portanto, coisa inconveniente e má para o homem em que habitam. Se tomas uma pequenina gota de absinto e derramas num vaso de mel, não se estraga todo o mel? O mel fica estragado pelo pouquíssimo absinto, que destrói a doçura do mel, e já não agrada ao dono, porque se tornou amargo e sem utilidade. Todavia, se não se derramar absinto no mel, o mel permanece doce e agrada ao seu dono. Vê: a paciência supera o mel em doçura, é útil ao Senhor, que habita nela. Ao contrário, a cólera é amarga e inútil. Portanto, se se mistura a cólera com a paciência, a paciência se mancha, e sua oração não é útil para Deus.

Pastor de Hermas, Quinto mandamento


 

Quem não toma parte da Assembleia cristã afasta-se da vida eterna

Que promete Cristo? Certamente, nada corruptível, mas antes aquela bênção que consiste na participação da carne santa e do Sangue que eleva o homem íntegro à incorruptibilidade. Parece, pois, que aqui a água significa a santificação pelo Espírito, o mesmo divino e santo Espírito, a quem muitas vezes, nas Sagradas Escrituras, se chama deste modo. Sendo isto assim, entendam todos os que estão baptizados e que provaram a divina graça que, se vierem às igrejas raras vezes e com preguiça e deixarem de frequentar por muito tempo a bênção de Cristo, por não quererem recebê-l’O misticamente a pretexto dum respeito que é prejudicial, eles mesmos se afastam da vida eterna, ao recusarem ser vivificados. Este afastamento, mesmo que pareça provir do respeito e da reverência, é um laço e um escândalo. Seria mais conveniente que se esforçassem, com todo o afinco e de todas as suas forças, em purificar-se depressa dos seus pecados e em abraçar um estado de vida honesto e digno...

Cirilo de Alexandria, Commentarii in Iohannem


 

O oitavo dia

Neste dia o Senhor deu início à criação do mundo, e no mesmo dia deu ao mundo as primícias da ressurreição; neste mesmo dia, como dissemos, quis que se celebrassem os sagrados mistérios. Tal dia é para nós a origem de todos os benefícios, o início da criação do mundo, o início da ressurreição, o início da semana. Este dia, com os seus três inícios, alude ao princípio da Santíssima Trindade.
A semana tem sete dias; foi Deus que os deu para trabalhar, e destinou um só para a oração, o repouso e a libertação dos males, a fim de que, se cometermos algum pecado nos seis dias, nos possamos reconciliar com Deus no dia do Senhor. Não observamos o dia do Senhor por outra razão qualquer, mas apenas para nos abstermos do trabalho e termos tempo para a oração. Se interrompes o trabalho, mas não vais à igreja, não obténs vantagem nenhuma. Os que temem a Deus esperam o dia do Senhor para Lhe dirigirem as suas orações e para se enriquecerem com a recepção do Corpo e do Sangue de Cristo; as pessoas frívolas e despreocupadas esperam o dia do Senhor para se absterem do trabalho e poderem realizar obras más.
Este dia foi-te dado para a oração e o repouso:
Este é o dia que o Senhor fez; nele exultemos e nos alegremos, dando graças Àquele que nele ressuscitou, e com Ele ao Pai e ao Espírito Santo, agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amen.

Eusébio de Alexandria, Sermo XVI. De die dominica

Deus, neste mundo, tem frio e fome

Todos os homens querem misericórdia, mas infelizmente nem todos procedem de moda a merecê-la; todos a desejam receber, mas poucos a querem praticar. Ó homem, com que coragem ousas pedir o que recusas dar aos outros? Quem deseja alcançar misericórdia no Céu, deve praticá-la neste mundo. Por conseguinte, irmão caríssimos, já que todos desejamos receber misericórdia, façamos dela a nossa advogada neste mundo, para que no outro ela nos liberte. Efetivamente, é através da misericórdia praticada na terra que se chega á misericórdia do Céu. Assim diz a Escritura: “Senhor, até ao Céu se eleva a vossa misericórdia.” Existe, portanto, a misericórdia terrena e humana, e a misericórdia celeste e divina.
Qual é a misericórdia humana? A que atende ás misérias dos pobres. E qual é a misericórdia Divina? Sem duvida, a que te concede o perdão dos pecados. Tudo o que dá a misericórdia humana durante a nossa peregrinação sobre a terra, a misericórdia divina o retribui na pátria. Deus, neste mundo, tem frio e fome na pessoa de todos os pobres, como Ele mesmo disse: “Tudo o que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizeste”. O mesmo Deus que se digna recompensar no Céu, quer receber na terra. Que espécie de gente somo nós? Quando Deus dá, queremos receber; mas quando pede, não queremos dar.

Cesário de Arles, Sermão 25

X

É melhor o silêncio do coração do que palavras distraídas
 

Isidoro disse:              
«A oração não é obra dos lábios, mas do coração. Porque Deus não olha às palavras de quem reza, mas ao seu coração. É melhor rezar com o silêncio do coração do que com palavras, sem a atenção da mente.
É inútil rezar quando não há fé nem esperança.
O nosso espírito só contempla a Deus de forma perfeita quando não é impedido pelas solicitudes terrenas».
 

Defensor Grammaticus, Liber Scintilarum, 7


 

Liberdade e alegria,
sinais de verdadeira oração
 

A oração perfeita consiste em falar com Deus sem distração, suspendendo todos os pensamentos e controlando todos os sentidos. Só se alcança se morrermos para os homens, para o mundo e todas as realidades do mundo.
            Quando rezares, só podes dizer: «Senhor, livrai-me do mal! Seja feita em mim a vossa vontade!»
Concentra o teu espírito na presença do Deus e fala com Ele.
            É reconhecida como autêntica a oração em que o homem está livre de qualquer distracção e cheio de alegria pela iluminação do Senhor.
            Reconhece-se que o homem alcançou esta liberdade e esta alegria pelo facto de nem sequer se perturbar, mesmo que seja agredido pelo mundo inteiro.
            Reza sem distracção aquele que está morto para o mundo e para os seus prazeres. Por outro lado, só invocando o nome de Deus, serão vencidas as paixões.

Barsanúfio da Palestina, Filocalia


 

É Tolo o Lavrador que amarra um boi e um burro ao arado

O que é a oração? É a mente desapegada das coisas terrenas e o coração inclinado para aquilo em que espera.
Devemos ter estas duas qualidades sempre juntas. Doutra forma, imitamos o lavrador que amarra um boi e um burro ao arado e não dois bois ou dois burros.
Para que a oração não seja perturbada pelas distracções é preciso que o pensamento esteja constantemente voltado para Deus.
Mediante este assíduo recolhimento, Deus habita em nós, para que haja em nós uma procura amorosa da sua vontade.
Então, a nossa alma, sob a acção do Espírito Santo, estará verdadeiramente purificada. Assim, a nossa oração torna-se símbolo do nosso estado futuro: ela transporta a natureza humana para além de todos os estímulos que nascem no coração pelo pensamento das coisas terrenas.
O dom do Espírito torna-nos capazes de praticar a oração contínua.
Quando o Espírito Santo estabeleceu o seu templo no homem, este não pode fazer outra coisa a não ser rezar sem parar. Desperto ou dormindo, a oração não abandona a sua alma.

 

Isaac de Nívive, Filocalia

Os salmos:
voz da Igreja e medicina dos corações
 

Qualquer parte da Escritura é inspirada por Deus. Foi o Espírito que compôs a Escritura para que nela, como numa farmácia aberta a todas as almas, cada um de nós possa adquirir os medicamentos necessários para os seus males particulares.
Assim, o ensinamento dos profetas é uma coisa e o dos livros históricos é outra coisa. E, ainda, um significado tem a Lei e outro significado têm as advertências que lemos no livro dos Provérbios.
Mas o livro dos Salmos contém tudo o que os outros têm de útil.
Prediz o futuro, reinvoca o passado, dá orientações para a vida, sugere a conduta que se deve ter.
É um cofre onde se encontram todos os ensinamentos válidos, de modo que cada um encontra nele a cura para o seu caso.
Cura as velhas feridas da alma e dá alento às recentes. Sara as doenças e protege a saúde.
Cada Salmo traz a paz, acalma os tumultos interiores, afasta as ondas dos maus pensamentos, dissolve a cólera, corrige e modera o desregramento.
Cada Salmo conserva a amizade e reconcilia os que estão separados. Quem, de facto, poderá considerar como inimigo o homem que consigo cantou a Deus um hino de louvor?
Cada Salmo previne as angústias da noite e dá repouso depois dos trabalhos do dia. É segurança para as crianças, beleza para os jovens, consolação para os velhos, ornamento para as mulheres.
Cada Salmo é a voz da Igreja.

 
Basílio, Sobre o Salmo 1, 1


 

Dentro de ti só haverá luz
 

Recordai-vos de Deus, para que em cada instante ele se recorde de vós. Se se recordar de vós, dar-vos-á a salvação.
Não o esqueçais, deixando-vos seduzir pelas vãs distracções. Quereis, por acaso, que se esqueça de vós nos momentos das vossas tentações?
Permanecei junto dele e sede-lhe obedientes nos dias da prosperidade. Podereis contar com a sua palavra nos dias difíceis, porque a oração vos dará a segurança da sua constante presença.
Permanecei incessantemente diante do seu rosto, pensai nele, recordai-vos dele no vosso coração. Pelo contrário, se o encontrais apenas de longe a longe, arriscais a perder a vossa intimidade com ele.
É mediante a presença física que há familiaridade entre os homens. Pelo contrário, a familiaridade com Deus consiste na meditação e em abandonar-se a ele durante a oração.
Quem quiser ver o Senhor, purifique o seu coração com a recordação contínua de Deus. Chegará a contemplá-lo em cada instante e dentro de si só haverá luz.
 

Isaac de Nínive, Filocalia


 

Ainda que mil trombetas
tocassem aos ouvidos de um morto

Quem é assíduo à leitura da Palavra de Deus, mas não a põe em prática, deveria sentir-se acusado pela própria leitura. Deveria merecer uma condenação ainda maior, porque despreza a desonra aquilo que lê em cada dia.
Mas, infelizmente, é como um morto, como um cadáver sem alma.
Ainda que mil trombetas tocassem aos ouvidos de um morto, este não as escutaria. Assim acontece com a alma que morre em pecado, com a alma que perdeu a memória de Deus, a alma que durante o dia nunca pensa em Deus: não escuta o som da Palavra que a chama, a trombeta da Palavra não a faz estremecer. Está imersa no sono da morte, e sente-se confortável com este sono.
Quando a alma está morta, não se dá conta do seu estado e não se converte para pedir a vida. Sim, é como quem morre de morte natural, como quem morre voluntariamente porque deixa de obedecer à Palavra de Deus: não sofre com a própria morte e nem sequer tem vontade de invocar o regresso à vida.
A alma está morta quando nunca pensa em Deus, quando perdeu a recordação de Deus. Estão mortas as suas capacidades de discernimento. Está morto o seu desejo das coisas celestes. A sua natureza está viva, mas a sua vontade está morta e a sua liberdade desapareceu.

Filoxeno de Mabbug, Homilia 1, 5.

A oração é resposta à Palavra de Deus

Isidoro disse:
«Quem quiser estar sempre unido a Deus, deve rezar frequentemente e ler muito. Porque na oração somos nós que falamos a Deus, mas na leitura da Bíblia é Deus que nos fala.
Todo o progresso espiritual baseia-se na leitura e na meditação: aquilo que ignoramos, aprendemo-lo com a leitura; o que já conseguimos aprender, conservámo-lo com a meditação.
A leitura da Bíblia oferece-nos uma dupla vantagem: instrui a nossa inteligência e introduz-nos no amor a Deus, afastando-nos das coisas vãs.
Ninguém pode entender o sentido da Bíblia se não se afeiçoar e familiarizar com ela mediante a leitura».
Agostinho disse:
«Nutre a tua alma com a leitura bíblica: ela te preparará para o banquete espiritual».
Jerónimo disse:
«Quem é assíduo na leitura da Palavra de Deus, cansa-se quando lê, mas, em seguida, sente-se feliz porque as amargas sementes da leitura produzem nele os frutos doces.
Agora que estamos na terra, estudamos aquela Realidade que permanecerá quando estivermos no céu».
 

Defensor Grammaticus, Liber Scintilarum, 81

Hino à Oração
 

A oração é união com Deus e diálogo com ele.
A oração mantém o equilíbrio do mundo, reconcilia com Deus, produz lágrimas santas, é ponte sobre as tentações, muro entre nós e as aflições.
A oração afasta as lutas do espírito, é a bem-aventurança futura, é acção que não terá fim.
A oração é fonte das virtudes, é iluminação da mente, é machado contra o desespero, é sinal de esperança, é vitória sobre a tristeza.
A oração é espelho no qual vemos os nossos progressos, é indicação da estrada que falta percorrer, é revelação dos bens futuros, é penhor de glória.
A oração, para quem reza de verdade, é o tribunal, é o juízo do Senhor sobre ele, mesmo antes do juízo final.
A oração é a rainha das virtudes, que nos chama em voz alta e nos repete: «Vinde a mim, vós que andais cansados e oprimidos, e eu vos consolarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve» (Mt 11, 28-30).
A tua oração seja simplicíssima: bastou uma palavra ao publicano e ao filho pródigo para que se reconciliassem com Deus.

João Clímaco, Escada do Paraíso, 28

é possível rezar sem cessar?

Como é possível rezar sem cessar? Experimentamos que é tão fácil que a nossa mente divague atrás de pensamentos e imagens quando cantamos os salmos, quando lemos ou quando servimos o próximo!
No entanto, a Escritura nada prescreve de impossível. O próprio S. Paulo cantava os salmos, lia, prestava o seu serviço apostólico e, mesmo assim, rezava ininterruptamente.
Rezar sem cessar significa ter a mente sempre dirigida para Deus com grande amor, ter viva a esperança nele, ter fé nele quando fazemos qualquer coisa ou quando alguma coisa nos acontece.
É o comportamento que tinha o apóstolo quando escreveu: «Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada? Nem a morte, nem a vida, [...] nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus» (Rom 8, 35-38).
Graças a esta vontade da alma, Paulo orava sem cessar. Em tudo o que fazia e em tudo o que lhe acontecia, mantinha sempre viva a esperança em Deus.
E, como ele, também os santos, para poderem alcançar o amor de Deus, alegravam-se com as próprias tribulações.
É por isso que o mesmo apóstolo escreveu: «Glorio-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a vontade de Cristo. Quando sou fraco, então é que sou forte» (2Cor 12, 9-10).

 
Máximo o confessor, Livro Ascético, 25

Se Moisés não tivesse
tirado as sandálias
 

Se Moisés não tivesse tirado as sandálias, não se teria aproximado da sarça ardente. Como é que tu, que pretendes estar na presença daquele que ultrapassa todo o pensamento e paixão, não te libertas de todo o mau desejo das paixões?
Para rezar é preciso evitar os prazeres e afastar a ira.
Não abras o teu coração aos desejos. Eles suscitam uma emoção que escurece os olhos da mente, destruindo a oração.
A tua oração deve ser constante e fervorosa. Por isso, mal comecem a aparecer, expulsa de ti as preocupações e divagações. Se elas te perturbam e te agitam, não deixes esmorecer o teu fervor.
Durante a oração, procura ter a tua mente surda e muda. Só assim poderás rezar.
Não te contentes com os comportamentos exteriores da oração. Com grande temor, concentra a tua mente na oração do espírito.
 

Evágrio Pôntico, Sentenças sobre a oração


 

Alcançará de Deus toda a espécie de bens

 
O Evangelho ensina-nos o que o Senhor pede: Vai chegar a hora em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade. Deus é espírito e, por isso, deseja um culto espiritual. Nós somos os verdadeiros adoradores e os verdadeiros sacerdotes, nós que, orando em espírito, em espírito oferecemos o sacrifício da nossa oração, como vítima digna de Deus e agradável a seus olhos, a vítima que Ele pede e espera. Esta vítima, oferecida de coração sincero, nascida da fé, alimentada pela verdade, coroada pelo amor, íntegra e sem mancha, inocente e casta, é que devemos levar ao altar de Deus, acompanhada pelo solene cortejo das boas obras, no meio de salmos e hinos; ela nos alcançará de Deus toda a espécie de bens.

 

Tertuliano, De oratione 28


 

A oração deve ser comunitária

 

Em primeiro lugar, o Doutor da paz e Mestre da unidade não quis que a oração fosse exclusivamente individual e privada, a fim de que, aquele que ora, não peça só para si. Não dizemos: Meu Pai que estais nos céus; nem: Dai-me hoje o meu pão; cada um não pede que lhe seja perdoado apenas o seu pecado, ou que não o deixe cair em tentação, ou que só a ele o livre do mal. A nossa oração é pública e comunitária e, quando rezamos, não rezamos por um só mas por todo povo, porque com todo o povo nos formamos um só. O Deus da paz e o Mestre da Concórdia, que nos ensinou a unidade, quis que cada um orasse por todos, assim como Ele a todos nos assumiu em Si.
Diz escritura:
Todos perseveravam unidos em oração, com as mulheres e com Maria, mãe de Jesus. Perseveravam unidos na oração, mostrando pela persistência e pela unanimidade da sua oração que é Deus que reúne na mesma casa os que vivem em concórdia e não admite na morada divina e eterna senão aqueles cuja prece é unânime.
 

Cipriano de Cartago, De dominica oratione 8


 

Não se pode rezar sem o dom da paz
 

Depois do alimento, pedimos também o perdão dos pecados. É verdadeiramente providencial e salutar esta petição, que nos recorda que somos pecadores, porque, ao exortar-nos a pedir o perdão dos pecados, o Senhor desperta-nos a consciência da nossa indignidade e ao mesmo tempo a confiança na misericórdia divina.
Deus quer que sejamos homens de paz e concórdia,
unânimes em sua casa, e que perseveremos na condição de renascidos para uma vida nova. Por isso, Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia e manda-o retirar-se do altar para ir primeiro reconciliar-se com seu irmão, porque só as orações de um coração pacífico poderão obter a reconciliação com Deus. O sacrifício mais agradável a Deus é a nossa paz, a concórdia fraterna e um povo cuja união seja um reflexo da unidade que existe entre o Pai, o Filho e Espírito Santo.
 
Cipriano de Cartago,
De dominica oratione 22-2


 

Se o sol é Cristo, deve-se adorar a Deus em todas as horas

Mas a nós, irmãos caríssimos, além das horas observadas pelos antigos, foram-nos aumentados os tempos de oração e mistérios. Com efeito, devemos orar logo de manhã para celebrar, na oração matinal, a Ressurreição do Senhor. Igualmente, ao afastar-se o sol e ao terminar o dia, é necessário orar de novo. Porque, como Cristo é o sol e dia verdadeiro, quando se oculta o sol e o dia deste mundo orámos e pedimos que a luz venha de novo sobre nós, e imploramos a vinda de Cristo que nos irá trazer a graça da luz eterna. O Espírito Santo declara nos salmos que Cristo é esse Dia. Por isso, se nas Sagradas Escrituras o sol e o dia verdadeiro é Cristo, não fica nenhuma hora em que os cristãos não devam adorar a Deus, de modo que, os que estamos em Cristo, isto é no sol e no dia verdadeiros, nos entreguemos às súplicas e orações intensas durante todo dia.
Nós que estamos sempre em Cristo, isto é, na Luz, não devemos cessar que orar durante a noite. Nós, irmãos caríssimos, estamos sempre na luz do Senhor. Regenerados e nascidos espiritualmente pela misericórdia de Deus, devemos imitar o que havemos de ser.

 
Cipriano de Cartago,
De dominica oratione 35-36


 

Na oração, as palavras também são importantes

Pode parecer estranho que nos exorte a orar Aquele que sabe perfeitamente o que nos é necessário, ainda antes de Lho pedirmos. Devemos compreender, porém, que Deus nosso Senhor não pretende que Lhe dêmos a conhecer os nossos desejos, que aliás não Lhe podem ser ocultos, mas que exercitemos a nossa vontade. Quanto mais fielmente acreditarmos, mais firmemente esperarmos e mais ardentemente desejarmos este dom, mais capazes seremos de o receber.
Assim, portanto, havemos de orar, na fé, esperança e caridade, exercitando continuamente a nossa vontade. Mas devemos orar também com palavras em certas horas e circunstâncias, para nos estimularmos a nós mesmos por meio destes sinais exteriores.
Desejemos sempre a vida bem-aventurada que o Senhor nos quer dar, e assim estaremos sempre a orar.
 
 Na oração, as palavras servem para nos estimular e para compreendermos melhor o que pedimos; não pensemos que são necessárias para informar o Senhor ou forçar a sua vontade.
 

Agostinho de Hipona, Carta 130, a Proba, 17-19.21


 

Não recebemos o que pedimos, porque é mais vantajoso o que Deus dá

Certamente, nas tribulações, não sabemos o que devemos pedir, mas confiemos em Deus Nosso Senhor. Se Ele não afasta de nós tais provações, nunca pensemos que Ele nos abandona. Portanto, se alguma coisa acontece contra o que pedimos na oração, nunca duvidemos de que o mais vantajoso é o que acontece segundo a vontade de Deus e não segundo a nossa, e suportemos com paciência tal contrariedade, dando graças a Deus por tudo. Temos nisto o exemplo do nosso divino Mediador.
Quem só pede ao Senhor a bem-aventurança e só por ela anseia, pede com segurança e certeza e não teme receber com ela qualquer dano, porque pede aquilo sem o qual de nada lhe serviria qualquer outra coisa que recebesse, orando como convém. Esta é a única verdadeira vida, a única vida bem-aventurada: contemplar eternamente a bondade do Senhor. Só por causa desta felicidade se buscam outros bens, só com esta finalidade se pede como convém. Ali está a fonte da vida, da qual agora sentimos sede na oração. Mas, como essa vida é a paz que supera todo entendimento, também quando a pedimos na oração, não sabemos o que pedimos.
 

Agostinho de Hipona, Carta 130, a Proba, 26-27


 

Porque motivo rezamos o Pai-nosso antes da comunhão?

Por que motivo dizemos o Pai-nosso antes de receber o Corpo e Sangue de Cristo? Porque assim o pede a fragilidade humana: a nossa mente pode ter concebido o que não devia, a língua pode ter dito o que não convinha, os olhos podem ter-se fixado onde não queriam. Se por acaso contraímos outras manchas, fruto da tentação deste mundo e da fragilidade da vida humana, limpamo-las com a Oração dominical, ao dizermos: Perdoai-nos as nossas ofensas. Deste modo aproximamo-nos com a esperança de que não comemos nem bebemos para a nossa condenação aquilo que recebemos.
 

Agostinho de Hipona, Sermão 229, 3


 

O valor da oração dos fiéis

As orações dos fiéis transmitidas pelos apóstolos são celebradas uniformemente no mundo inteiro e em toda a Igreja Católica, para que a lei da oração estabeleça a lei da fé.
Os que presidem às assembleias santas dos povos e desempenham o serviço que lhes foi entregue tornam presente à clemência divina a causa do género humano. Ao mesmo tempo que toda a Igreja suplica com eles, pedem que se conceda a fé aos infiéis, que os idolatras sejam libertados dos erros da sua impiedade, que aos Judeus seja tirado o véu que lhes cobre o coração e lhes apareça a luz da verdade da fé católica, que os cismáticos recebam, renovado, o espírito da caridade, que se dê aos que caíram o remédio da penitência, e, por fim, que aos catecúmenos, conduzidos aos sacramentos da regeneração, lhes seja aberta a porta da misericórdia celeste.
 

Papa Celestino I, Carta 21, 2


 

A oração comunitária é superior

Qual é a desculpa medíocre da maioria daqueles que saem à pressa no fim da homilia? «Eu tão bem posso rezar em minha casa, dizem eles, ao passo que em minha casa não posso escutar uma homilia ou um sermão». Enganas-te a ti mesmo, homem! Se efetivamente tu podes orar em tua casa, não poderás aí rezar do mesmo modo que na igreja, onde se encontra um número tão grande de pais espirituais e onde um clamor unânime sobe para Deus. Quando invocas o Senhor em particular, não és tão bem escutado como quando o fazes na companhia dos teus irmãos. Aqui há qualquer coisa mais, a saber, a unanimidade dos espíritos e das vozes, o elo da caridade e as orações dos sacerdotes; os sacerdotes presidem para que as orações da multidão, que são mais frágeis, recebam o reforço das suas, que são mais fortes, e se elevem com elas para o Céu.
Aliás, que utilidade teria uma homilia se não se lhe juntasse a oração? Se a oração de um só tem um tal poder, quanto mais eficaz é a oração que se faz com a multidão.
 

João Crisóstomo, De incompreensibile Dei natura 3, 6


 

A oração é energicamente activa

Como os actos de virtude e os preceitos vêm juntamente com a oração, ora sem interrupção aquele que junta a oração à acção que deve realizar e as obras à oração. Quanto à recomendação «orai sem interrupção», só a podemos aceitar como preceito possível se dissermos que a vida toda do homem santo é um acto de oração contínua; aquilo a que nos habituámos a chamar oração, e que devemos recitar pelo menos três vezes por dia, é apenas uma parte dela, o que é manifesto em Daniel. Mas nem o tempo da noite deve ser passado sem este género de oração. De Paulo se diz, nos Actos dos Apóstolos, que em Filipos, com Silas, a meio da noite, começou a orar e a louvar a Deus, de tal modo que os outros presos o ouviam.
A oração é energicamente activa. Da mente do orante saem, por assim dizer, flechas que ferem os espíritos malignos pondo-os em fuga.
 

Orígenes, De oratione 12


 

Não tenhas as mãos encolhidas quando se trata de dar

Meu filho, não sejas áspero: a amargura conduz à difamação; não sejas também arrogante nem malévolo: é de tudo isso que nascem as calúnias. Ao contrário, torna-te manso, porque os mansos possuirão a terra como herança. Sê paciente, misericordioso, sem falsidade, pacífico e bom. Guarda com todo o cuidado a instrução que ouviste. Não procures elevar-te a ti mesmo e não entregues o teu coração à insolência. Não unas a tua vida ao mundo dos grandes, mas ao caminho dos justos e dos humildes. Aceitarás os acontecimentos da vida como outros tantos bens, sabendo que Deus não é estranho a nada do que acontece.
Não tenhas as mãos sempre estendidas para receber, e encolhidas quando se trata de dar. Se tens alguma coisa graças ao trabalho das tuas mãos, dá para seres liberto dos teus pecados.  Não hesitarás em dar e, ao fazê-lo, guarda-te de murmurar, pois um dia reconhecerás quem é o verdadeiro dispensador da recompensa. Não repelirás o indigente com um mau acolhimento; porás todas as coisas em comum com o teu irmão e não declararás que elas te pertencem, porque, se partilhais os bens da imortalidade, com maior razão deveis fazê-lo quanto aos bens corruptíveis.

 

Didaqué ou Doutrina dos doze Apóstolos, 3.4.

Os três sacramentos da iniciação cristã

O sacramento consiste numa celebração. Aquilo que nela se realiza deve levar a perceber o seu significado profundo e a receber o sacramento santamente. Sacramentos são o Baptismo e o Crisma, e o Corpo e Sangue do Senhor.
A essas coisas chama-se sacramentos, porque, sob o véu de realidades corporais, a força divina realiza secretamente a salvação através dos próprios sacramentos; chamam-se sacramentos pelas virtudes «secretas» ou pelas realidades «sagradas».
Estes sacramentos celebram-se com fruto na Igreja, porque o Espírito Santo, que está nela, realiza ocultamente o próprio efeito dos sacramentos.
Por isso, mesmo que sejam administrados dentro da Igreja de Deus por bons ou por maus ministros, uma vez que quem os vivifica misticamente é o Espírito Santo, que no tempo dos Apóstolos Se manifestava por obras visíveis, nem se aumentam estes dons pelos méritos dos bons dispensadores nem se diminuem pelos dos maus, porque
não é nada o que planta nem o que rega, mas Aquele que faz crescer, que é Deus. Por isso, em grego também se diz «mistério», por ter uma forma de ser secreta a escondida.
 

Isidoro de Sevilha, Etymologiarum sive Originum libri XX, VI, 19, 39-42

Adão e Cristo: um teve princípio e outro não tem fim

Ensina-nos o santo Apóstolo que dois homens deram princípio ao género humano: Adão e Cristo. Dois homens, semelhantes no corpo, mas diferentes no mérito. Temos, portanto, o primeiro e o último Adão. O primeiro teve princípio; o último não tem fim. Por isso, este último é verdadeiramente o primeiro, como Ele mesmo diz: Eu sou o Primeiro e o Último.
Tal como foi o homem terreno, assim são também os homens terrenos; e tal como é o homem celeste, assim serão também os homens celestes... Isto deve-se, irmãos, à acção do Espírito, que fecunda com a sua luz divina o seio materno da fonte virginal, para que aqueles que a origem terrestre trouxe ao mundo na pobre condição terrena renasçam na condição celeste e sejam elevados à semelhança do seu divino Criador...
 

Pedro Crisólogo, Sermão 117.

 As leituras bíblicas ensinam a ciência aos reis e sacerdotes

As leituras bíblicas encerram uma lição para os que são capazes de ser divinizados e estão enraizados nos sagrados e divinizantes sacramentos. Ensinam que o próprio Deus dá substância e ordem a tudo o que existe, inclusive à legítima hierarquia e sociedade. Ensinam a ciência aos juízes santos, aos reis e aos sacerdotes sábios que vivem em Deus. Exprimem o poderoso e inquebrantável ponto de vista que deu capacidade aos nossos antepassados para ultrapassarem variadas e numerosas desgraças [alusão ao livro de Job]. Delas provêm sábias normas de vida, o cântico que descreve gloriosamente o amor divino [alusão ao livro da Sabedoria], as predições proféticas do futuro, as obras divinas de Jesus feito homem, os actos e os ensinamentos dos seus discípulos, a visão secreta e mística daquele homem inspirado que foi o discípulo amado [alusão ao livro do Apocalipse] e a transcendente doutrina de Jesus.

 
Pseudo-Dionísio Areopagita,
De ecclesiastica hierarchia, III, 3,4


 

A grandeza do homem vem da glória do Senhor

“Não se glorie o sábio na sua sabedoria, não se glorie o forte na sua força, não se glorie o rico na sua riqueza.” Mas onde está a verdadeira glória do homem? Onde está a sua grandeza? “Quem se glorie – diz a Escritura – glorie-se nisto: em conhecer e compreender que Eu sou o Senhor”. A grandeza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem em conhecer onde está a verdadeira grandeza e segui-la de todo o coração, em buscar com ardor a glória que vem da glória do Senhor. Quem se gloria de modo perfeito e irrepreensível é aquele que não se exalta com a sua própria justiça, mas reconhece que não a tem e compreende que só na fé em Cristo está a sua Justificação.
O único motivo de glória que te resta, ó homem, e o único motivo de esperança, está em fazer morrer tudo o que é teu e buscar a vida futura em Cristo. Mas nós já possuímos as primícias desta vida e, portanto, ela já começou em nós, uma vez que vivemos inteiramente na graça e no dom de Deus. Na verdade “
é Deus que opera em nós o querer e o agir, segundo os seus desígnios”; é Deus que pelo seu Espírito nos revela a sabedoria, que de antemão destinou para nossa glória; é Deus que nos dá força e vigor no trabalho. Deus livra-nos dos perigos para além de toda a esperança humana.

Basílio de Cesareia, Homila XX, sobre a humildade


 

Que loucura, quem ama a vida negar a Vida

            A Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo é o que caracteriza a fé cristã. Que tenha nascido em carne mortal, que tenha aceitado ser pequeno em tudo, que tenha passado a idade da infância, que tenha chegado à de homem, que tenha levado a idade de homem até à morte, tudo isso se encaminhava para a Ressurreição, pois não teria ressuscitado se não tivesse morrido, e não teria morrido se não tivesse nascido. Por isso, o facto de nascer e morrer aconteceu por causa da Ressurreição. Porque ressuscitar e viver para sempre, quem é que tal conhecia? Tal é a novidade que trouxe à nossa terra Aquele que veio da região de Deus.
            Negar a Cristo, que é senão negar a vida? Que loucura, quem ama a vida negar a Vida. A Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo delimita a nossa fé. Vivereis se viveis, quero dizer, vivereis para a eternidade se viverdes bem. Não temais morrer mal; temei, sim, viver mal.
 

Agostinho de Hipona, Sermão 229 H.


 

se condenas as tuas culpas, serás mais cauteloso para não voltar a cair
 

Quereis que vos recorde os caminhos da penitência? São muitos, variados e diferentes, e todos levam ao Céu. O primeiro caminho da penitência é a acusação dos pecados: Confessa primeiro os teus pecados e serás justificado. Por isso dizia também o Profeta: Eu disse: Vou confessar ao Senhor a minha culpa; e Vós me perdoastes a culpa do meu pecado. Condena, portanto, também tu as tuas culpas, e esta confissão te alcançará o perdão do Senhor. E se condenas as tuas culpas, serás mais cauteloso para não voltar a cair. Habitua a tua consciência a ser a tua acusadora familiar, para que mais tarde ninguém te acuse diante do tribunal do Senhor. Este é, portanto, o primeiro e o melhor caminho da penitência.
Mas há outro, não inferior ao primeiro, que consiste em perdoar as ofensas que recebemos dos inimigos, dominar a ira, esquecer as faltas dos nossos irmãos. Assim nos serão perdoadas também as ofensas que praticamos contra Deus. Este é o segundo caminho de expiar as nossas culpas,
porque se perdoardes a quem vos ofendeu, também o vosso Pai celeste vos perdoará. Não fiques, portanto, ocioso, mas procura seguir estes caminhos tão fáceis.

João Crisóstomo, Homilia de diabolo tentatore, 2,6


 

Oração para a vida futura
 

Nos teus sacramentos Te abraçamos cada dia e Te recebemos em nossos corpos; torna-nos dignos de experimentar no nosso corpo a ressurreição que esperamos. Sê, Senhor, a asa dos nossos pensamentos, para que, ligeiros, voemos pelos ares e sejamos trasladados como que por asas para a nossa verdadeira morada. Escondemos o teu tesouro nos nossos corpos com a graça do baptismo; esse mesmo tesouro cresce à mesa dos teus sacramentos; concede-nos que nos alegremos na tua graça. Temos o teu memorial, Senhor, na nossa pessoa, recebido da tua mesa espiritual; que o tenhamos na realidade da renovação futura. Dá-nos a graça de entender a formosura que temos; graças àquela formosura espiritual que na própria mortalidade excita a vontade imortal. A tua crucifixão, Salvador nosso, foi o termo da tua vida corporal; concede-nos que crucifiquemos a nossa mente em ordem à vida espiritual. A tua ressurreição, oh Jesus, dê grandeza ao nosso homem espiritual; a visão dos teus sacramentos seja para nós espelho para o conhecer. A tua divina administração, oh Salvador nosso, é imagem do mundo espiritual: concede-nos a graça de nela avançarmos como homens espirituais.

Efrém, Diácono, Lamy, 3, 220.


 

Há perseguidores que não se vêem

            A muitas perseguições correspondem muitas provações: onde há muitas coroas de vitória tem de ter havido muitos combates. É bom par ti que haja muitos perseguidores, pois entre tantas perseguições mais facilmente encontrarás o modo de ser coroado.
            Mas o pior de tudo é que os perseguidores não são só aqueles que se vêem: há também os que não se vêem, e estes são mais numerosos. O diabo envia muitos servos seus a mover perseguições, não apenas exteriores, mas dentro da alma de cada um.
            Sendo muitas as perseguições, também são numerosos os martírios. Todos os dias és testemunha de Cristo. Foste tentado pelo espírito de fornicação; mas, por temor do futuro juízo de Cristo, julgaste que não devias manchar a pureza da alma e do corpo: és mártir de Cristo. Foste tentado pelo espírito da avareza para assaltar a propriedade do teu inferior ou para violar os direitos da viúva indefesa; todavia, meditando nos preceitos divinos, preferiste prestar ajuda a praticar injustiças: és testemunha de Cristo. Foste tentado pelo espírito de soberba; mas, ao ver o pobre e o necessitado, compadeceste-te piedosamente e preferiste a humildade à arrogância: és testemunha de Cristo. Mais ainda: deste testemunho não só com palavras mas também com factos. Com efeito, quem é testemunha mais veraz do que aquele que, cumprindo os preceitos do Evangelho, “
confessa que o Senhor Jesus Se fez homem?

Ambrósio de Milão, In Psalmum David CXVIII, 20

Não és uma pedra comum

Por preceito de Deus, a “igreja” não significa para nós uma casa construída de pedra e madeira, mas os homens de todas as raças edificados pela fé sobre a rocha da fundação. Por conseguinte, a verdadeira fé é a “igreja”, porque ela nos reúne e nos edifica num único povo pelo conhecimento de filho de Deus. Foi isso que Aquele que dá a vida ensinou quando disse: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela”.
Como devemos nós entender que Jesus tenha dito a Pedro que ele era uma “pedra”? Certamente não quis dizer que ele era uma pedra comum. Deus me livre. O que Ele quis dizer é que Pedro era um homem racional, chefe do grupo apostólico, e porque confessou firmemente que Cristo era o Filho de Deus, recebeu a bênção e foi chamado “pedra”. Por conseguinte, aqueles que são edificados sobre ele não são pedras sem vida, mas homens e companheiros que participam da mesma fé.
Estás a ver a harmoniosa e sublimidade da igreja, por meio da sua fé santa e imaculada da qual os apóstolos, os profetas e os doutores são os marinheiros, que tem por capitão o Verbo de Deus encarnado? Com efeito, é costume dizer-se que a igreja é semelhante a um navio que a todos leva dentro dela, capaz de os transportar de graça, a pé enxuto e em segurança por cima de todas as ondas do mundo. Mas nós só guardamos firmemente a fé, pela qual fomos edificados em Igreja sobre o alicerce dos apóstolos e dos profetas.

Catholicos Isaac Sahak, Cânones IV, 1


 

O amor de Deus não procede de uma disciplina exterior
 

            Assim como não é preciso ensinar-nos a gozar da luz, a desejar a vida, a amar os pais ou educadores, assim também, e com maior razão, o amor de Deus não procede de uma disciplina exterior, mas é na própria constituição natural do homem que está inserida, como que em germe, uma força espiritual que contém em si a capacidade e a necessidade de amar. Esta força espiritual inata é depois cultivada diligentemente e alimentada na escola dos preceitos divinos, que, com a ajuda de Deus, a conduz à perfeição.
           
 

Basílio de Cesareia, Regula Monastica Maior, 2

XI

O sono permite que estejamos frescos no dia seguinte

A vida do corpo é fluxo e mudança. O homem não pode existir senão como movimento incessante, semelhante à corrente de um rio.
O sono ajuda a relaxar a tensão. Quando despertamos, retoma o movimento. Nenhum destes estados dura muito tempo. É graças à sua alternância que nós nos renovamos.
Uma tensão constante levaria ao colapso, um contínuo relaxamento conduziria à dissolução do ser. A passagem regular, no momento propício, de um estado ao outro é o segredo que preserva a vitalidade do homem.
Assim, se o corpo está cansado, precisa de dormir. É como quando se deixam repousar os cavalos que lutaram no hipódromo. O sono restaura-nos, relaxa-nos, permite que estejamos frescos no dia seguinte.

Gregório de Nissa, A criação do homem, 13


Quando dormires não deites fora a tua luz

Terminado o jantar, damos graças a Deus pelo bem que nos concedeu e pelo dia que termina. Deixamos o sono para mais tarde.
Para alguns é mais importante o aconchego da cama, dos cobertores, dos tapetes, das almofadas, das camisas de dormir, do que o próprio sono. Eles dormem sobre penas tão suaves que é como se o corpo estivesse dentro de uma fossa. Não se mexem sequer porque o colchão levanta-se em todas as partes. Pelo contrário, dorme melhor aquele que tem uma cama dura e o dia seguinte é menos pesado.
Cair no sono é como cair na morte: esvazia-se a mente e desaparecem os sentimentos. As pálpebras fechadas separam-nos da luz.
Como filhos da luz, não podemos fechar a porta à luz interior. Procuramos não dormir demasiado, sobretudo quando os dias são mais pequenos. Levantemo-nos cedo, para nos dedicarmos à leitura.
O sono é como o cobrador de impostos: tira-nos metade da nossa vida.

Clemente de Alexandria, O pedagogo, 2, 9, 77


O copo do jovem e o copo do velho

A Timóteo, que só bebia água, Paulo escreveu: «Bebe também um pouco de vinho, por causa do teu estômago» (1 Tim 5, 23). Para um corpo débil e adoentado o vinho é um remédio fortificante. Mas Paulo aconselha a beber apenas um pouco. Ele sabe que aquela medicina, se for tomada em grande quantidade, precisaria de um segundo remédio.
A bebida mais natural e mais simples, que realmente mata a sede, é a água. O Senhor concedeu-a aos antigos hebreus, fazendo-a brotar de um rochedo. Ela é a única bebida para quem quer ser temperante. De facto, os hebreus, para prosseguir a sua peregrinação através do deserto, precisavam de estar bem sóbrios.
Só depois vem o cacho de uvas da santa Videira. Apareceu como símbolo de repouso para aqueles que, em sua existência peregrinante, tinham crescido interiormente. Era um cacho muito grande, que foi pisado no lagar para nós. Era o Verbo de Deus.
Alegro-me com aqueles que, tendo escolhido uma vida austera, bebem apenas água. Do mesmo modo, alegro-me quando vejo jovens que se abstêm o mais possível do vinho. Na força da idade não é muito aconselhável que se beba do mais ardente de todos os líquidos: seria como deitar fogo sobre o fogo, alimentando a voluptuosidade das paixões.
Não é assim tão mau, pelo contrário, se os anciãos procurarem um pouco de alegria no vinho, aquecendo a frieza da vida que começa a apagar-se. Porém, procurem também eles a sobriedade, para que a mente permaneça lúcida, a memória se mantenha fresca e o corpo não vacile.

Clemente de Alexandria, O pedagogo, 2, 9, 77

A hipocrisia do Estômago

Eu duvido que alguém consiga libertar-se da gula antes de descer ao túmulo.
A gula é a hipocrisia do estômago: lamenta-se de estar vazio, quando já está saciado; grita de fome, quando já está tão cheio, a ponto de não caber mais.
Quem come demasiado, procria impureza; quem mortifica o estômago, gera pureza. O leão, se for bem ensinado, acaba por ser domesticado, ao passo que o corpo, quanto mais habituado, mais exige.
Domina a gula, antes que ela te domine a ti.

João Clímaco, Escada do Paraíso, 14


à mesa é preciso muito equilíbrio

Nós renunciamos a um nutrimento demasiado abundante e refinado para não cedermos às tentações do nosso corpo que salta e estremece. Como consequência, temos comida de sobra para distribuir pelos pobres: sinal de autêntico amor fraterno.
Aquele que, dando graças a Deus, come e bebe tudo aquilo que lhe é preparado e servido não contradiz a verdadeira sabedoria, porque tudo o que Deus faz «é muito bom» (Gn 1, 31).
Mas quem renuncia voluntariamente àquilo que gosta, mostra uma sabedoria ainda maior. Isto só é possível se tiver experimentado antes a doçura de Deus.
Se comeres em demasia, sentirás a mente cansada e ociosa. Por outro lado, se te mortificares com uma abstinência excessiva, sentirás uma tristeza profunda e uma certa indiferença em relação à Palavra divina.
É preciso, portanto, muito equilíbrio: modera o apetite quando te sentes bem e come um pouco mais quando te sentes enfraquecido.

Diádoco de Foticeia, Obras espirituais, 43


Mede a tua fé com a tua confiança

«Olhai as aves do céu» (Lc 12, 24), diz Jesus. Eis um grande exemplo que se deve imitar.
Se os pássaros, mesmo não semeando ou cultivando, recebem inesgotavelmente o alimento da Providência divina, ajuda-nos a entender que, entre os homens, a pobreza tem a sua causa na avareza.
Deus deu os frutos da terra para todos alimentar indistintamente, de tal maneira que ninguém pode reivindicar direitos particulares. Nós, pelo contrário, perdemos o sentido da comunhão dos bens, porque fazemos deles propriedade privada.
Os pássaros não sabem o que quer dizer não ter comida, porque nenhum deles se apropria dos frutos da terra nem sente inveja dos outros.
«Olhai os lírios do campo: nem Salomão, com todo o seu esplendor, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que existe hoje e amanhã será lançada no forno, quanto mais a vós» (Lc 12, 27-28). Palavras estupendas, edificantes.
Com esta parábola da flor e da erva, o Senhor exorta-nos a confiar na misericórdia de Deus.
Nada é mais eloquente do que olhar para os seres irracionais que da Providência receberam hábitos tão belos. Com maior razão devemos acreditar que ao homem, que confia a Deus todas as suas canseiras, nunca faltará coisa alguma.

Ambrósio, Sobre o Evangelho de São Lucas, 7, 124

Mais do que começar, o importante é perseverar

Jerónimo disse:
«Os cristãos não serão julgados pelo modo como começaram, mas pelo modo como acabaram. Paulo começou mal, mas acabou bem. Judas começou bem, mas terminou mal.
Muitos são aqueles que partem, poucos são aqueles que chegam à meta».

Gregório disse:
«O valor do bem fazer está na perseverança.
Não vale a pena fazeres o bem se desistires antes do fim da vida».

Isidoro disse:
«O nosso comportamento só é agradável a Deus se formos capazes de levar a bom termo a obra começada.
A virtude não está em fazer o bem, mas na capacidade de o fazer até ao fim.
A recompensa não está prometida para quem inicia, mas para aquele que persevera».

Defensor Grammaticus, Liber Scintilarum 22

A obediência não é fraqueza

«Jesus era submisso a Maria e José» (Lc 2, 51). Mestre de virtudes, também ele devia observar os deveres do amor familiar. Porquê admirar-se se, para além de ser obediente ao Pai, obedecia também à sua mãe? Nesta submissão manifesta-se o amor e não a fraqueza.
Tira bons ensinamentos do seu exemplo: reconhece quanto amor deves aos teus pais.
A tua mãe sofreu contigo os perigos da gravidez, longas fadigas e contínuas angústias. O teu nascimento – o fruto que tanto desejava – libertou-a das dores do parto, mas não terminaram ali as preocupações para contigo.
E que dizer das preocupações dos pais? Trabalham duramente para prover às necessidades dos filhos, são como os lavradores que semeiam para que as gerações futuras possam colher. Isto bastava para que os recompensasses com o teu respeito.
Porque é que para o homem malvado a vida do pai parece longa e a parte da herança demasiado pequena, se Cristo não se importa de nos considerar co-herdeiros?

Ambrósio, Sobre o Evangelho de São Lucas, 2, 65


Quando os teus pais forem velhos

Depois de ter dito: «Amarás ao Senhor teu Deus» e: «Amarás ao próximo como a ti mesmo», a Lei acrescenta: «Honra teu pai e tua mãe».
É este o primeiro grau do amor: Deus ofereceu-te aos teus pais, como dom do seu amor. Evita ofendê-los: o amor pelos pais deve ser grande, evitando feri-los inconvenientemente.
Mas, não ferir os pais, é demasiado pouco. Honra-os como o Filho de Deus honrou os seus pais. Lestes no evangelho: «Jesus era-lhes submisso». Se Deus se submeteu aos seus servos, o que não deverás fazer tu pelo teu pai e tua mãe? Jesus honrava ainda o Pai celeste como mais ninguém o honrou: «fez-se obediente até à morte» (Fil 2, 8).
Se estão velhos, providencia ao seu sustentamento. Ainda que haja mais pobres do que eles, não permitas que passem fome.
Envergonha-te se vires a tua velha mãe a estender a mão, pedindo esmola aos estranhos à porta da igreja: não passes de cabeça levantada, exibindo belas vestes, com pulseiras e anéis.
O que é que lhe responderias se te pedisse o pagamento da dívida que tens para com ela, o preço que lhe deves por tudo aquilo que ela fez por ti?

Ambrósio, Sobre o Evangelho de São Lucas, 8, 74

A família para além da família

«Minha mãe e meus irmãos são todos aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 8, 21). Como um bom mestre, Jesus dá com o seu comportamento o exemplo aos outros. Porque é ele que manda, segue ele também os seus próprios preceitos.
Ensina que não se pode ser discípulo se não for capaz de abandonar o pai e a mãe. Ele próprio se submete a este primeiro ensinamento.
Com este modo de proceder, ele não condena o respeito pela mãe, porque dele provém outro preceito: «Aquele que não honra pai e mãe será réu de morte» (Mt 15, 4). Mas ele sabe que o mistério do Pai deve ser mais fiel do que o afecto por sua mãe.
Não repudia injustamente os pais, mas ensina-nos que os vínculos da alma são mais sacros que os vínculos do corpo.
Ninguém deve pensar que não tenha amor filial aquele que cumpre o preceito da Lei «o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne» (Gen 2, 24).
Este mistério tem também a sua realização no mistério da Igreja. Por isso, Cristo não podia preferir os pais em detrimento daquele que formava com ele um só corpo (cf. Ef. 5, 25-32).

Ambrósio, Sobre o Evangelho de São Lucas, 6, 36


Os nossos corpos ressuscitarão a seu tempo

Diz o santo Apóstolo na carta aos Efésios: Somos membros do seu Corpo, da sua carne e dos seus ossos; não é de um homem espiritual e invisível que o diz - o espírito, com efeito, não tem ossos nem carne, mas sim do organismo verdadeiramente humano, que consta de carne, nervos e ossos, que se nutre com o cálice do seu Sangue e se robustece com o pão que é o seu Corpo.
O ramo da Videira, mergulhado na terra, frutifica no tempo devido, e o grão de trigo, caindo na terra e dissolvendo-se, multiplica-se pelo Espírito de Deus que sustenta todas as coisas. Em seguida, pela arte da fabricação, são transformados para uso do homem e, recebendo a palavra de Deus, convertem-se na Eucaristia, que é o Corpo e Sangue de Cristo. Assim também os nossos corpos, nutridos pela Eucaristia, depositados na terra e nela desintegrados, ressuscitarão a seu tempo, quando o Verbo de Deus lhes conceder a ressurreição para glória de Deus Pai. É ele que reveste o corpo mortal com a sua imortalidade e dá gratuitamente a incorruptibilidade à carne corruptível, porque é na fraqueza do homem que se manifesta o poder de Deus.

Ireneu de lião, Adversus Haereses 5.2.3


Unir-nos-emos a Deus e também nós não passaremos mais

Louvar a Deus é cantar Aleluia. Passam os dias que vão chegando, passam e voltam, e anunciam o dia que não veio ainda nem passará, que não é anunciado pelo dia de ontem nem expulso pelo de amanhã. Quando chegarmos a esse dia, unir-nos-emos a ele e também nós não passaremos mais. Como se canta a Deus noutro salmo: Felizes os que moram em vossa casa; podem louvar-Vos continuamente. Será esta a nossa ocupação no repouso, o nosso trabalho no lazer, a nossa ocupação na quietude, o nosso cuidado na segurança. Quando chegar o dia da ressurreição de todo o corpo de Cristo, isto é, a santa Igreja, às preocupações da vida sucederá o dia único. Escutemos, pois, o Povo de Deus que canta, porque o seu coração transborda. Neste salmo ressoa a voz de um homem cujo coração exulta de alegria. Ele prefigura e significa o Povo de Deus, isto é, o corpo de Cristo, com o coração transbordante de amor, e libertado de todo o mal. Louvarei ao Senhor de todo o coração.

Agostinho de Hipona, Comentário ao Salmo 110, 1


A ressurreição de Cristo garantia da ressurreição de todos

Podemos afirmar que a ressurreição de Cristo, que põe termo à sua cruz e à sua morte, encerra já em si o mistério da ressurreição de todos os que formam o Corpo de Cristo.
Assim como o corpo visível de Jesus foi crucificado e sepultado e depois ressuscitou, assim também o Corpo total de Cristo, formado por todos os seus santos, é crucificado com Cristo na cruz e em certo sentido deixa de viver… De cada cristão se pode afirmar que não só foi crucificado em Cristo para o mundo, mas também com Cristo foi sepultado.
Fomos sepultados com Cristo pelo baptismo na sua morte, diz Paulo, que acrescenta imediatamente: E também como Ele ressuscitaremos, para nos sugerir já o penhor da nossa futura ressurreição.

Orígenes, Commentari in Johannem 9,35, 219-230


No maior silêncio...

Inflama-te no amor e desejo da vida eterna dos santos, onde o louvor de Deus será sem fastio e sem defeitos, e onde não haverá nenhum tédio na alma, nenhum cansaço no corpo. Deus será toda a delícia e saciedade da cidade santa, que viverá n´Ele e d´Ele, com sabedoria e felicidade…
Seremos iguais aos Anjos, e, lado a lado com eles, veremos a Trindade com os nossos olhos, nós que agora andamos no seu caminho pela fé e não mais com palavras de fé e com sílabas ruidosas gritaremos igualdade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a unidade da própria Trindade e o modo como as três pessoas são um só Deus: compreendê-lo-emos na mais pura e ardente contemplação, no maior silêncio.

Agostinho de Hipona, De catechizandis rudibus Liber, 47


Ama o homem, mas não coloques nele a tua esperança

Une-te aos bons... encontrá-los-ás, e muitos, se tu mesmo começares a ser bom. Entretanto, também não é nesses bons que te precedem ou te seguem no caminho de Deus que deves colocar a tua esperança. Nem em ti mesmo deves colocá-la, por maior que seja o teu progresso, mas n´Aquele que a ti e a eles torna bons pela justificação.
Na verdade, estás seguro de Deus porque Ele não muda. Contudo, a respeito do homem, ninguém, prudentemente, pode estar seguro. Uma coisa é amar o homem, outra coisa é pôr a sua esperança no homem: e tão grande é a diferença, que Deus manda aquela e proíbe esta. Sê humilde diante de Deus, para que Ele não permita que sejas tentado acima das tuas forças.

Agostinho de Hipona, De catechizandis rudibus Liber, 49


Prometeu-nos a vida, mas fez muito mais

Queres ser feliz? Se queres, eu vou-te mostrar como podes ser. Veio Cristo às nossas misérias: passou fome, sede, cansaço… foi cravado na cruz, ferido pela lança, posto no sepulcro, mas ao terceiro dia ressuscitou, uma vez acabado o sofrimento e vencida a morte. Aí tens onde deves pôr os olhos: na sua ressurreição…
O que Cristo teve na terra, isso terás tu; vindo de outra região, que encontrou Ele nesta senão o que nela abunda? Trabalhos, dores... Comeu contigo o que abunda na pobre casa da tua miséria. Bebeu cá vinho azedo, bebeu cá fel. Foi o que encontrou na tua pobre casa. Mas, em compensação, convidou-te para a sua lauta mesa, mesa do céu, mesa dos Anjos, onde o pão é Ele. Prometeu-nos a sua vida, mas o que fez é muito mais incrível, pois com confiança nos deu a nós a sua morte. Como se dissesse: convido-vos para a minha vida, aí tendes para onde vos convido: para a região dos Anjos, para a amizade do Pai e do Espírito Santo, para o banquete eterno, para a minha amizade de irmão, em suma, para Mim em pessoa. Convida-los para minha vida. Não quereis acreditar que vos darei minha vida? Tomai por fiança a minha morte.
Enquanto agora vivemos nesta carne corruptível, morramos com Cristo mudando de vida, vivamos com Cristo no amor da Justiça. Não havemos de encontrar a vida feliz enquanto não formos ter com Aquele que veio ter connosco e enquanto não começarmos a viver com Aquele que por nós morreu.

Agostinho de Hipona, Sermão, 231,

Quis que o reconhecessem na fracção do pão

Porque nos detemos nisto, irmãos? Aqui se constrói o edifício da nossa fé na Ressurreição de Jesus Cristo. Já, sem dúvida, o acreditávamos quando ouvimos ler o Evangelho, já, sem dúvida, o Acreditávamos quando entramos nesta reunião; e, não obstante, não sei como é, ouvimo-lo com alegria, porque assim o sentimos mais vivo na memória.
Recordai, caríssimos, como o Senhor Jesus quis que O reconhecessem na fração do pão aqueles que tinham os olhos enevoados, o que os impedia de O reconhecer. Os fiéis sabem o que estou a dizer; conhecem Cristo na fração do pão. Não é um pão qualquer que se converte no Corpo de Cristo, mas aquele que recebe a bênção de Cristo. Foi ali que eles O reconheceram, se encheram de alegria e foram ao encontro dos outros.
Acreditemos em Cristo crucificado, acreditemos sobretudo n´Aquele que ressuscitou ao terceiro dia. Tal é a fé que nos distingue dos incrédulos, que nos distingue dos pagãos, e dos Judeus, a fé com que cremos que Cristo ressuscitou dos mortos. Distinga-se a nossa fé pelos nossos costumes, distinga-se pelas nossas obras, pois temos em nós o fogo da caridade, que os Demónios não podem ter.

Agostinho de Hipona, Sermão 234, 2-


cruz como ponte

O mesmo admirável Filho do carpinteiro, que conduziu a sua cruz até dos abismos da morte, que tudo devoravam, levou também o género humano para a morada da vida. E uma vez que o género humano, por causa de uma árvore, se tinha precipitado no Reino das sombras, sobre outra árvore passou para o reino da vida. Portanto, na mesma árvore, em que tinha sido enxertado um fruto amargo, foi enxertado depois um fruto doce, para que reconheçam o Senhor a quem nenhuma criatura pode resistir.
Glória a vós, que lançastes a Cruz, como uma ponte, sobre a morte, para que através dela passem as almas da região da morte para a vida! Glória a vós, que assumistes um corpo de homem mortal, para o transformares num manancial de vida em favor de todos os mortais!
Vós viveis para sempre! Aqueles que nos mataram procederam para com a vossa vida como os agricultores: lançaram-na à terra como um grão de trigo; mas ela ressuscitou e fez ressurgir consigo a multidão dos homens. Vinde, ofereçamos o sacrifício grande universal do nosso amor e entoemos, com grande alegria, cânticos e orações Àquele que Se ofereceu a Deus no sacrifício da cruz, para nos enriquecer por meio dela com a abundância dos seus dons.

Efrém, Diácono, Sermão de nosso Senhor 4.


Porque rezamos pelos defuntos

Não é em vão que fazemos comemoração dos defuntos durante os divinos mistérios e que nos aproximamos do altar em favor deles, suplicando ao Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo, mas fazemos tudo isto para que eles recebam daí algum consolo. E também não é em vão que aquele que está no altar clama, enquanto se celebram os santos mistérios, por todos os que morreram em Cristo e por aqueles por quem se celebram estas comemorações, pois, se não se fizessem por eles, nem sequer diria isto. Porque as nossas coisas não são representações teatrais, longe disso. Fazemo-las por ordem do Espírito.
Socorramos e façamos comemorações por eles. Se os filhos de Job foram purificados pelo sacrifício de seu pai, porquê duvidar que as nossas oferendas para os defuntos lhes levam alguma consolação? Não hesitemos em socorrer os que partiram e oferecer por eles as nossas orações.

João Crisóstomo, Homilia sobre a I Epístola aos Coríntios, 41


A morte de Cristo é a vida de todos

Temos médico, apliquemos o remédio. O nosso remédio é a graça de Cristo, e o corpo mortal é o nosso próprio corpo. Por conseguinte, afastemo-nos do corpo para não nos afastarmos de Cristo. Embora vivamos no corpo, não sigamos o que é do corpo nem nos sujeitemos às exigências da natureza, mas prefiramos os dons da graça.
Que mais ainda? O mundo foi resgatado pela morte de um só. Cristo podia não ter morrido, se quisesse; mas julgou que não devia fugir à morte, como se fosse inútil; antes, considerou-a como o melhor meio para nos salvar. A sua morte foi, portanto, a vida de todos. Recebemos o sinal sacramental da sua morte, anunciamos a sua morte na oração, proclamamos a sua morte na Eucaristia; a sua morte é vitória, é sacramento, é solenidade anual em todo o mundo.

Ambrósio, Sobre a morte de seu irmão Sátiro


Como se de nós fosse exigido algo superior ás nossas forças

Deus comunicou-nos previamente a força e a capacidade de cumprir todos os preceitos, e por isso não há razão para os encarar de má vontade como se de nós fosse exigido algo superior ás nossas forças, nem para nos orgulharmos como se retribuíssemos algo maior do que aquilo que nos foi dado. Se fazemos bom uso destas energias recebidas, levaremos com amor esta vida cheia de virtudes; mas, se fazemos mau uso delas, viciamos a sua finalidade.
Nisto consiste precisamente o vício: usar mal, e contra os preceitos divinos, das faculdades que o Senhor nos concedeu para fazer o bem; ao contrário, a virtude, que é o que Deus pede de nós, consiste em usar dessas faculdades com reta consciência, segundo a vontade do Senhor.

Basílio de Cesareia, Regula Monastica Maior, 2


Abre a porta

“Eu e o Pai viremos a ele e faremos nele a nossa morada.” Abre a tua porta Àquele que vem, abre a tua alma, revela o interior do teu espírito, para que nele vejas afluir as riquezas da simplicidade, os tesouros da paz, a suavidade da graça. “Dilata o teu coração”, vai ao encontro do sol da luz eterna “que ilumina todo o homem”. Aquela luz verdadeira brilha para todos; mas se alguém fecha as suas janelas, priva-se a si mesmo da luz eterna. E assim não dás entrada a Cristo, se fechas a porta da tua alma. É certo que Ele tem poder para entrar, mas não quer introduzir-Se como um importuno, não quer forçar a vontade de ninguém. Ele saiu do seio da Virgem como sol nascente, irradiando a sua luz por todo o orbe da terra, para iluminar a todos. Recebem esta luz os que desejam a claridade do esplendor eterno, aquela claridade que nenhuma noite pode alterar. A este sol que vemos cada dia sucedem as trevas da noite; mas o sol da justiça nunca se opõe, porque à luz da sabedoria não sucede a maldade. Feliz daquele a cuja porta Cristo chama. A nossa porta é a fé, que, se for robusta, fortifica toda a casa. Por esta porta entra Cristo.

Ambrósio de Milão, In Psalmum David CXVIII, 20


Ninguém pode vencer se não combater

A nossa vida, enquanto somos peregrinos na terra, não pode estar livre de tentações, e o nosso aperfeiçoamento realiza-se precisamente através das provações. Ninguém se conhece a si mesmo se não for provado, ninguém pode receber a coroa se não tiver vencido, ninguém pode vencer se não combater, e ninguém pode combater se não tiver inimigos e tentações.
Está em grande aflição Aquele que dos confins da terra faz ouvir o seu clamor, mas não será abandonado. Ele quis prefigurar-nos a nós que somos o seu corpo; quis prefigurar-nos naquele seu Corpo em que já morreu e ressuscitou e subiu ao Céu, para que os membros esperem confiadamente chegar também aonde a Cabeça os precedeu.

Agostinho de Hipona, comentário ao salmo 60.


Fomos marcados

No início das nossas sinaxes [assembleias] marcamo-nos com o sinal do baptismo. Fazemos o sinal da cruz nas nossas frontes, como no dia do baptismo. Não marcamos a boca ou a barba, mas levamos a mão à fronte dizendo com o coração: «Fomos marcados com o sinal». Este não é como o selo do baptismo, mas é o sinal da cruz que foi traçado na fronte de cada um de nós no dia do baptismo. Quando é dado o sinal para a oração, levantamo-nos imediatamente; e quando nos é dado o sinal de ajoelhar, prostramo-nos imediatamente para adorar o Senhor, marcando-nos com sinal antes de ajoelhar. Uma vez prostrados, choramos em nosso coração pelos nossos pecados, tal como está escrito: «Vinde, prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou».
Quando nos levantamos, fazemos o sinal da cruz, e depois de ter pronunciado a oração do Evangelho, suplicamos ao Senhor, dizendo: «Senhor, infunde o teu temor em nosso coração, para que possamos trabalhar pela vida eterna e ter temor de Ti». Cada um de nós diga em seu coração com um profundo suspiro: «
Quem pode conhecer os seus erros? Purificai-me dos que me são ocultos». Depois sentamo-nos e ficamos de coração e ouvidos atentos às santas palavras.

Comunidades Pacomianas, Ofício Divino 1

Oração da oblação.

É digno e justo louvar-Te, cantar-Te, glorificar-Te a Ti, Pai incriado do Filho unigénito Jesus Cristo. Nós Te louvamos, Deus incriado, imperscrutável, inefável, incompreensível a toda a natureza criada. Nós Te louvamos a Ti, que és conhecido pelo Filho unigénito, a Ti que por ele és anunciado, interpretado e dado a conhecer à natureza criada. Nós Te louvamos a Ti, que conheces o Filho e revelas aos santos as glórias que Lhe dizem respeito, a Ti que és conhecido pelo Logos que geraste, a Ti que és revelado aos santos. Nós Te louvamos, Pai invisível, dador da imortalidade. Tu és a fonte da vida, a fonte da luz, a fonte de toda a graça e de toda a verdade. Amigo dos homens, amigo dos pobres, propício a todos, Tu os atrais a todos para Ti pela vinda do teu Filho muito amado. Nós Te pedimos que faças de nós homens vivos. Dá-nos o Espírito de luz, a fim de que Te conheçamos a Ti, o verdadeiro, e Àquele que enviaste, Jesus Cristo. Dá-nos o Espírito Santo, a fim de que possamos dizer e contar os teus mistérios inefáveis. Fale em nós o Senhor Jesus, com o Espírito Santo: celebre-Te Ele por nós.

Serapião de Themuis, Euchologium Serapionis


há três géneros de sacrifícios

Em primeiro lugar, fica sabendo, ó novo cristão [recém batizado - Neófito], que há três géneros de sacrifícios. Não te deixes enganar. Um é abominável, outro digno de reprovação e o terceiro é puro. É abominável o dos pagãos, digno de reprovação o dos Judeus, puro o do povo cristão...
Agora é preciso que conheças o nosso sacrifício, aquele que se reconhece facilmente por contraposição. Se aos deuses corporais convém o sacrifício corporal, certamente o sacrifício feito a Deus espiritual também deve ser espiritual. Este não nasce da bolsa [não se compra com dinheiro], mas do coração; não se compra com rebanhos mal cheirosos, mas com vidas honestas; não se oferece com as mãos ensanguentadas, mas com sentimentos puros; não se degola para que pereça, mas, como Isaac, imola-se para que viva. Assim nos exorta o apóstolo Paulo, com estas palavras: Oferecei os vossos corpos como vítima viva, santa, agradável a Deus. O que agrada a Deus é que cada um se ofereça ao Senhor com espírito puro. Tudo o mais de nada aproveita, se o coração de quem adora não for puro.

Zenão de Verona , Tractatus 15.

O domingo não é o dia de toda a gente

Foi dito à nova criatura que não observasse o sábado, porque deve lembrar-se, sem cessar, de que a vida nova começou no dia senhorial; ela deve também aprender que a graça do dia do domingo é uma graça que jamais acabará.
O fim da primeira criação foi o sábado; o princípio da segunda criação é o domingo, dia em que a primeira criação foi renovada. Tal como o sábado era observado obrigatoriamente como memória do fim da criação, assim nós honramos o domingo como memória do início da sua renovação. Deus não fez outra criação, mas renovou a antiga, pondo fim àquela que já começara... Ao renovar a criação que fizera em seis dias, Deus assinalou o dia da renovação por estas palavras que o Espírito diz no salmo:
Eis o dia que o Senhor fez... O domingo não é, por isso, o dia de toda a gente, mas só daqueles que morreram para o pecado e vivem para Deus. Por isso a lei manda fazer a circuncisão no oitavo dia, mandato que nunca devia ser violado. A circuncisão era uma imagem do despojamento baptismal. Quando Abraão acreditou, recebeu a circuncisão, que era sinal da regeneração que acontece no baptismo. Ao chegar o que fora significado, cessou o sinal; o sinal era a circuncisão, ao passo que o banho do novo nascimento é a realidade significada...

Pseudo-Atanásio, O sábado e a circuncisão.


Não tomar dum só fôlego o que não se pode abarcar duma vez

Quem poderá compreender, Senhor, toda a riqueza de uma só das vossas palavras? Como o sedento que bebe da fonte, muito mais é o que perdemos do que o que tomamos. A palavra do Senhor apresenta aspetos muito diversos, segundo as diversas perspetivas dos que a estudam. O Senhor pintou a sua palavra com muitas cores, a fim de que cada um dos que a escutam possa descobrir nela o que mais lhe agrada. Escondeu na sua palavra muitos tesouros, para que cada um de nós se enriqueça em qualquer dos pontos que medita.
A palavra de Deus é a árvore da vida, que de todos os lados oferece um fruto bendito, como a rocha que se abriu no deserto, jorrando de todos os lados uma bebida espiritual... Aquele que chegou a alcançar uma parte desse tesouro, não pense que nessa palavra está só o que encontrou, mas saiba que apenas viu alguma coisa dentre o muito que lá está. E, porque apenas chegou a entender essa pequena parte, não considere pobre e estéril esta palavra; incapaz de apreender toda a sua riqueza, dê graças pela sua imensidade inesgotável. Alegra-te pelo que alcançaste, e não te entristeças pelo que ficou por alcançar. O que tem sede alegra-se quando bebe, e não se entristece por não poder esvaziar a fonte. Vença a fonte a tua sede, e não a tua sede a fonte, porque, se a tua sede fica saciada sem que se esvazie a fonte, poderás ainda beber dela quando voltares a ter sede; se, ao contrário, saciada a sede secasse a fonte, a tua vitória seria a tua desgraça.
Dá graças pelo que recebeste, e não te entristeças pelo que sobrou e deixaste. O que recebeste e alcançaste é a tua parte, e o que deixaste é ainda a tua herança. O que não podes receber imediatamente por causa da tua fraqueza, poderás recebê-lo noutra altura, se perseverares. E não tentes avaramente tomar dum só fôlego o que não podes abarcar duma vez, nem desistas, por preguiça, do que podes ir conseguindo pouco a pouco.

Efrém, diácono, Comentário sobre o Diatéssaron.


A virtude é perfume de Cristo

Quem ama o que é bom e honesto, também se tornará bom, porque a bondade que nele passa a existir transforma em si mesma quem a recebe. Recebemos em alimento Aquele que existe desde sempre, para que, ao recebê-lo, nos tornemos naquilo que Ele é. Ele diz: “O meu corpo é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida”. Por isso, quem ama esta carne não é amigo da sua própria carne. E quem se afeiçoa a este sangue ficará livre do sangue sensível, uma vez que a carne do verbo e o sangue que nela existe não tem uma graça qualquer, mas é suave para os que a saboreiam, atraente para os que a desejam e encantadora para os que a amam...


Gregório de Nissa,
homilia 8, Expositio in Ecclesiastes Salominis.


O corpo de Cristo reúne a multidão de todo o género humano

O sacrifício celeste, instituído por Cristo, é verdadeiramente um Dom concedido como herança do Novo Testamento, é o dom que Ele nos deixou como garantia da sua presença, na noite em que se entregava para ser crucificado. É o viático da nossa peregrinação. É o alimento que nos reconforta nos caminhos desta vida até ao dia em que formos ao seu encontro. Por isso dizia a Senhor: “se não comerdes a minha Carne e não beberdes o meu sangue, não tereis a vida em vós ”.
Com razão se considera o pão uma imagem do Corpo de Cristo. De facto, assim como para fazer pão é necessário reunir muitos grãos de trigo, transformá-los em farinha, amassar a farinha com água e cozê-la ao fogo, assim também o corpo de Cristo reúne a multidão de todo o género humano e os leva à perfeita unidade de um só corpo por meio do fogo do Espírito Santo.
Do mesmo modo, o vinho do seu Sangue, proveniente da reunião de muitos bagos, ou seja, das uvas da vinha por Ele plantada, foi espremido no lagar da cruz e ferve, por sua própria virtude, em amplos recipientes, que são os corações dos que o tomam com espírito de fé.

Gaudêncio de Bréscia, Tractatus 2.

XII

Não submetas o espírito ao corpo


Em certos casos o espírito segue as inclinações da natureza como um escravo.
O corpo prevalece, excita uma paixão e começa à procura do prazer egoístico. Então o espírito submete-se ao corpo e até lhe fornece os próprios meios para satisfazer os seus desejos.
Isto não acontece com todos. Os homens perfeitos não se comportam assim. Neles é o espírito que manda, escolhendo o que é verdadeiramente útil e que se impõe ao corpo.


Gregório de Nissa, A criação do homem, 14


Faça da sua casa uma igreja


Quando regressamos a casa, preparamos duas mesas: uma para o alimento do corpo, a outra para o alimento espiritual que é a Sagrada Escritura.
O marido repita o que foi dito na reunião da comunidade, a mulher deixe-se instruir, os filhos escutem.
Cada um de vós faça da sua casa uma igreja.
Não sois, por acaso, responsáveis pela salvação dos vossos filhos?
Não deveis prestar contas um dia?
Como nós, os pastores, daremos conta das nossas almas, assim os pais de família deverão prestar contas a Deus por todas as pessoas de sua casa.

João Crisóstomo, Sobre o Génesis 6, 2


Não cometas adultério


Assim diz o Senhor: «Aquele que repudia a sua mulher e casa com outra comete adultério, e quem casa com uma mulher que foi repudiada pelo seu marido também comete adultério» (Lc 16, 18).
Tu repudias a tua mulher como se tivesses direito a isso e não tens medo de cometer uma injustiça. Achas que tens direito a tal, porque não é proibido pela lei humana.
Como essa atitude é proibida pela Lei de Deus, mesmo que sejas obediente à lei dos homens, deves temer a Deus. Escuta a sua lei: «Não separe o homem o que Deus uniu» (Mt 19, 6).
Não tem muita importância se cometes adultério publicamente ou sem o conhecimento do marido. Há apenas uma diferença: a culpa cometida por razões de princípio e mais grave do que aquela que é cometida furtivamente.


Ambrósio,
Sobre o Evangelho de Lucas 8, 2


Tantas línguas, mas uma só natureza humana


A diversidade das línguas não destrói a natureza comum dos homens: tanto entre os gregos como entre os bárbaros havia indivíduos que pensavam nas virtudes e outros que se deixavam levar pelos vícios.
Esta opinião é também partilhada pelos pagãos. Os próprios gregos reconhecem que entre os bárbaros se encontra um certo esforço para exercitar as virtudes, e que a diversidade da sua língua não é impedimento para exercitar essa qualidade.
De resto, os arautos da verdade, isto é, os profetas e os apóstolos, não falavam eloquentemente a língua grega, mas, no entanto, transbordavam de autêntica sabedoria. Levaram a doutrina de Deus a todas as nações e, com os seus escritos sobre a virtude e sobre a religião, encheram a terra e o mar.

Teodoreto, Terapia dos débeis pagãos 5, 58


Verdadeiro presbítero da Igreja e verdadeiro diácono

Continua a ser permitido inscrever, ainda agora, no número dos Apóstolos aqueles que se exercitam em obedecer aos preceitos do Senhor e levam vida perfeita e gnóstica conforme ao Evangelho. Verdadeiro presbítero da Igreja e verdadeiro diácono da vontade de Deus é aquele que faz e ensina as coisas do Senhor. Não é pelo facto de ter sido ordenado e ser presbítero que nós o considerarmos como justo, mas é por ser justo que está inscrito no presbitério. Se, na terra, ele goza da honra da presidência, no Céu sentar-se-á sobre os vinte e quatro tronos, para julgar o povo, como diz João no Apocalipse… Eu penso que, na Igreja da terra, as ordens do episcopado, do presbiterado e do diaconado são imitações da glória celeste e dessa economia que espera, segundo a palavra das Escrituras, os que seguiram os passos dos Apóstolos, para viverem na perfeição da Justiça, em conformidade com o Evangelho…


Clemente de Alexandria, Stromata VI nº 13


Deus é vida


Nós devemos celebrar a vida eterna, da qual procede qualquer outra vida. Dela recebe a vida, proporcionalmente às suas capacidades, qualquer ser que participa, de qualquer maneira, da vida.
Esta Vida divina, que está acima de qualquer outra vida, vivifica e conserva a vida. Qualquer vida e qualquer movimento vital procedem desta Vida que transcende qualquer vida e todo o princípio de cada vida.
As almas devem-lhe a sua incorruptibilidade, porque é graças a ela que vivem todos os animais e todas as plantas, que recebem da vida todo o seu alento.
Aos homens, seres compostos de espírito e matéria, a Vida dá a vida. Se por acaso for abandonada, então a Vida, pelo seu amor que transborda em relação ao homem, nos converte e nos chama para si.
Não só: promete conduzir as almas e os corpos à vida perfeita, à imortalidade.
É demasiado pouco dizer que esta Vida é viva: ela é o princípio de vida, única Causa e Fonte de vida.
Todo aquele que vive deve louvá-la e contemplá-la: é a Vida que transborda vida.


Pseudo-Dionísio Areopagita, Sobre os nomes divinos 6, 1


Deus é sabedoria


Deus, para além da Vida eterna, é sabedoria: Sabedoria que alimenta cada sabedoria, que transcende cada sabedoria, que supera cada possibilidade de a compreender.
Sim, Deus não só transborda de sabedoria e “a sua sabedoria não tem limites” (Sl 147, 5): além disso, Ele transcende qualquer mente, qualquer inteligência, qualquer saber.
É o que Paulo tinha entendido de forma estupenda quando escreveu: “A loucura de Deus é mais sábia do que a sabedoria dos homens” (1Cor 1, 25).
Por outro lado, a Sabedoria é causa de cada inteligência, de cada sabedoria, de cada possibilidade de a compreender.
Dela as almas recebem o poder de reflectir, isto é, o poder de percorrer discursivamente e circundar a própria verdade dos seres e o poder de reconduzir a multiplicidade à unidade.

Pseudo-Dionísio Areopagita, Sobre os nomes divinos 7, 1


Deus é Paz


Deus é paz, princípio de qualquer comunhão. Celebramos a Paz com louvores de paz.
É o Deus-paz que unifica todas as coisas, que gera toda concórdia, que produz toda a coesão.
Todos os homens procuram esta Paz, para que transforme a pluralidade e a divisão em unidade perfeita, podendo viver em pacífica convivência.
De facto, a Paz derrama a sua plenitude através de todos os seres.
A Paz unifica todas as realidades, ligando um extremo com o outro, submetendo-as à unidade com uma amizade que as torna homogéneas.
A Paz torna participantes da própria bem-aventurança todos os confins, até os mais longínquos da terra.
A Paz conjuga todas as coisas entre elas, através de milhares de unidades, milhares de identidades, milhares de uniões, milhares de comunhões.
A Paz permite que de si transborde a abundância da própria fecundidade tranquilizante.

Pseudo-Dionísio Areopagita, Sobre os nomes divinos 11, 1


Deus é Luz

Escreve João: «Deus é Luz e nele não há trevas» (1Jo 1, 5).
Mesmo que fale de luz, as palavras são escuras. Também o sol é luz, a lua é luz, a lâmpada é luz.
Deve haver em Deus alguma coisa que é muito superior as estas luzes pela grandeza, esplendor, qualidade.
Quanto Deus está acima das criaturas, o autor acima da sua obra, a Sabedoria acima do que fez com sabedoria, assim, esta Luz deve transcender todas as outras luzes.
Talvez nos aproximemos dela se fizermos o possível para sermos iluminados. Nós somos trevas, mas iluminados pela Luz podemos ser luz.
A Luz não humilha, se nos humilharmos a nós próprios.
Quem é que se humilha? Quem tem consciência de ser pecador.
Quem é que ela não humilha? Quem por ela é iluminado.
Quem é que é iluminado por ela? Aquele que, sabendo que o pecado o escurece, deseja que ela o ilumine e se aproxima da Luz.
É o que diz o Salmo: «Procura o Senhor: sereis iluminados e os vossos rostos não se envergonharão» (Sl 34, 6).
Não, a Luz não te fará mal se, quando desvelar os teus limites, eles te entristecerem, dando-te conta da sua beleza.

Agostinho, Sobre a primeira carta de S. João 1, 4

Deus é Pai

Se alguém quiser saber porque chamamos Pai ao nosso Deus, escute Moisés: «Não é Ele o teu pai e senhor! Não foi ele que te deu o ser e a vida?». E escuta também Isaías: «Senhor, tu és o nosso Pai! Nós somos lodo e tu nos formastes, somos todos obra das tuas mãos» (Is 64, 8). Por inspiração profética, Isaías fala claramente: Não é por termos nascido segundo a natureza do Pai dos Céus que nós o chamamos Pai, mas por termos sido transferidos pela graça do Pai e por acção do Filho e do Espírito Santo da escravidão à adopção.
Também Paulo era pai: pai dos cristãos de corinto. Não porque os tinha gerado segundo a carne, mas porque os tinha regenerado pelo Espírito.
Ao morrer na cruz, Cristo, vendo Maria, sua mãe segundo a carne, e João, o discípulo que ele amava, disse a este último: «Eis a tua mãe» e a Maria: «Eis o teu filho» (Jo 19, 26-27). Portanto, Cristo chamou Maria mãe de João não porque o tinha gerado, mas para que o amasse.
O próprio José foi chamado pai de Cristo, não como pai em sentido físico, mas como seu custódio: devia alimentá-lo e protegê-lo. Com maior razão Deus chama a si próprio Pai dos homens e quer ser chamado Pai pelos homens.
Bondade inefável: ele habita nos céus, nós vivemos na terra; ele fez os séculos, nós vivemos no tempo; ele tem o mundo nas suas mãos, nós sobre a face do mundo somos pouco mais que gafanhotos.

Cirilo de Jerusalém, Catequeses pré-baptismais 7, 8


O canto de Gabriel

Gabriel foi enviado a Nazaré para que levasse à Virgem o feliz anúncio do Pai. O anjo encontrou Maria em casa e saudou-a com estas palavras:
“Alegra-te, ó cheia de graça: o Senhor é contigo.
Alegra-te, ó primeira e única a conceber um menino livre da maldição.
Alegra-te, tu que geras para o mundo o princípio da vida.
Alegra-te, ó mulher virgem e mãe.
Alegra-te, ó mulher sem núpcias, mas não sem descendentes.
Alegra-te, ó mulher sem semente, mas não sem fruto.
Alegra-te, tu que esperas o parto, mas não terás dificuldades.
Alegra-te, tu que levas o defensor ao teu pai Adão.
Alegra-te, tu que sem fadigas seguras o autor da criação.
Alegra-te, tu que sem castigo és a intermediária entre Deus e a humanidade.
Alegra-te, tu que dás à luz um Deus que não é só Deus, um homem que não é só homem.
Alegra-te, ó cheia de graça: o Senhor é contigo”.
A virgem não deu importância à exortação para a alegria, mas, reflectindo sobre aquela saudação, disse: “Que saudação é esta? E que é este que entrou na nossa casa sem ser convidado?”
O Anjo explicou-lhe: “Não temas, Maria: recebeste a graça que a primeira das mulheres perdeu. Ela, sozinha, deixou-se enganar, mas agora tu, sozinha, pões fim a esse engano. Darás à luz um filho a quem darás o nome de Jesus”.

Atipatros de Bostra, Homilia sobre o Precursor, 9

Trouxe no seu seio o pão celeste


Um grande mistério foi operado por meio de Maria: um mistério que ultrapassa qualquer compreensão e qualquer invocação.
Enorme poder recebeu a Mãe de Deus, a qual, por isso, é mais excelsa que todos os santos que nós adoramos.
Se Cristo concedeu a alguns dos seus servos a graça de curar os enfermos não só com o contacto, mas até com a sombra – em Jerusalém, as pessoas levavam os doentes para os caminhos para que a sombra de Pedro os curasse ((Act 5, 15) –, que poder terá dado à Mãe?
E se Cristo declarou feliz o apóstolo Pedro, confiando-lhe as chaves do Reino dos céus, não é mais possível que Maria seja proclamada mais feliz do que todos, por ter sido considerada digna de dar à luz Aquele que Pedro reconheceu como Filho do Deus vivo?
E se Paulo foi chamado de “homem escolhido” (At 9, 15) porque tinha levado, através da pregação, o nome de Cristo a toda a parte, não será mais a Mãe de Deus que trouxe no seu seio o Pão celeste que é distribuído aos fiéis como o seu alimento e a sua força?

Basílio de Selêucia, Homilia sobre a Mãe de Deus, 6


Primeiro saiu do Seio e depois saiu do sepulcro


Foi engolida a Morte na luta
No teu despertar dos mortos, ó Cristo Deus.
Por isso, nós que nos gloriámos da tua paixão
Estamos em festa e gozamos
E te celebramos e gritamos: Ressuscitou o Senhor!

Verdadeiramente ressuscitou o Senhor.
Ainda que os guardas do sepulcro tivessem recebido dinheiro
Para que voluntariamente se calassem,
Mas são as pedras que gritam
Que sem necessidade de ajuda
A pedra cortada do monte se ergueu:
Um dia do seio da Virgem, hoje do sepulcro
Ressuscitou o Senhor!

Tu, ó Salvador, do seio da Virgem saíste
Deixando intacta a sua virgindade;
Assim hoje a morte com a morte matastes;
O sudário e José no túmulo deixastes;
Mas elevastes do túmulo o pai de José:
Atrás de ti veio Adão e Eva te seguiu:
Eva serve Maria!
Diante de ti toda a terra se prostra,
Para ti entoa o cântico de vitória:
Ressuscitou o Senhor!

Romano o Melodista, A Ressurreição

Pensámo-lo como homem, adorámo-lo como Deus

A solicitude do Criador pelas suas criaturas é-nos conhecida. Ela explica porque é que o Redentor incarnou.
Estava no seu desígnio de amor não deixar que o género humano se perdesse, desde o momento em que Ele tinha construído o universo e dado o ser às realidades inexistentes.
O Senhor do mundo não achava justo permitir que o homem, por amor do qual todas as realidades foram feitas, se encontrasse assediado pelo pecado e fosse vendido como um prisioneiro à morte.Por esse motivo, assumiu a forma humana, ocultou a natureza invisível debaixo da visível, e manteve a visível sem mancha do pecado.
Indubitavelmente, era-lhe muito fácil salvar os homens mesmo sem assumir a carne humana. Podia destruir o poder da morte com um simples acto da sua vontade. Podia fazer desaparecer o pai deste poder, o pecado, tirando-o da terra de modo que sobre a terra não ficasse qualquer vestígio.
Pelo contrário, quis mostrar a santidade da sua providência. Para trazer ao homem a salvação não se serviu dos anjos e dos arcanjos, nem fez ressoar no céu uma voz estrondosa. Preferiu construir uma casa no útero da Virgem e através dela chegou até nós.
Por isso, pensámo-lo como homem e adorámo-lo como Deus. Gerado do Pai antes do início do tempo, assumiu da Virgem um corpo visível. Ele é simultaneamente o novo e eterno Ser.

Teodoreto, Terapia dos débeis pagãos 6, 74

Se Cristo não tivesse nascido de uma mulher

Nasceu de uma mulher um Deus que não era só Deus e um homem que não era só homem.
Nascendo, Ele constituiu como porta da salvação aquela que noutro tempo tinha sido o início do pecado. Lá, de facto, a serpente, disfrutando da desobediência, tinha expelido o seu veneno, ali o Verbo, tendo vindo por obediência, edificou um templo vivo. Do ventre da mulher tinha nascido o primeiro filho do pecado, Caim, e do ventre da mulher nasceu Cristo, o redentor do género humano.
Não nos envergonhemos do facto de Ele ter nascido de uma mulher. Aquele parto foi para nós o início da salvação.
Se Cristo não tivesse nascido de uma mulher, não teria morrido nem teria «reduzido à impotência aquele que detinha o poder da morte, isto é, o diabo» (Heb 2, 14).

Proclo de Constantinopla, Homilia sobre a Mãe de Deus


O natal e o baptismo

Ensinados não com palavras de sabedoria humana, mas pela doutrina do Espírito Santo, o que aprendemos é o que cremos e o que cremos é o que pregamos, a saber, que o Filho de Deus, gerado do Pai antes dos séculos, veio aí este mundo pelo seio de uma virgem escolhida para este mistério da piedade.
Sendo igual ao Pai e ao Espírito Santo, diminuiu-Se por causa da nossa fraqueza, por amor dos que eram incapazes de chegar até Ele, por isso se diz que Se aniquilou a Si próprio.
Nesta missão, em que Deus se uniu a uma humanidade, o Filho é desigual Pai, não enquanto procede do Pai, mas naquilo que é feito de homem.
Reconheça, portanto, fé católica na humildade do Senhor a sua nobreza e a sua glória. Fez-Se homem do nosso género, para nos podermos tornar consortes da natureza divina. A fonte de vida que tomou no seio da Virgem, pô-la na fonte do batismo; deu à água o que tinha dado a sua Mãe: porque o poder do Altíssimo e a sombra do Espírito Santo, que fez com que Maria desse ao mundo o Salvador, essa mesma faz que a água regenere a quem crê.


Leão magno,
Sermões para o Natal 5, 25


Natal e teofania


Jesus Cristo acaba de nascer; dai-Lhe Glória! Ele desce dos Céus; correi para Ele! Cristo está na terra; sendo celeste veio ao meio dos homens. De novo se dissipam as trevas e se levanta a luz; de novo o Egipto é coberto de trevas, e de novo uma coluna de fogo ilumina Israel. Povo que estavas sentado na noite da ignorância, contempla esta grande luz do conhecimento.
Celebramos hoje a Teofania ou o Natal, uma vez que se dizem ambas as palavras e se empregam os dois termos para designar o mesmo acontecimento. Deus manifestou-Se aos homens pelo seu nascimento. Aquele que é, existe eternamente, que desde toda a eternidade Se eleva acima de tudo, um dia nasceu para nós. Porque Deus Se manifestou, esta chama-se Teofania, e porque o fez nascer, chama-se Natal.
Celebremos então, este dia, cheios de alegria do céu e não do mundo, duma verdadeira alegria divina. Não é a nós mesmos que festejarmos hoje, mas Àquele que é o nosso Senhor.


Gregório de Nazianzo, Sermão para o dia de Natal


A virgindade está na integridade da fé, esperança e caridade

Celebremos, pois, com júbilo, o dia em que Maria deu à luz o Salvador; a casada, ao Criador do matrimónio; a virgem, ao príncipe das virgens; ela que foi virgem antes do matrimónio, virgem no matrimónio, virgem durante a gravidez, virgem quando amamentava.
É boa a fecundidade no matrimónio, mas melhor é a virgindade consagrada. Assim, pois, a Igreja, virgem santa, celebra hoje o parto da Virgem. Onde está essa virgindade casta em tanta gente de um e outro sexo, não só jovens e virgens, mas também mães e pais casados? Onde está, repito, essa virgindade casta, senão na integridade da fé, da esperança e da caridade? A virgindade que Cristo pensava abrigar no coração da sua Igreja antecipou-a no corpo da Maria.

Agostinho de Hipona, Sermones, 188


Mude de vida quem quiser receber a vida


Por graça de Deus, irmãos caríssimos, já está perto o dia em que, cheios de alegria, iremos celebrar o nascimento do Senhor e Salvador. Por isso vos rogo e admoesto que, na medida em que pudermos, trabalhemos, com a ajuda de Deus, para que, naquele dia, nos possamos aproximar do altar do Senhor, de consciência pura e sincera e de coração limpo e corpo casto, e mereçamos receber o seu Corpo e Sangue, não para julgamento, mas para remédio da nossa alma.
De facto, no Corpo de Cristo está em nossa vida, como o disse o Senhor:
Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tardeis a vida em vós. Por isso, mude de vida quem quiser receber na vida, porque, se não mudar de vida, receberá a vida para condenação e por ela ficará mais corrompido que curado, mais morto que vivificado.


Cesário de Arles, Sermão 187


Confirmados na santidade
pelos exemplos da Mãe


Introduziu-se na liturgia da Santa Igreja o costume, Belo e salutar, de cantarem todos este hino (Magnificat) de Maria, na salmodia vespertina, para que o espírito dos fiéis, ao recordarem assiduamente o mistério da Encarnação do Senhor, se entreguem com generosidade ao serviço divino e, lembrando-se constantemente dos exemplos da Mãe de Deus, se confirmem na verdadeira santidade. E pareceu muito oportuno que isto se fizesse uma hora de Vésperas, para que a nossa mente, fatigada e distraída ao longo do dia com pensamentos diversos, encontre o recolhimento e a paz de espírito ao aproximar-se o tempo de descanso.

Beda Venerável, Homilia 4


Por instinto natural desejamos o que é bom e belo

Tendo recebido o preceito de amar a Deus, na nossa própria natureza possuímos a força e a faculdade de O amar; não é preciso demonstrá-lo com argumentos exteriores, mas qualquer um de nós o pode experimentar por si mesmo e em si mesmo. Por instinto natural desejamos o que é bom e belo, embora nem a todos pareçam boas e belas as mesmas coisas; do mesmo modo, sem que ninguém no-lo tenha ensinado, amamos aqueles que nos são mais próximos por parentesco ou convivência e espontaneamente mostramos simpatia para com os nossos benfeitores.
Pergunto então: que há de mais admirável que a beleza divina? Que pensamento é mais agradável e suave que a magnificência de Deus? Que desejo de alma é tão forte e veemente como o que Deus infunde na alma purificada de todo o vício e que diz com verdadeiro afecto: “
estou ferido de amor?” Como são inefáveis e inenarráveis os esplendores da beleza divina!

Basílio de Cesareia, Regula Monastica Maior, 2


No dia do teu Baptismo venceste a morte


Assim como o dia do Senhor foi o início da criação e pôs fim ao sábado, do mesmo modo esse dia, tendo regenerado o homem, pôs fim à circuncisão. Ambos os acontecimentos se realizaram no oitavo dia, quer o início da criação quer o novo nascimento do homem. Por isso foi o oitavo dia que dissolveu o sábado, e não o sábado o oitavo dia. Tal como os sacrifícios eram imagem das coisas futuras, assim a circuncisão de uma parte do corpo do homem era a sombra da circuncisão total. O que então era feito como figura do baptismo, foi-nos dado por Cristo. Então como que se gerava em sombra uma parte da realidade; agora, porém, como diz o Apóstolo, despimos toda a geração terrena, regenerados pelo banho, para não morrermos mais segundo a primeira geração, mas segundo a circuncisão, pela qual o corpo foi despido, a fim de vivermos uma vida nova, a fim de ser realidade em nós aquilo que disse o Senhor Jesus: «Hoje foi tirado de vós o opróbrio do Egipto». O mesmo e muito mais pode dizer-se de cada um daqueles que acaba de ser baptizado: Neste dia te foi tirado o opróbrio da geração terrena, neste dia te foi tirado o opróbrio da corrupção da morte.


Pseudo-Atanásio,
O sábado e a circuncisão.


Não participeis do Natal negligentemente


Como iremos desculpar-nos ou que perdão esperamos obter, ao vermos que o
Senhor desceu do Céu por nossa causa, se nós não nos incomodamos, deixando as nossas casas para ir onde Ele está? Vês que uns magos, pagãos e estrangeiros, vieram prontamente da Pérsia, para ver Aquele que estava num presépio, e tu, que és cristão, não podes suportar nem sequer uns momentos, para desfrutar deste feliz espetáculo? De facto, se viéssemos com fé, vê-l’O-íamos verdadeiramente deitado no presépio, uma vez que esta mesa faz as vezes de presépio.
Também aqui está o Corpo do Senhor, não certamente envolvido em panos como então, mas totalmente revestido pelo Espírito Santo. Os que estão iniciados nos mistérios entendem o que eu digo. Na verdade, os magos não fizeram mais do que adorá-l’O, ao passo que a ti permitimos que O recebas e, depois de O receberes, que vás para casa.
Por isso, exorto-vos a todos a que não participeis dos divinos mistérios negligentemente e como que obrigados pela festa. Sempre que pensardes em participar da oblação sagrada, começai a purificar-vos muitos dias antes pela mudança de vida, a oração e a esmola, e através de exercícios espirituais...

João Crisóstomo, Homilias sobre Deus incompreensível, VI,3


Terias morrido para sempre, se Ele não nascesse no tempo

Chama-se dia de Natal do Senhor a data em que a Sabedoria de Deus Se manifestou como criança e a Palavra de Deus, sem palavras, fez ouvir a voz da carne. Com o aniversário desta festividade celebramos o dia em que se cumpriu a profecia: A verdade germinou da terra e a justiça desceu do Céu. Ora bem, de quem veio com tanta humildade, grandeza tão excelsa? Certamente não veio para seu bem, mas para nosso bem, desde que acreditemos. Desperta, ó homem; por ti Deus Se fez homem. Nunca terias sido liberto da carne do pecado, se Ele não assumisse a semelhança da carne do pecado. Estarias condenado à miséria eterna, se não fosse a sua grande misericórdia. Não terias voltado à vida, se Ele não descesse ao encontro da tua morte. Terias sucumbido, se Ele não viesse em teu auxílio. Estarias perdido sem remédio, se Ele não viesse salvar-te.
Celebremos com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos o dia feliz, em que o grande e eterno Dia, procedente do grande e eterno Dia, veio inserir-se neste nosso dia temporal e tão breve. O homem que acredita n’Aquele que por nós nasceu não é justificado por si mesmo, mas por Deus. Alegremo-nos, portanto, com esta graça, para que o testemunho da nossa consciência seja a nossa glória, e não nos gloriemos em nós, mas no Senhor.

Agostinho, Sermão 185.

Cada dia seja o Natal do amor


No Cântico dos Cânticos a Esposa, isto é a Igreja, grita às meninas adolescentes, isto é, à humanidade: «Conjuro-vos, filhas de Jerusalém!»
Porque é que suplica às adolescentes? «Conjuro-vos, filhas de Jerusalém: despertai o amor, fazei que ele se levante» (Cântico 2, 7).
Desde este tempo, o amor – é como se a Esposa dissesse – dorme dentro de vós? Em mim o amor não dorme, porque pelo amor sou ferida. Mas em vós, em vós o amor pelo Esposo, por Cristo, este amor dorme.
Eu vos suplico: despertai o amor que há em vós e, depois de o terdes acordado, fazei que ele se levante!
O Criador de todas as coisas, quando vos criou, colocou nos vossos corações as sementes do amor. Mas neste momento o amor dorme em vós.
O Verbo de Deus dorme nos não crentes e em todos os homens de corações duvidosos, enquanto que nos santos está desperto.
Dorme naqueles que são abanados pela tempestade, mas acorda logo que gritarem aqueles que querem ser salvos e que, por isso, querem acordar o Esposo.
Quando ele dorme, é tempestade, morte, desespero. Logo que acorda, volta a paz. O tumulto das águas acalma. Ele dá ordens às rajadas de vento e a cólera das ondas faz silêncio.


Orígenes, Homilia sobre os Cânticos dos Cânticos, 2, 9


Hoje nasceu o nosso Salvador

Hoje, caríssimos irmãos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida, uma vida que destrói o temor da morte e nos infunde a alegria da eternidade prometida.
Ninguém é excluído desta felicidade, porque é comum a todos os homens a causa desta alegria: nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio para nos libertar a todos.
Dêmos, pois, caríssimos irmãos, graças a Deus Pai, pelo seu Filho, no Espírito Santo. Deponhamos, o homem velho com suas más acções, e já que fomos admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.
Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Pelo sacramento do baptismo, foste transformado em templo do Espírito Santo. O preço do teu resgate é o Sangue de Cristo. Há-de julgar-te com verdade Aquele que por sua misericórdia te remiu e com o Pai e o Espírito Santo reina pelos séculos dos séculos. Amen.

Leão Magno, sermão para o Natal, nº1


Celebremo-l’O na companhia das suas ovelhas

Quando nos foi lido o Evangelho, ouvimos a voz dos Anjos, pela qual foi anunciado aos pastores que o Senhor Jesus Cristo nasceu de uma Virgem. Digamo-lo também nós, que não anunciamos o seu nascimento a pastores de ovelhas, mas que o celebramos na companhia das suas ovelhas, digamo-lo também nós, volto a repeti-lo, com o coração cheio de fé e a voz cheia de amor: Glória a Deus no Céu, e paz na terra aos homens de boa vontade...
Se tu dizes, ó homem, que existe em ti o desejo do bem, mas que não consegues realizá-lo; que te deleitas na Lei de Deus segundo o homem interior, mas vês outra lei nos teus membros que se opõe à lei da tua razão e que te mantém cativo na lei do pecado que mora nos teus membros, persiste na boa vontade., porque a paz na terra é para os homens de boa vontade. Persista, portanto, em vós a boa vontade contra os maus desejos, e na sua perseverança implore o auxílio da graça de Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. De facto, quem será capaz de querer e poder, se não nos ajuda com a sua inspiração, para que possamos, Aquele que, com a sua vontade, nos deu o querer? Digamos estas coisas e outras que a piedade, instruída pelas santas leituras, nos possa sugerir, para que a celebração do Natal d’Aquele que nasceu da Virgem não seja infrutífera para nós, e, desse modo, iniciados na boa vontade, mereçamos a perfeição da plena caridade, difundida também em nossos corações não por nós mesmos, mas pelo Espírito Santo, que nos foi dado.

Agostinho, Sermão 193.

Olha para o presépio e não te envergonhes de ser o jumento do Senhor

A Palavra de Deus revestiu-Se de carne e nasceu da Virgem Maria. Foi maravilhoso o seu nascimento.
Estavas a dormir, e veio até junto de ti; ressonavas, e despertou-te; fez para ti um caminho através d’Ele para não te perder a ti. Uma vez que a Verdade germinou da terra, nosso Senhor Jesus Cristo nasceu de uma Virgem. A justiça desceu do Céu, para que os homens não tivessem a justiça deles, mas a de Deus.
Criou todas as coisas, e entre todas as coisas foi criado; fez o dia, e veio ao dia; existia antes do tempo, e assinalou o tempo. Cristo Senhor existe sem começo e desde sempre junto do Pai. Pergunta, no entanto, que dia é hoje? É o dia de Natal. De quem? Do Senhor. Tem dia de natal? Tem. Nasceu para que renascêssemos. Ninguém duvide que pode renascer, porque Cristo nasceu. A mãe trouxe-O no seio; levemo-l’O nós no coração; a Virgem ficou grávida pela encarnação de Cristo; viva o nosso peito cheio de fé em Cristo; ela deu à luz o Salvador; dêmos nós à luz os nossos louvores. Não sejamos estéreis...
Aquele que enche o mundo só encontrou lugar num estábulo; colocado na manjedoura, tornou-Se alimento para nós.
Olha para o presépio e não te envergonhes de ser o jumento do Senhor. Levarás Cristo, e não te enganarás no caminho que percorres, porque sobre ti vai o caminho. Recordais-vos daquele jumento que levaram ao Senhor? Ninguém tenha vergonha; aquele jumento somos nós. Vá sentado sobre nós o Senhor e chame-nos para que O levemos aonde Ele quiser. Somos o seu jumento e vamos a Jerusalém. Sendo Ele que vai sentado, não nos sentimos oprimidos, mas honrados; tendo-O a Ele por guia, não erramos: vamos até Ele, vamos através d’Ele, e não perecemos.

Agostinho, Sermão 189.

recebestes a unção da salvação e o selo da vida eterna

É certo, irmãos caríssimos, que a divina bondade sempre olhou de vários modos e de muitas maneiras pelo bem do género humano, mas nos últimos tempos ultrapassou toda a costumada abundância da sua benignidade, quando, em Cristo, a própria misericórdia desceu aos pecadores. O Verbo tinha sido prometido desde a criação do mundo, e nunca deixara de ser profetizado por sinais, acções e palavras; mas que porção da humanidade salvariam essas figuras e esses ocultos mistérios, se Cristo, com a sua vinda, não realizasse essas longínquas e veladas promessas?
Para o homem que renasce, a água do baptismo é como um seio virginal, porque a fonte baptismal fica repleta do mesmo Espírito Santo de que a Virgem foi cumulada, para que o pecado, que lá foi destruído pela santa concepção, aqui seja lavado pela ablução mística.
Mas vós, irmãos, permanecei firmes na fé que professastes diante de muitas testemunhas, na qual, renascidos pela água e pelo Espírito Santo, recebestes a unção da salvação e o selo da vida eterna. Não troqueis por ímpias fábulas e invenções a esplêndida luz da verdade, e tudo o que lerdes ou ouvirdes contrário à regra do Símbolo católico e apostólico, tende-o na conta de mortal e nascido do Demónio. Apegai-vos, caríssimos irmãos, a esta unidade com alma e coração, sem vos deixardes abalar.

Leão Magno, sermão para o Natal, 1


Fez-Se homem Aquele que fez o homem

A Palavra do Pai, por quem foram feitos os tempos, ao tornar-se carne, deu-nos o seu Natal no tempo; na sua origem humana quis ter também um dia Aquele sem cuja vontade não transcorre nem um dia. Estando junto do Pai, precede todos os séculos; nascendo da mãe, introduziu-Se neste dia no curso dos anos.
Fez-Se homem Aquele que fez o homem, de modo que toma o peito quem governa os astros; o pão sente fome, a fonte tem sede, a luz dorme, o caminho cansa-se na caminhada, a verdade é acusada por testemunhas falsas, o juiz dos vivos e dos mortos é julgado por um juiz mortal, a justiça é condenada por gente injusta, o rebento é coroado de espinhos, a raiz é suspensa de um madeiro, a força torna-se fraca, a saúde fica doente, a vida morre... Assim se cumpriu o que o Salmo predissera:
A fidelidade germinou da terra. Maria foi virgem antes de conceber e depois de dar à luz. Aquilo que admirais na carne de Maria, realizai-o no íntimo da vossa alma. Quem, no seu coração, crê em ordem à justiça, concebe a Cristo; quem O confessa com a sua boca, e com o olhar posto na salvação, dá Cristo à luz.

Agostinho, Sermão 191.


No Natal celebremos não o nascimento divino, mas o humano

Nosso Senhor Jesus Cristo que estava junto do Pai antes de nascer da mãe, não só escolheu a Virgem da qual queria nascer, mas também o dia em que havia de nascer... Ninguém pode escolher o dia do seu nascimento. Mas Ele, ao contrário, pôde escolher ambas as coisas, porque as pôde criar a ambas.
Não Se tornou feliz a Si próprio ao nascer em tal dia, mas fez feliz o dia em que Se dignou nascer, pois o dia do seu nascimento encerra também o mistério da sua luz. Reconheçamos o dia e sejamos dia. Éramos noite, quando vivíamos na infidelidade. E, como a infidelidade tinha coberto de trevas o mundo inteiro como se fosse noite, tinha de diminuir ao aumentar a fé; por isso, começa a diminuir a duração da noite e a aumentar a do dia na própria festa do Natal de nosso Senhor Jesus Cristo. Celebremos, pois, irmãos, solenemente este dia, não por causa do sol, como os pagãos, mas por causa d’Aquele que criou este sol. Ele que era a Palavra fez-Se carne, para poder estar sob o sol por nossa causa.
Celebremos, pois, ó cristãos, neste dia, não o nascimento divino, mas o humano. Segundo a fé católica, devemos aceitar os dois nascimentos do Senhor: um divino e outro humano; aquele fora do tempo, este no tempo. Ambos igualmente maravilhosos: o primeiro, sem mãe; o segundo, sem pai. O que a razão humana não compreende percebe-o a fé. Quem será capaz de dizer que a Palavra de Deus, por quem foram feitas todas as coisas, não podia fazer para si uma carne mesmo sem mãe, do mesmo modo que fez o primeiro homem sem pai e sem mãe?
Renasçam ambos os sexos no dia que nasceu hoje e celebrem este dia, não por Cristo Senhor ter começado a existir hoje, mas porque O que existia desde sempre junto do Pai apareceu neste mundo com a carne que recebeu de sua mãe, à qual ofereceu a fecundidade sem a privar da integridade. É concebido, nasce, é um infante. Quem é este infante? Chama-se infante Àquele que não pode dizer nada, ou seja, Àquele que não pode falar. É menino que não pode falar e é a Palavra.
Reconheçamos e anunciemos o Dia do Dia que neste dia nasceu na carne. Dia Filho nascido do Dia Pai, Deus de Deus, Luz da Luz. Deus tenha compaixão de nós e nos dê a sua bênção.

Agostinho, Sermão 190.


SABEDORIA DE ONTEM PARA O MUNDO DE HOJE.